Retalhos Como Francisco e Clara de Assis, a Fraternidade a todos saúda em Paz e Bem!Retalhos

14 de abril de 2017

Despojamento e Cruz

Só aí, na cruz, ao beber o cálice amargo, Jesus tornou-se homem até ao máximo das Suas possibilidades, … mas o fruto da árvore amarga da cruz é a alegre notícia da Páscoa.



DESPOJAMENTO E CRUZ
‘Formas de seguir Jesus’
«Se os homens soubessem... que Deus "sofre" con­nosco e muito mais do que nós todo o mal que devasta a terra, muitas coisas mudariam sem dúvida e muitas almas seriam libertadas» (J. Maritain). Os traços do rosto trinitário de Deus, revelados na história da Paixão e morte de Jesus de Nazaré, chamam o homem à liberdade no seguimento da Cruz.
a) A cruz é o lugar em que Deus fala no silêncio, o silêncio da finitude humana, que por amor se tornou a Sua finitude! O mistério escondido nas trevas da cruz é o mistério da dor de Deus e do Seu amor. Um aspecto exige o outro: o Deus cristão sofre porque ama, e ama enquanto sofre. Ele é o Deus «da compaixão», porque é o Deus para nós, que Se dá até ao ponto de sair totalmente de Si, de se despojar de tudo, na alienação da morte, para nos acolher plena­mente em Si, na doação da vida que é feita por Jesus. Na morte de cruz o Filho entrou no «fim» do homem, no abismo da sua pobreza, do seu despojamento, da sua tristeza, da sua solidão, da sua escuridão. E somente aí, ao beber o cálice amargo, que viveu até ao fundo a experiência da nossa condição humana,- na escola da dor tornou-Se homem até ao máximo das Suas possibilidades. Mas também o Pai conheceu a dor, pois na hora da cruz, enquanto o Filho Se oferecia a Ele numa obediência incondicional e numa infinita solidariedade com os pecadores, também o Pai fez história! Ele sofreu como Inocente entregue injustamente à morte; e, toda­via, optou por oferecê-Lo, para que na humildade e na ignomínia da cruz se revelasse aos homens o amor trini­tário de Deus por eles e a possibilidade de se tornarem participantes. E o Espírito, «entregue» por Jesus mori­bundo ao Seu Pai, não esteve menos presente no escon- dimento daquela hora; Espírito de extremo silêncio, Ele foi o espaço divino do sofrimento doloroso e amante que se consumou entre o Senhor do céu e da terra e Aquele que Se fez pecado por nós, de modo que se abrisse uma passagem no abismo e se fechasse para os pobres o cami­nho do Pobre.
Esta morte em Deus não significa, porém, a morte de Deus que o «louco» de Nietzsche vai gritanto nas praças do mundo,- não há nem nunca haverá um tempo em que se possa cantar com verdade o «Requiem aeternam Deo»! O amor trinitário que une o Abandonante ao Abandona­do, e nestes o mundo, vencerá a morte, apesar do apa­rente triunfo desta. É no despojamento total de Si mesmo que Jesus manifesta a plenitude do amor de Deus. A surpreendente identidade do Cru­cificado e do Ressuscitado mostra abertamente o que se revelou na cruz «sub contrario» e garante que aquele fim é um novo princípio: o cálice da paixão de Deus encheu-se com uma bebida de vida, que dimana e jorra para sempre (cf. Jo 7,37-39). Adão morreu, nasceu o novo Adão, Cristo e o homem que, com Ele e n'Ele, vence o pecado e a morte. Deus morreu, mas ofereceu-Se a todos os homens o mistério do Pai que, acolhendo o Abando­nado no momento da glória, acolhe-os também conSigo. O fruto da árvore amarga da cruz é a alegre notícia da Páscoa: o dia em que Deus morreu dá lugar ao dia do Deus que vive. O Consolador do Crucificado foi derra­mado em toda a carne para ser o Consolador de todos os crucificados da história e para revelar na humildade e na ignomínia da cruz, de todas as cruzes da história, a pre­sença corroborante e transformadora do Deus cristão.
A «palavra da cruz» (ICor 1,18) demonstra que é no despojamento, na pobreza, na fraqueza, na dor e na reprovação do mundo, que encontraremos Deus, - não os esplendores das per­feições terrenas, mas precisamente o seu contrário, a pequenez e a ignomínia, tornam-se o lugar da Sua pre­sença entre nós, o deserto onde Ele fala ao nosso coração. A perfeição do Deus cristão manifesta-se nas imper­feições, que Ele assume por nosso amor: a finitude do sofrimento, a dor extrema da morte, a fraqueza da pobre­za, o cansaço e a incerteza do amanhã, são outros tantos lugares, onde Ele mostra o Seu amor, perfeito até à con­sumação total do dom. E nestas imperfeições que ecoa no Espírito a palavra que sela o acontecimento da cruz: «Tudo está realizado» (Jo 19, 30). Na vida de cada homem já pode ser reconhecida a cruz do Deus trinitário: no sofrimento torna-se possível abrir-se ao Deus presente, que Se oferece connosco e por nós, e transformar a dor em amor, o sofrimento em oferecimento. O Espírito do Crucificado opera o milagre desta revelação salvífica: Ele é o Consolador da paixão do mundo, Aquele que pro­clama a verdade da história dos vencidos, confundindo a história dos vencedores. Vive connosco e em nós as ago­nias da vida, tornando presente no nosso sofrimento o sofrimento do Filho e do Pai, e por isso, abrinos-nos uma aurora de vida, revelação e dom do mistério de Deus. A «kenosis» do Espírito nas trevas do tempo dos homens é apenas o fruto da «kenosis» do Verbo na história da pai­xão e morte de Jesus de Nazaré, a última consequência do maior amor, que venceu e vencerá a morte.
b) Como se configuram a Igreja e cada um dos discí­pulos do Deus trinitário, que sofre por nosso amor? Constituem o povo da sequela crucis, a comunidade e o indivíduo «debaixo da cruz». Precedidos por Cristo no abismo da prova, por meio do qual se abre o caminho da vida, os cristãos sabem que devem viver no sinal da cruz as obras e os dias do seu caminho. «Fui morto na cruz com Cristo. Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e Se entre­gou por mim» (Gal 2,20). «Ainda peregrinando na terra, enquanto seguimos as Suas pegadas na tribulação e na perseguição, somos associados aos Seus sofrimentos, como o corpo à cabeça, e sofremos com Ele, para ser com Ele glorificados (cf. Rm 8,17)» (Lúmen Gentium, 7). Nada está mais longe da imagem do discípulo do Crucificado do que uma Igreja tranquila e segura, confiante nos seus meios e nas suas influências: «A cristandade estabele­cida na qual todos são cristãos, mas na sua interioridade secreta não se parece com a Igreja militante mais do que o silêncio da morte com a eloquência da paixão» (Kierkegaard). A Igreja ao pé da cruz é o povo daqueles que, com Cristo e no Seu Espírito, se esforçam por sair de si e entrar no caminho doloroso do amor; é uma comunidade de pobres ao serviço dos pobres, capaz de refutar com a vida os sábios e poderosos desta terra. Uma Igreja ao pé da cruz significa também uma comunidade fecunda na dor dos seus membros: o seguimento do Nazareno, fonte de vida que vence a morte, exige que se percorra com Ele o escuro caminho da paixão: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa da Boa Notícia, vai sal­vá-la» (Mc 8,34-35 e par.). «Quem não toma a sua cruz e Me segue não é digno de Mim» (Mt 10,38 e Lc 14,27). O discípulo deverá «completar na sua carne o que falta aos sofrimentos de Cristo» (Col 1,24): fá-lo-á se conseguir levar a mais pesada de todas as cruzes, a cruz do pre­sente, para a qual é chamado pelo Pai, crendo também sem ver, lutando e esperando, mersmo sem notar a ger­minação dos frutos, na solidariedade com todos aqueles que sofrem (cf. 1Cor 15,26), na comunhão com Cristo, companheiro e sustentáculo do sofrimento humano e na oblação ao Pai, que valoriza cada uma das nossas dores. Esta cruz do presente é o trabalho da fidelidade e tam­bém a perseguição realizado pelos «inimigos da cruz de Cristo» (Fil 3,18). A «via crucis» da fidelidade faz-se de luta interior e das agonias silenciosas dos momentos de prova, de solidão e de dúvida, de despojamento e é sustentada pela oração perseverante e tenaz de uma pobreza que espera a mise­ricórdia do Pai; a mesma «via crucis» da fidelidade de Jesus, com a diferença de que Ele percorreu-a sozinho, enquanto nós fomos precedidos e acompanhados por Ele. A cruz da perseguição é, pelo contrário, a consequência do amor pela justiça e da revitalização de cada suposto absoluto mundano, da parte dos discípulos do Crucifi­cado; é que a sua esperança no Reino futuro os torna subversivos e críticos em realção às miopias de todos os vencedores e dominadores da história. «Eis que Eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos... Sereis odia­dos por todos por causa do Meu nome» (Mt 10,16.22; cf. 16ss). A radicalidade das opções de uma Igreja verdadei­ramente evangélica é intolerável para todos os sistemas de poder e de riqueza: «Dilexi iustitiam, odivi iniqui- tatem, propterea morior in exilio» (palavras escritas sobre o túmulo do Papa Gregório VII): quem amou a justiça, quem odiou a iniquidade, morrerá inevitavel­mente no exílio da cruz, mas confortado e sustentado pelo Crucificado, que venceu a morte. «Basta-te a Minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder» (2Cor 12,9).
A Igreja ao pé da cruz torna-se assim, pela sua própria fome e sede do mundo novo de Deus e pela graça de que é instrumento, um povo que ajuda a levar a cruz e que combate as causas iníquas das cruzes de todos os oprimi­dos, pois confronta-se com as prisões de toda a espécie de lei e com a escravidão de todo o género de poder e, como o seu Senhor, apresenta-se como alternativa hu­milde e corajosa. O Crucificado não hesita em identificar-Se com todos os crucificados da história: «Estava com fome e destes-me de comer; estava com sede e destes-Me de beber; era estrangeiro e recebestes-Me na vossa casa, - estava sem roupa e vestistes-Me; estava doente e cuidastes de Mim; estava na prisão e fostes visi­tar-Me... Todas as vezes que fizestes isto a um dos me­nores dos meus irmãos, foi a Mim que o fizestes» (Mt 25,35-36.40). Nos perseguidos é Ele que está presente: «Saulo, Saulo, porque Me persegues?» (Act 9,4). Quem ama o Crucificado e O segue não pode deixar de se sentir chamado a aliviar as cruzes de todos os que sofrem e destruir as suas causas iníquas com a palavra e com a vida. A cruz da libertação do pecado e da morte exige a libertação de todas as cruzes que são fruto da morte e do pecado: a «imitatio Christi crucifixi» nunca poderá ser aceitação passiva do mal presente! Pelo contrário, con- sumar-se-á na dedicação activa na causa do Reino fu­turo, que é também empenhamento activo e vigilante para fazer do Calvário da terra um lugar de ressurreição, de justiça e de vida plena. A compaixão para com o Cru­cificado traduz-se na compaixão activa para com os membros do Seu corpo na história; por uma Igreja que se debate no problema da relação entre a sua identidade e a sua importância, entre a fidelidade e a criatividade auda­ciosa, isto significa o reconhecimento da possibilidade de resolução. A Igreja reencontra-se-á se se perder, se puser a sua identidade exactamente ao serviço dos ou­tros, para a reencontrar no único nível digno dos segui­dores do Crucificado: o amor.
Ao discípulo, esmagado debaixo do peso da cruz ou amedrontado face às exigências do seguimento, dirige-se a palavra da promessa, manifestada na ressurreição, con­tradição de todas as cruzes da história; palavra de conso­lação e de compromisso, que já sustentou a vida, a dor e a morte de todos os que nos precederam no combate da fé. «Na verdade, assim como os sofrimentos de Cristo são numerosos para nós, assim também é grande a nossa consolação por meio de Cristo» (2Cor 1,5). «Somos atri­bulados por todos os lados, mas não desanimamos, - so­mos postos em extrema dificuldade, mas não somos ven­cidos por nenhum obstáculo; somos perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniqui­lados. Sem cessar e por toda a parte levamos no nosso corpo a morte de Jesus, a fim de que também a vida se Je­sus se manifeste no nosso corpo» (2Cor 4,8-10). Naquele que se esforça por viver assim, a cruz de Cristo não foi em vao (cf. 1Cor 1,17): nele se manifestará também a vitória do Humilde, que venceu o mundo (cf. Jo 16,33)!
Pai, que entregas o Teu único Filho por nós, Filho que vive
o supremo abandono da cruz
e o oferece àquele que Te abandona,
Paráclito do sofrimento,
que unes o Pai que dá e acolhe
ao Filho moribundo
e n'Ele à paixão do mundo,
Trindade da dor,
Deus escondido nas trevas
da Sexta-Feira Santa,
concede-nos, Te pedimos,
que tomemos cada dia
a cruz do abandono,
e a ofereçamos conTigo
numa comunhão maior:
aquela em que Te revelas
Trindade do amor,
Deus da solidariedade
e da proximidade
da fraqueza da Tua criatura.
Amen. Aleluia!

Perguntas que se impõem sobre o despojamento do discípulo: Estou disposto a ler a minha vida a partir da cruz? Sei reconhecer a cruz na minha vida? Como vivo a esperança da Cruz? Em que medida ajudo os outros a levar a sua cruz?
Bruno Forte 

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