Retalhos Como Francisco e Clara de Assis, a Fraternidade a todos saúda em Paz e Bem!Retalhos

23 de maio de 2020

SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR


… Ide a todo o mundo e proclamai …’ (Mc 16,15). 
A liturgia da solenidade da Ascensão encerra em si um conjunto de verdades e de ensinamentos que merecem ser considerados e assumidos por nós como princípios fundamentais e estruturantes da nossa vida. Balançando entre este dilema de ficar a ‘olhar os céus’ ou de viver apenas cabisbaixos, amarrados à terra e vergados ao peso da nossa contingência, este domingo é, no contexto em que vivemos, um apelo à esperança e ao infinito, um infinito que não é uma alienação no tempo e da história, mas sim um convite ao testemunho e à transformação do mundo ao qual o Senhor nos envia. Tal como tinha dito aos discípulos ‘um pouco mais e já não Me vereis, e outro pouco mais e voltareis a ver-Me’, estamos de novo a ver o Senhor e a liturgia ajudar-nos-á a sentir e a partilhar este ‘VER’ em comunhão e com redobrada esperança. 

 Não é fácil, teologicamente falando, enquadrar esta festa da Ascensão do Senhor, uma vez que a sua verdadeira elevação à glória do Pai é a ressurreição, o mistério pascal na sua plenitude. É particularmente através da tradição de Lucas (Evangelho e Actos) que esta festa da Ascensão se enquadra no mistério da salvação como preparação para a sua etapa final: o Pentecostes, o tempo do Espírito e da Igreja. Isto tem certamente uma fundamentação veterotestamentária, constituindo como que um paralelo do que sucede com as tradições do Êxodo, com o dom da Lei, no Monte Sinai. Esta festa era para o judaísmo do período intertestamentário, muito marcado pelas tradições normativas da Torah, a ocasião dos Judeus celebrarem o início da sua identidade religiosa, também ela devedora dos preceitos da Lei que assim definiam e demarcavam o judaísmo das demais religiões dos povos circunvizinhos.  

Muitas vezes, tomando os ecos desta celebração e o texto de Atos (1,11), os cristãos foram acusados de passar demasiado tempo a ‘olhar o céu’, deixando de se comprometerem com a terra e os problemas que envolvem a existência humana. Ora, creio que nada mais errado do que pensar assim. O mandato conferido por Jesus aos seus discípulos é exatamente o contrário. Tal como podemos ver no texto do Evangelho de hoje, o Senhor enviou os discípulos a comprometerem-se com a vida do homem, seja em que lugar for, numa abrangência universal que abarca todas as dimensões da vida. Por isso, os cristãos estão lá, no mundo concreto, onde a dor se torna mais dor, de modo que esta não nos seja indiferente; onde a pessoa não pode ser um objeto negociável, para que os seus direitos sejam tidos e olhados como um bem que deve ser defendido e promovido; lá, onde a vida é desprezada e tantas vezes maltratada, para que lhe sejam prestadas todas as garantias que salvaguardam a sua dignidade; lá, onde a sociedade se constrói nas suas mais diversificadas componentes, culturais, cívicas e religiosas, já que só a garantia da dignidade do Homem na sua totalidade pode ser transformadora do mundo.  

 De facto, o compromisso com o Homem não nos deve nem pode levar a esquecer o céu, pois isso não significa, como a história bem o comprova, a construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna ou a uma maior responsabilidade na construção da ‘cidade terrena’. Por isso, o domingo da Ascensão é também o domingo da esperança, de uma esperança que tem por limites o Infinito de Deus e que tem por objetivo imediato a salvação do Homem. É esse o mandato que o Senhor entrega aos seus discípulos, mesmo que a sua linguagem, conforme o Evangelho de hoje, se situe num outro espaço cultural que não o nosso. Todavia, o imperativo é o mesmo e por isso, ontem como hoje, devemos resistir à tentação de resvalar para o outro extremo e ficar na situação de tantos homens de boa-vontade: ‘Que fazeis vós aqui na terra sem nunca ousardes olhar o céu’? Olhar hoje o céu é comprometer-se e acreditar que é possível transformar a terra e fazer dela um pouco do espaço do céu, desse céu onde a esperança e a fraternidade são capazes de se transformar num serviço ao Homem, mormente neste tempo de crise e de ansiedade. Nós queremos ousar sempre olhar o céu para que a terra seja cada vez mais um lugar onde mora o amor de Deus.         
   Padre João Lourenço, OFM   

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