Retalhos Como Francisco e Clara de Assis, a Fraternidade a todos saúda em Paz e Bem!Retalhos

29 de janeiro de 2014

Janeiro - Formação Permanente - Revitalizar

REVITALIZAR/REAVIVAR A "FORMA DE VIDA"
TESTEMUNHANDO A FRATERNIDADE


1. Palavra inspiradora:
MC 23,8-10: "Quanto a vós, não vos deixeis tratar por mestres, pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. E, na terra, a ninguém chameis pai, porque um só é vosso Pai: Aquele que está nos céus".
Mt 18,20: "Pois onde estiverem reunidos, em Meu nome, dois ou três, Eu estou no meio deles (Cfr. Rnb 22,32-37 OU IR).

2. Regra de vida:
No 4: "A Regra e Vida dos Franciscanos Seculares é esta: observar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo os exemplos de S. Francisco de Assis, que fez de Cristo o inspirador e centro da sua vida para com Deus e com os homens".

3. Algumas implicações
  • Descobrir nos irmãos a pessoa viva e operante de Cristo (R.V., 5).
  • Como irmãos, conformar a sua maneira de pensar e de agir com Cristo (Id., 7).
  • Acolher todos os homens com espírito humilde e benevolente, como sendo um dom do Senhor e a imagem de Cristo. Conviver com todos num espírito de verdadeira alegria (Id., 13).
  • Procurar os caminhos da unidade e dos entendimentos fraternos através do diálogo e com o poder transformador do amor e do perdão, mostrando-se, assim, portadores da paz, a qual deve ser construída constantemente (Id., 19).
  • Assumir a vocação da OFS como o viver o Evangelho em comunhão fraterna (Id., 33).
  • Aprofundar os verdadeiros fundamentos da fraternidade universal e implementar em toda a parte o espírito de acolhimento e o clima de fraternidade (Const., art.º 18,2).
  • Colaborar com os movimentos que promovam a fraternidade entre os povos (Id., art.º 18,3).
  • Atuar como fermento, mediante o testemunho do amor fraterno (Id., art.º 19,l).
  • Entender a paz como obra da justiça e fruto da reconciliação e do amor fraterno (Id., art.º 23,1).

4. Fraternidade/Comunhão - Unidade "versus" solidão-individualismo
- Dia Mundial da Paz : 01.01.2014
- Mensagem do Papa Francisco: "Fraternidade, fundamento e caminho para a paz"
- Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos: 18-25 de Jan.
Estes dois acontecimentos motivam esta partilha fraterna, como contributo de formação permanente dos Irmãos desta fraternidade. Apenas alguns elementos que se apresentam como ajuda a uma reflexão pessoal e como compromisso para a vida concreta.

Da Mensagem do Papa Francisco podemos salientar alguns pontos. Assim:

No 1 e 3: a fraternidade dimensão essencial - A paternidade divina
  • A fraternidade como uma dimensão essencial da pessoa, sendo esta um ser relacional.
  • A consciência desta dimensão essencial leva-nos a ver e a tratar cada pessoa como um verdadeiro irmão. Sem isto, não é possível a construção de uma sociedade justa.
  • A fraternidade começa-se a aprender no seio da família.
  • Apesar da importância das ligações e comunicações que envolvem o nosso planeta e do que elas permitem, isto contrasta muitas vezes com a globalização da indiferença. Torna-nos vizinhos, mas não irmãos.
  • Em muitas partes do mundo: a lesão dos direitos humanos fundamentais, as situações de desigualdade, pobreza, injustiça, a ausência de uma cultura de solidariedade, o individualismo, o egocentrismo, o consumismo materialista... a revelarem uma profunda carência de fraternidade.
  • Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige a referência a um Pai comum – paternidade divina. A partir do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens. A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus que se revela no amor pessoal, solícito e concreto por cada pessoa (cfr. Mt 6,25-30). Quando este amor é acolhido ele torna-se agente de transformação da vida e das relações com o outro.

No 2: Onde está o teu irmão?
  • Partindo da história dos dois irmãos Caim e Abel (Gn 4,l-16), cuja vocação era ser irmãos, importa entender alguns dos obstáculos que se interpõem à realização da fraternidade. Caim assassinou Abel. Recusou-se a reconhecer-se como irmão e a relacionar-se com ele. Ignorou o vínculo da fraternidade, da reciprocidade e da comunhão. Porquê? Por inveja.
  • Esta narração ensina que a humanidade traz inscrita uma vocação à fraternidade, mas também a possibilidade da sua rejeição. Disto mesmo dá testemunho o egoísmo diário, estando este na base de muitas guerras e injustiças.

No 4: A fraternidade é fundamento e caminho para a paz
  • Referindo a "Populorum Progressio", de Paulo VI, salienta: o dever de solidariedade: que nações ricas ajudem as menos avançadas; o dever de justiça social: que requer a reformulação entre povos fortes e povos fracos; o dever de caridade universal: que impele à promoção de um mundo mais humano para todos

No 5: A fraternidade, principio que vence a pobreza
  • A fraternidade é fundamental para vencer a pobreza, porque uma causa importante da pobreza é a falta de fraternidade entre os povos e entre as pessoas. Em muitas sociedades sente--se uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias. Com isto surgem a marginalização, a solidão e várias formas de doença patológica.
  • Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos.

No 6: A redescoberta da fraternidade na economia
  • As graves crises financeiras e económicas dos nossos dias: que têm a sua origem no progressivo afastamento do homem de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens materiais, e também no empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias.
  • As sucessivas crises económicas devem levar a superar os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. Além disso, pode ser também uma ocasião para recuperar as virtudes da prudência, justiça, fortaleza e temperança (virtudes cardiais). Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a descobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros. Estas virtudes são necessárias sobretudo para construir e manter a sociedade a medida da dignidade humana.

No 7: A fraternidade extingue a guerra
  • Irmãos que continuam a viver a experiência dilacerante da guerra. A exigir de todos a oração pela paz.
  • Apelo a quantos semeiam a violência e morte, com armas: naquele que se considera um inimigo a abater, redescobrir um irmão; ir o encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para construir a justiça, a confiança e a esperança.
  • Não bastam os acordos internacionais e as leis nacionais para preservar a humanidade do risco de conflitos armados. É preciso uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão do qual cuidar e com o qual trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude para todos.

No. 8: A corrupção e o crime organizado que contrastam com a fraternidade
  • A fraternidade como sendo geradora de paz social, porque cria o equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade, entre bem dos indivíduos e bem comum.
  • Um autêntico espírito de fraternidade vence o egoísmo individual. Este desenvolve-se quer em formas de corrupção, quer na formação de organizações económicas, as quais, minando a legalidade e a justiça, ferem no coração a dignidade da pessoa. Estas organizações ofendem a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação.
  • O drama da droga, com a qual se lucra desafiando as leis morais e civis; a devastação dos recursos naturais, a poluição, a tragédia da exploração no trabalho, os tráficos ilícitos de dinheiro, a prostituição que destrói e rouba o futuro a tanta gente, o tráfico de seres humanos, os crimes contra menores ...
  • As condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde os reclusos acabam reduzidos a um estado degrandante e violados na sua dignidade.

No 9: A fraternidade ajuda a guardar e a cuidar da natureza
  • A natureza: dom do Criador oferecido à família humana. A natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Por vezes surge a ganância, a soberba de dominar, de possuir, de manipular ..., não permitindo a defesa deste dom e o respeito do mesmo.
  • O sector agrícola que tem a vocação vital de cultivar e guardar os recursos naturais para alimentar a humanidade. De que modo usamos os recursos da terra?

No 10: Conclusão
Uma necessidade: que a fraternidade seja descoberta, amada, experimentada, assumida, testemunhada
...
5. Fraternidade franciscana
  • Antes da fraternidade como ideal de vida evangélica, Francisco encontrou o irmão. No irmão se revelou o Cristo Irmão. Através de Cristo e do seu Evangelho foi percebendo o sentido pleno da paternidade universal de Deus e de família dos filhos de Deus, que irmana os batizados, todos os homens, a criação inteira.
  • Fundada em Cristo, a fraternidade que S. Francisco tem em mente é sempre a que une os homens no amor de um mesmo Pai, realizada, como ele diz, por "um tal filho, agradável, humilde, pacífico, doce, amável e mais que tudo desejável, Nosso Senhor Jesus Cristo, que deu a vida pelas suas ovelhas e orou ao Pai, dizendo: Pai Santo, guarda em Teu nome aqueles que Me deste" (cfr. 1CF 11-14 e Jo 17).
  • Esta unidade, constituída por irmãos, se converte em fraternidade pela ação do Espírito Santo. Francisco, nos seus escritos, fala sempre de fraternidade quando designa o grupo dos seus seguidores. O termo "irmão" aparece com muita frequência nas duas Regras (Rnb e Rb) e no Testamento com adjetivos cheios de afeto: "irmãos meus", "meus irmãos benditos", amadíssimos irmãos" ...
  • Na fraternidade franciscana podemos distinguir alguns aspetos fundamentais:
- Cristo como centro vivo da fraternidade
- a fraternidade vitalizada pela Palavra
- a fraternidade alimentada pela oração
- a fraternidade fundada na caridade
- a mútua aceitação
- a nivelação entre os componentes do grupo-fraternidade (irmãos)
- a mútua abertura e confiança
- a caridade terna, cordial e sacrificada
...
E isto tanto vale para as fraternidades dos "menores" como dos "seculares".

6. A paz franciscana
Da homilia do Papa Francisco, em Assis, a 04 de Outubro de 2013

A propósito de Mt 11, 28-29.
"Esta é a segunda coisa de que Francisco nos dá testemunho (porque a primeira diz respeito ao ser cristão = uma relação vital com a Pessoa de Jesus): quem segue a Cristo, recebe a verdadeira paz, a paz que só Ele, e não o mundo, nos pode dar. Na ideia de muitos, S. Francisco aparece associado com a paz: e está certo, mas poucos vão em profundidade. Qual é a paz que Francisco acolheu e viveu, e que nos transmite? A paz de Cristo, que passou através do maior amor, o da Cruz. É a paz que Jesus Ressuscitado deu aos discípulos, quando apareceu no meio deles e disse: "A paz esteja convosco!"; e disse-o, mostrando as mãos chagadas e o peito trespassado (Jo 20, 19.20).
A paz franciscana não é um sentimento piegas. Por favor, este S. Francisco não existe! A paz de S. Francisco é a de Cristo, e encontra-a quem "toma sobre si" o seu "jugo", isto é, o seu mandamento: "amai- vos uns aos outros, como Eu vos amei" (cf. Jo 13,34; 15,12). E este jugo não se pode levar com arrogância, presunção, orgulho, mas apenas com mansidão e humildade de coração. Voltamo-nos para ti, Francisco, e te pedimos: ensina-nos a ser "instrumentos da paz", da paz que tem a sua fonte em Deus, a paz que nos trouxe o Senhor Jesus"
"Altíssimo, omnipotente, bom Senhor, (...) louvado sejas( ...) com todas as tuas criaturas". Assim começa o Cântico de S. Francisco. O amor por toda a criação, pela sua harmonia. O Santo de Assis dá testemunho do respeito por tudo o que Deus criou e que o homem é chamado a guardar e proteger, mas sobretudo da testemunho de respeito e amor por todo o ser humano. Deus criou o mundo, para que seja lugar de crescimento na harmonia e na paz. A harmonia e a paz! Francisco foi homem de harmonia e de paz. Daqui, desta Cidade da paz, repito com a força e a mansidão do amor: respeitemos a criação, não sejamos instrumentos de destruição! Respeitemos todo o ser humano: cessem os conflitos armados que ensanguentam a terra, calem-se as armas, e que, por toda a parte, o ódio dê lugar ao amor, a ofensa ao perdão e a discórdia à união. Ouçamos o grito dos que choram, sofrem e morrem por causa da violência, do terrorismo ou da guerra na Terra Santa, tão amada por S. Francisco, na Síria, em todo o Médio Oriente, no mundo.

Voltamo-nos para ti, Francisco, e te pedimos: alcançai-nos de Deus o dom de ter, neste nosso mundo, harmonia e pazl"
Frei José Pinto, OFM 
(Assistente Espiritual da Fraternidade Franciscana Secular de S. Francisco à Luz) 

19 de janeiro de 2014

Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2014


http://www.ofm.org/ofm/
http://www.vatican.va/
http://terrasanta.net

Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos: “será que Cristo está dividido?” 

Está em pleno andamento, desde Sábado (18), a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos que, este ano, apresenta como tema o apelo veemente do Apóstolo Paulo por uma sólida unidade: “Será que Cristo está dividido”? O tema é extraído da Carta de São Paulo aos Coríntios (1Cor 1,13).

Diante desta pergunta, pensa-se imediatamente na trágica situação da cristandade dividida, porque a ruptura da Igreja, ainda existente, deve ser entendida como divisão do que por natureza é indivisível, ou seja, a unidade do Corpo de Cristo. Foi precisamente este doloroso problema que animou os padres conciliares a lançarem o documento sobre o ecumenismo, Unitatis redintegratio que, este ano, celebra o seu cinquentenário de publicação. 

Momento central, neste ano, é, sobretudo, a comemoração do histórico encontro entre o patriarca ecuménico de Constantinopla, Atenágoras e Paulo VI, que teve lugar em Jerusalém, há cinquenta anos, precisamente de 5 a 6 de Janeiro de 1964. A então anunciada vontade mútua de restabelecer a unidade entre as duas Igrejas, selada com o ósculo fraterno entre os dois líderes religiosos, em nome dos dois irmãos André e Pedro, continua a ser o ícone da disponibilidade ecuménica de reconciliação.Abraço entre Papa Paulo VI e Patriarca Atenágoras




Promovida mundialmente pelo Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial das Igrejas, a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos realiza-se em períodos diferentes nos dois 

hemisférios. No hemisfério norte, o período tradicional para a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos vai de 18 a 25 de Janeiro. Esta data foi proposta, em 1908, por Paul Watson, por causa da celebração da festa de São Pedro e São Paulo e, portanto, tinha um significado simbólico. 

No hemisfério Sul, por sua vez, as Igrejas geralmente celebram a Semana de Oração no período entre a Ascensão do Senhor e a Solenidades de Pentecostes, que este ano ocorre de 1 a 8 de Junho. Este período foi sugerido pelo movimento Fé e Ordem, em 1926, por ser também um momento simbólico para a unidade da Igreja. A busca da unidade torna-se um gesto concreto, todos os anos, com a celebração da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.O subsídio para 2014 foi preparado por um grupo de representantes das diversas Igrejas presentes no Canadá, que tiveram um encontro a convite do Centro Canadiano para o Ecumenismo e o Centro das Pradarias para o Ecumenismo. O seu trabalho foi posteriormente revisto na sua redacção final pela Comissão Internacional nomeada pela Comissão Fé e Constituição do Conselho ecuménico das Igrejas e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. O texto assim elaborado foi dedicado à memória de dois grandes recentemente desaparecidos, o teólogo Ralph Del Colle (1954-2012) e a Professora Margaret O'Gara (1947-2012 ). Fazem parte do material difundido alguns hinos e cânticos, especialmente preparados por escritores e compositores canadianos para a Semana de Oração. O repertório inclui versos intensos como estes: "Todas as raças, línguas e culturas santificadas pelo Espírito se transformam em uma única voz no testemunho de Jesus Crucificado. Unidos pelo Espírito: uma luz para a humanidade. O sacrifício de Jesus é suficiente para esta época e para sempre".http://pt.radiovaticana.va/news/2014/01/18/semana_de_ora%C3%A7%C3%A3o_pela_unidade_dos_crist%C3%A3os:_%E2%80%9Cser%C3%A1_que_cristo_est%C3%A1/por-765181

Crer e Pertencer - Conferência no CCF


1 de janeiro de 2014

1 de janeiro de 2014 - Santa Maria Mãe de Deus


MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA

O XLVII DIA MUNDIAL DA PAZ -
1 DE JANEIRO DE 2014 

FRATERNIDADE, FUNDAMENTO E CAMINHO PARA A PAZ

1. Nesta minha primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz, desejo formular a todos, indivíduos e povos, votos duma vida repleta de alegria e esperança. Com efeito, no coração de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar.

Na realidade, a fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.

O número sempre crescente de ligações e comunicações que envolvem o nosso planeta torna mais palpável a consciência da unidade e partilha dum destino comum entre as nações da terra. Assim, nos dinamismos da história – independentemente da diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos.

Em muitas partes do mundo, parece não conhecer tréguas a grave lesão dos direitos humanos fundamentais, sobretudo dos direitos à vida e à liberdade de religião. Exemplo preocupante disso mesmo é o dramático fenómeno do tráfico de seres humanos, sobre cuja vida e desespero especulam pessoas sem escrúpulos. Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas.

A globalização, como afirmou Bento XVI, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos.[1] As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do «descartável» que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados «inúteis». Assim, a convivência humana assemelha-se sempre mais a um mero do ut des pragmático e egoísta.

Ao mesmo tempo, resulta claramente que as próprias éticas contemporâneas se mostram incapazes de produzir autênticos vínculos de fraternidade, porque uma fraternidade privada da referência a um Pai comum como seu fundamento último não consegue subsistir.[2] Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. A partir do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens, ou seja, aquele fazer-se «próximo» para cuidar do outro.

«Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9)

2. Para compreender melhor esta vocação do homem à fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos que se interpõem à sua realização e identificar as vias para a superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento do desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma egrégia na Sagrada Escritura.

Segundo a narração das origens, todos os homens provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), do qual nascem Caim e Abel. Na história desta família primigénia, lemos a origem da sociedade, a evolução das relações entre as pessoas e os povos.

Abel é pastor, Caim agricultor. A sua identidade profunda e, conjuntamente, a sua vocação é ser irmãos, embora na diversidade da sua actividade e cultura, da sua maneira de se relacionarem com Deus e com a criação. Mas o assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gn4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros. Caim, não aceitando a predilecção de Deus por Abel, que Lhe oferecia o melhor do seu rebanho – «o Senhor olhou com agrado para Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta» (Gn4, 4-5) –, mata Abel por inveja. Desta forma, recusa reconhecer-se irmão, relacionar-se positivamente com ele, viver diante de Deus, assumindo as suas responsabilidades de cuidar e proteger o outro. À pergunta com que Deus interpela Caim – «onde está o teu irmão?» –, pedindo-lhe contas da sua acção, responde: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Depois – diz-nos o livro do Génesis –, «Caim afastou-se da presença do Senhor» (4, 16).

É preciso interrogar-se sobre os motivos profundos que induziram Caim a ignorar o vínculo de fraternidade e, simultaneamente, o vínculo de reciprocidade e comunhão que o ligavam ao seu irmão Abel. O próprio Deus denuncia e censura a Caim a sua contiguidade com o mal: «o pecado deitar-se-á à tua porta» (Gn 4, 7). Mas Caim recusa opor-se ao mal, e decide igualmente «lançar-se sobre o irmão» (Gn 4, 8), desprezando o projecto de Deus. Deste modo, frustra a sua vocação original para ser filho de Deus e viver a fraternidade.

A narração de Caim e Abel ensina que a humanidade traz inscrita em si mesma uma vocação à fraternidade, mas também a possibilidade dramática da sua traição. Disso mesmo dá testemunho o egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e injustiças: na realidade, muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como seres feitos para a reciprocidade, a comunhão e a doação.

«E vós sois todos irmãos» (Mt 23, 8)

3. Surge espontaneamente a pergunta: poderão um dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao anseio de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão, meramente com as suas forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio, aceitar as legítimas diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs?

Parafraseando as palavras do Senhor Jesus, poderemos sintetizar assim a resposta que Ele nos dá: dado que há um só Pai, que é Deus, vós sois todos irmãos (cf. Mt 23, 8-9). A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha activa.

Em particular, a fraternidade humana foi regenerada em e por Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição. A cruz é o «lugar» definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projecto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade.

Jesus retoma o projecto inicial do Pai, reconhecendo-Lhe a primazia sobre todas as coisas. Mas Cristo, com o seu abandono até à morte por amor do Pai, torna-Se princípio novo e definitivo de todos nós, chamados a reconhecer-nos n’Ele como irmãos, porque filhos do mesmo Pai. Ele é a própria Aliança, o espaço pessoal da reconciliação do homem com Deus e dos irmãos entre si. Na morte de Jesus na cruz, ficou superada também a separação entre os povos, entre o povo da Aliança e o povo dos Gentios, privado de esperança porque permanecera até então alheio aos pactos da Promessa. Como se lê na Carta aos Efésios, Jesus Cristo é Aquele que reconcilia em Si todos os homens. Ele é a paz, porque, dos dois povos, fez um só, derrubando o muro de separação que os dividia, ou seja, a inimizade. Criou em Si mesmo um só povo, um só homem novo, uma só humanidade nova (cf. 2,14-16).

Quem aceita a vida de Cristo e vive n’Ele, reconhece Deus como Pai e a Ele Se entrega totalmente, amando-O acima de todas as coisas. O homem reconciliado vê, em Deus, o Pai de todos e, consequentemente, é solicitado a viver uma fraternidade aberta a todos. Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como irmão ou irmã, e não como um estranho, menos ainda como um antagonista ou até um inimigo. Na família de Deus, onde todos são filhos dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho, não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos irmãos.

A fraternidade, fundamento e caminho para a paz

4. Suposto isto, é fácil compreender que a fraternidade é fundamento e caminho para a paz. As Encíclicas sociais dos meus Predecessores oferecem uma ajuda valiosa neste sentido. Basta ver as definições de paz da Populorum progressio, de Paulo VI, ou da Sollicitudo rei socialis, de João Paulo II. Da primeira, apreendemos que o desenvolvimento integral dos povos é o novo nome da paz[3] e, da segunda, que a paz é opus solidaritatis, fruto da solidariedade.[4]

Paulo VI afirma que tanto as pessoas como as nações se devem encontrar num espírito de fraternidade. E explica: «Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos (...) trabalhar juntos para construir o futuro comum da humanidade».[5] Este dever recai primariamente sobre os mais favorecidos. As suas obrigações radicam-se na fraternidade humana e sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspecto: o dever de solidariedade, que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas; o dever de justiça social, que requer a reformulação em termos mais correctos das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos; o dever de caridade universal, que implica a promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros.[6]

Ora, da mesma forma que se considera a paz como opus solidarietatis, é impossível não pensar que o seu fundamento principal seja a fraternidade. A paz, afirma João Paulo II, é um bem indivisível: ou é bem de todos, ou não o é de ninguém. Na realidade, a paz só pode ser conquistada e usufruída como melhor qualidade de vida e como desenvolvimento mais humano e sustentável, se estiver viva, em todos, «a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum».[7] Isto implica não deixar-se guiar pela «avidez do lucro» e pela «sede do poder». É preciso estar pronto a «“perder-se” em benefício do próximo em vez de o explorar, e a “servi-lo” em vez de o oprimir para proveito próprio (...). O “outro” – pessoa, povo ou nação – [não deve ser visto] como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalhar e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim como um nosso “semelhante”, um “auxílio”».[8]

solidariedade cristã pressupõe que o próximo seja amado não só como «um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas [como] a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objecto da acção permanente do Espírito Santo»,[9] como um irmão. «Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, “filhos no Filho”, e da presença e da acção vivificante do Espírito Santo conferirá – lembra João Paulo II – ao nosso olhar sobre o mundo como que um novo critério para o interpretar»,[10] para o transformar.

A fraternidade, premissa para vencer a pobreza

5. Na Caritas in veritate, o meu Predecessor lembrava ao mundo que uma causa importante da pobreza é a falta defraternidade entre os povos e entre os homens.[11] Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas.

Além disso, se por um lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado contexto histórico-cultural. Neste sentido, servem políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos «capitais», aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projecto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa.

Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento. Não devemos esquecer o ensinamento da Igreja sobre a chamada hipoteca social, segundo a qual, se é lícito – como diz São Tomás de Aquino – e mesmo necessário que «o homem tenha a propriedade dos bens»,[12]quanto ao uso, porém, «não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros».[13]

Por último, há uma forma de promover a fraternidade – e, assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão. É o caso não só das pessoas consagradas que professam voto de pobreza, mas também de muitas famílias e tantos cidadãos responsáveis que acreditam firmemente que a relação fraterna com o próximo constitua o bem mais precioso.

A redescoberta da fraternidade na economia

6. As graves crises financeiras e económicas dos nossos dias – que têm a sua origem no progressivo afastamento do homem de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens materiais, por um lado, e o empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias, por outro – impeliram muitas pessoas a buscar o bem-estar, a felicidade e a segurança no consumo e no lucro fora de toda a lógica duma economia saudável. Já, em 1979, o Papa João Paulo IIalertava para a existência de «um real e perceptível perigo de que, enquanto progride enormemente o domínio do homem sobre o mundo das coisas, ele perca os fios essenciais deste seu domínio e, de diversas maneiras, submeta a elas a sua humanidade, e ele próprio se torne objecto de multiforme manipulação, se bem que muitas vezes não directamente perceptível; manipulação através de toda a organização da vida comunitária, mediante o sistema de produção e por meio de pressões dos meios de comunicação social».[14]

As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. A crise actual, com pesadas consequências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual. As referidas virtudes são necessárias sobretudo para construir e manter uma sociedade à medida da dignidade humana.

A fraternidade extingue a guerra

7. Ao longo do ano que termina, muitos irmãos e irmãs nossos continuaram a viver a experiência dilacerante da guerra, que constitui uma grave e profunda ferida infligida à fraternidade.

Há muitos conflitos que se consumam na indiferença geral. A todos aqueles que vivem em terras onde as armas impõem terror e destruição, asseguro a minha solidariedade pessoal e a de toda a Igreja. Esta última tem por missão levar o amor de Cristo também às vítimas indefesas das guerras esquecidas, através da oração pela paz, do serviço aos feridos, aos famintos, aos refugiados, aos deslocados e a quantos vivem no terror. De igual modo a Igreja levanta a sua voz para fazer chegar aos responsáveis o grito de dor desta humanidade atribulada e fazer cessar, juntamente com as hostilidades, todo o abuso e violação dos direitos fundamentais do homem.[15]

Por este motivo, desejo dirigir um forte apelo a quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor! «Nesta óptica, torna-se claro que, na vida dos povos, os conflitos armados constituem sempre a deliberada negação de qualquer concórdia internacional possível, originando divisões profundas e dilacerantes feridas que necessitam de muitos anos para se curarem. As guerras constituem a rejeição prática de se comprometer para alcançar aquelas grandes metas económicas e sociais que a comunidade internacional estabeleceu».[16]

Mas, enquanto houver em circulação uma quantidade tão grande como a actual de armamentos, poder-se-á sempre encontrar novos pretextos para iniciar as hostilidades. Por isso, faço meu o apelo lançado pelos meus Predecessores a favor da não-proliferação das armas e do desarmamento por parte de todos, a começar pelo desarmamento nuclear e químico.

Não podemos, porém, deixar de constatar que os acordos internacionais e as leis nacionais, embora sendo necessários e altamente desejáveis, por si sós não bastam para preservar a humanidade do risco de conflitos armados. É precisa uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão do qual cuidar e com o qual trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude para todos. Este é o espírito que anima muitas das iniciativas da sociedade civil, incluindo as organizações religiosas, a favor da paz. Espero que o compromisso diário de todos continue a dar fruto e que se possa chegar também à efectiva aplicação, no direito internacional, do direito à paz como direito humano fundamental, pressuposto necessário para o exercício de todos os outros direitos.

A corrupção e o crime organizado contrastam a fraternidade

8. O horizonte da fraternidade apela ao crescimento em plenitude de todo o homem e mulher. As justas ambições duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem lesadas; não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição, porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é necessário competir na mútua estima (cf. Rm 12, 10). Mesmo nas disputas, que constituem um aspecto inevitável da vida, é preciso recordar-se sempre de que somos irmãos; por isso, é necessário educar e educar-se para não considerar o próximo como um inimigo nem um adversário a eliminar.

A fraternidade gera paz social, porque cria um equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade, entre bem dos indivíduos e bem comum. Uma comunidade política deve, portanto, agir de forma transparente e responsável para favorecer tudo isto. Os cidadãos devem sentir-se representados pelos poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Em vez disso, muitas vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima perene de conflito.

Um autêntico espírito de fraternidade vence o egoísmo individual, que contrasta a possibilidade das pessoas viverem em liberdade e harmonia entre si. Tal egoísmo desenvolve-se, socialmente, quer nas muitas formas de corrupção que hoje se difunde de maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas – desde os pequenos grupos até àqueles organizados à escala global – que, minando profundamente a legalidade e a justiça, ferem no coração a dignidade da pessoa. Estas organizações ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade ainda maior se têm conotações religiosas.

Penso no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho; penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume caracteres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres; penso na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; penso no abomínio do tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade. A este respeito escreveu João XXIII: «Uma convivência baseada unicamente em relações de força nada tem de humano: nela vêem as pessoas coarctada a própria liberdade, quando, pelo contrário, deveriam ser postas em condição tal que se sentissem estimuladas a procurar o próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento».[17]Mas o homem pode converter-se, e não se deve jamais desesperar da possibilidade de mudar de vida. Gostaria que isto fosse uma mensagem de confiança para todos, mesmo para aqueles que cometeram crimes hediondos, porque Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ez 18, 23).

No contexto alargado da sociabilidade humana, considerando o delito e a pena, penso também nas condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate. A Igreja faz muito em todas estas áreas, a maior parte das vezes sem rumor. Exorto e encorajo a fazer ainda mais, na esperança de que tais acções desencadeadas por tantos homens e mulheres corajosos possam cada vez mais ser sustentadas, leal e honestamente, também pelos poderes civis.

A fraternidade ajuda a guardar e cultivar a natureza

9. A família humana recebeu, do Criador, um dom em comum: a natureza. A visão cristã da criação apresenta um juízo positivo sobre a licitude das intervenções na natureza para dela tirar benefício, contanto que se actue responsavelmente, isto é, reconhecendo aquela «gramática» que está inscrita nela e utilizando, com sabedoria, os recursos para proveito de todos, respeitando a beleza, a finalidade e a utilidade dos diferentes seres vivos e a sua função no ecossistema. Em suma, a natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras.

De modo particular o sector produtivo primário, o sector agrícola, tem a vocação vital de cultivar e guardar os recursos naturais para alimentar a humanidade. A propósito, a persistente vergonha da fome no mundo leva-me a partilhar convosco esta pergunta: De que modo usamos os recursos da terra? As sociedades actuais devem reflectir sobre a hierarquia das prioridades no destino da produção. De facto, é um dever impelente que se utilizem de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome. As iniciativas e as soluções possíveis são muitas, e não se limitam ao aumento da produção. É mais que sabido que a produção actual é suficiente, e todavia há milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome, o que constitui um verdadeiro escândalo. Por isso, é necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano. Neste sentido, gostaria de lembrar a todos o necessáriodestino universal dos bens, que é um dos princípios fulcrais da doutrina social da Igreja. O respeito deste princípio é a condição essencial para permitir um acesso real e equitativo aos bens essenciais e primários de que todo o homem precisa e tem direito.

Conclusão

10. Há necessidade que a fraternidade seja descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada; mas só o amor dado por Deus é que nos permite acolher e viver plenamente a fraternidade.

O necessário realismo da política e da economia não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a actividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objecto passível de exploração. Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz.

Nós, cristãos, acreditamos que, na Igreja, somos membros uns dos outros e todos mutuamente necessários, porque a cada um de nós foi dada uma graça, segundo a medida do dom de Cristo, para utilidade comum (cf. Ef 4, 7.25; 1 Cor 12, 7). Cristo veio ao mundo para nos trazer a graça divina, isto é, a possibilidade de participar na sua vida. Isto implica tecer um relacionamento fraterno, caracterizado pela reciprocidade, o perdão, o dom total de si mesmo, segundo a grandeza e a profundidade do amor de Deus, oferecido à humanidade por Aquele que, crucificado e ressuscitado, atrai todos a Si: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35). Esta é a boa nova que requer, de cada um, um passo mais, um exercício perene de empatia, de escuta do sofrimento e da esperança do outro, mesmo do que está mais distante de mim, encaminhando-se pela estrada exigente daquele amor que sabe doar-se e gastar-se gratuitamente pelo bem de cada irmão e irmã.

Cristo abraça todo o ser humano e deseja que ninguém se perca. «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 17). Fá-lo sem oprimir, sem forçar ninguém a abrir-Lhe as portas do coração e da mente. «O que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que mandar, como aquele que serve – diz Jesus Cristo –. Eu estou no meio de vós como aquele que serve» (Lc 22, 26-27). Deste modo, cada actividade deve ser caracterizada por uma atitude de serviço às pessoas, incluindo as mais distantes e desconhecidas. O serviço é a alma da fraternidade que edifica a paz.

Que Maria, a Mãe de Jesus, nos ajude a compreender e a viver todos os dias a fraternidade que jorra do coração do seu Filho, para levar a paz a todo o homem que vive nesta nossa amada terra.

Vaticano, 8 de Dezembro de 2013.                                                                                                                    FRANCISCUS 



[1]Cf. Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 19: AAS 101 (2009), 654-655.

[2]Cf. FRANCISCO, Carta enc. Lumen fidei (29 de Junho de 2013), 54: AAS 105 (2013), 591-592.

[3]Cf. PAULO VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de Março de 1967), 87: AAS 59 (1967), 299.

[4]Cf. JOÃO PAULO II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 39: AAS 80 (1988), 566-568.

[5]Carta enc. Populorum progressio (26 de Março de 1967), 43: AAS 59 (1967), 278-279.

[6]Cf. ibid., 44: o. c., 279.

[7]Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 38: AAS 80 (1988), 566.

[8] Ibid., 38-39: o. c., 566-567.

[9] Ibid., 40: o. c., 569.

[10] Ibid., 40: o. c., 569.

[11]Cf. Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 19: AAS 101 (2009), 654-655.

[12] Summa theologiae, II-II, q. 66, a. 2.

[13] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 69; cf. Leão XIII, Carta enc. Rerum novarum (15 de Maio de 1891), 19: ASS 23 (1890-1891), 651; João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de Dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 573-574; Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 178.

[14] Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 16: AAS 61 (1979), 290.

[15]Cf. Pont. Conselho «Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 159.

[16] FRANCISCO, Carta ao Presidente Vladimir Putin (4 de Setembro de 2013): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 8/IX/2013), 5.

[17] Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963), 17: AAS 55 (1963), 265.

 
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