Assis, Caminho de Paz
Em 27 de Outubro de 1986 realizou-se o primeiro Encontro Inter-Religioso de Oração pela Paz querido por João Paulo II na cidade de Assis que juntou dezenas de representantes das diversas igrejas e tradições religiosas: 124 participantes oficiais de 62 igrejas cristãs e 62 membros de outras tradições (religiões tradicionais da Ásia, da África e da América). Mais de 200 lideres religiosos de todo o mundo…
Porquê Assis e não Jerusalém, Roma, Constantinopla, Meca?
Só Assis tinha, tem a capacidade de se transformar em «parábola de Paz»
Ai viveu S. Francisco, aí aprendeu e ensinou que só temos um Pai e somos todos irmãos. Em Assis viveu e está presente o «irmão universal», o «profeta da paz».
Em 1219, quando os cristãos combatiam os muçulmanos com as Cruzadas, Francisco vai ao encontro destes irmãos: «sou cristão; levai-me ao vosso chefe».
1 - A singularidade do evento
A importância e novidade do evento de Assis foi expressa tanto pelos participantes como pelos observadores e analistas. Representou, de fato, uma novidade e uma iniciativa histórica de grande alcance. e ultrapassando o seu invólucro empírico, O evento de Assis, superando a intenção de seus protagonistas representa um "gesto sem precedente", um acontecimento extraordinário e único, que carrega consigo um explosivo poder simbólico. A jornada de Assis significou para o Cardeal Willebrands, então presidente do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, "o evento ecuménico mais marcante depois do Concílio Vaticano II". Inaugurava-se um "ecumenismo planetário", expressão cunhada pelo teólogo dominicano Marie-Dominique Chenu, em sua reflexão sobre o encontro. (O Paradigma de Assis, in revista Concilium 3/2001 do Prof. Faustino Teixeira - PPCIR-UFJF / Iser-Assesoria).
O Encontro de Assis de 1986 constitui um marco fundamental no campo do diálogo inter-religioso. O encontro de Assis significou um avanço ainda maior do que aquele expresso no Vaticano II, no Decreto sobre a liberdade religiosa. Pela primeira vez na história, inúmeras lideranças religiosas mundiais encontram-se para juntos rezar e testemunhar a natureza transcendente da paz.
Houve a preocupação dos organizadores de evitar qualquer forma de sincretismo religioso manifesto na forma "juntos para rezar" e não "rezar juntos".
2 - As religiões no "Espírito de Assis"
A vida habitual de uma sociedade, no passado, decorria dentro da própria cultura e religião, embora se soubesse da existência de outras culturas e religiões. Hoje temos não apenas a convivência física – pacífica ou conflituosa – entre pessoas de diferentes religiões, mas também a convivência ao nível de conhecimento. As tecnologias da informação e da comunicação, a globalização e a emigração criaram a possibilidade de um encontro inter-religioso universal.
Somos a primeira geração em toda a história da humanidade que se encontra num ambiente cultural e religioso realmente plural. O contacto vivo entre as diversas religiões torna-nos mais conscientes de que a vivência religiosa se encontra em uma situação nova e, em alguns aspectos, radicalmente nova.
3 - Um fenómeno novo (desafios)
Esta situação coloca profundos desafios, sobretudo à geração nascida numa época de sociedades de uma só religião. Hoje entramos todos facilmente em contacto com outras perspectivas, outra escala de valores e outras normas. A filosofia ocidental converte-se numa corrente de pensamento entre outras, como a muçulmana, a hindu, a chinesa, etc.
A realidade da qual temos de partir é esta: estamos diante de um fenómeno novo, de uma mudança substancial. Somos suas testemunhas e não podemos fechar-nos à mudança.
Hoje todos temos uma certa noção de pluralismo e tolerância mas a história da qual viemos é de séculos e até milénios de atitudes contrárias ao pluralismo, na tradição católica e noutras religiões.
A religião só pode ser portadora de paz.
Peregrinos da verdade, peregrinos da paz.
«O Senhor vos dê a sua paz».
Daniel Teixeira, OFM
Em 27 de Outubro de 1986 realizou-se o primeiro Encontro Inter-Religioso de Oração pela Paz querido por João Paulo II na cidade de Assis que juntou dezenas de representantes das diversas igrejas e tradições religiosas: 124 participantes oficiais de 62 igrejas cristãs e 62 membros de outras tradições (religiões tradicionais da Ásia, da África e da América). Mais de 200 lideres religiosos de todo o mundo…
Porquê Assis e não Jerusalém, Roma, Constantinopla, Meca?
Só Assis tinha, tem a capacidade de se transformar em «parábola de Paz»
Ai viveu S. Francisco, aí aprendeu e ensinou que só temos um Pai e somos todos irmãos. Em Assis viveu e está presente o «irmão universal», o «profeta da paz».
Em 1219, quando os cristãos combatiam os muçulmanos com as Cruzadas, Francisco vai ao encontro destes irmãos: «sou cristão; levai-me ao vosso chefe».
1 - A singularidade do evento
A importância e novidade do evento de Assis foi expressa tanto pelos participantes como pelos observadores e analistas. Representou, de fato, uma novidade e uma iniciativa histórica de grande alcance. e ultrapassando o seu invólucro empírico, O evento de Assis, superando a intenção de seus protagonistas representa um "gesto sem precedente", um acontecimento extraordinário e único, que carrega consigo um explosivo poder simbólico. A jornada de Assis significou para o Cardeal Willebrands, então presidente do Secretariado para a Unidade dos Cristãos, "o evento ecuménico mais marcante depois do Concílio Vaticano II". Inaugurava-se um "ecumenismo planetário", expressão cunhada pelo teólogo dominicano Marie-Dominique Chenu, em sua reflexão sobre o encontro. (O Paradigma de Assis, in revista Concilium 3/2001 do Prof. Faustino Teixeira - PPCIR-UFJF / Iser-Assesoria).
O Encontro de Assis de 1986 constitui um marco fundamental no campo do diálogo inter-religioso. O encontro de Assis significou um avanço ainda maior do que aquele expresso no Vaticano II, no Decreto sobre a liberdade religiosa. Pela primeira vez na história, inúmeras lideranças religiosas mundiais encontram-se para juntos rezar e testemunhar a natureza transcendente da paz.
Houve a preocupação dos organizadores de evitar qualquer forma de sincretismo religioso manifesto na forma "juntos para rezar" e não "rezar juntos".
2 - As religiões no "Espírito de Assis"
A vida habitual de uma sociedade, no passado, decorria dentro da própria cultura e religião, embora se soubesse da existência de outras culturas e religiões. Hoje temos não apenas a convivência física – pacífica ou conflituosa – entre pessoas de diferentes religiões, mas também a convivência ao nível de conhecimento. As tecnologias da informação e da comunicação, a globalização e a emigração criaram a possibilidade de um encontro inter-religioso universal.
Somos a primeira geração em toda a história da humanidade que se encontra num ambiente cultural e religioso realmente plural. O contacto vivo entre as diversas religiões torna-nos mais conscientes de que a vivência religiosa se encontra em uma situação nova e, em alguns aspectos, radicalmente nova.
3 - Um fenómeno novo (desafios)
Esta situação coloca profundos desafios, sobretudo à geração nascida numa época de sociedades de uma só religião. Hoje entramos todos facilmente em contacto com outras perspectivas, outra escala de valores e outras normas. A filosofia ocidental converte-se numa corrente de pensamento entre outras, como a muçulmana, a hindu, a chinesa, etc.
A realidade da qual temos de partir é esta: estamos diante de um fenómeno novo, de uma mudança substancial. Somos suas testemunhas e não podemos fechar-nos à mudança.
Hoje todos temos uma certa noção de pluralismo e tolerância mas a história da qual viemos é de séculos e até milénios de atitudes contrárias ao pluralismo, na tradição católica e noutras religiões.
A religião só pode ser portadora de paz.
Peregrinos da verdade, peregrinos da paz.
«O Senhor vos dê a sua paz».
Daniel Teixeira, OFM
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Vejamos alguns momentos simbolicamente importantes da experiência cristã.
1 - Antigo Testamento
Os textos do AT referentes às divindades dos povos vizinhos de Israel qualificam-nos depreciativamente como ídolos: obras de mãos humanas, coisas mortas (Sab 13, 10), nada (Is 44, 9), vazio (Jr 2, 5; 16, 19), mentira (Jr 10, 14; Am 2, 4; Br 6, 50), demónios (Dt 32, 17; Br 4, 7). Só Javé seria um Deus verdadeiro (Jr 10, 10). Em contrapartida, o povo hebreu tinha a convicção de ser um povo diferente, o povo de Deus, o eleito, que deveria viver separado dos gentios e não misturado com eles (Dt 7, 1-2a). Israel devia destruir sem compaixão os altares e imagens dos povos derrotados e expulsos, e não fazer aliança nem aparentar-se com eles. O Israel do Deuteronómio tem a convicção de ser o povo eleito, o santo diante dos demais povos que adorariam ídolos vãos.
2 - O Concílio de Florença (1452)
No séc. XV outro ponto culminante dessa mentalidade é o Concílio de Florença que declarou firmemente crer, professar e ensinar que nenhum daqueles que se encontram fora da Igreja Católica – não somente os pagãos, mas também os judeus, os hereges e os cismáticos – poderão participar da vida eterna. Irão ao fogo eterno que foi preparado para o diabo e seus anjos, a menos que antes do término da sua vida sejam incorporados na Igreja… Ninguém, por grandes que sejam suas esmolas, ou ainda que derrame o sangue por Cristo, poderá salvar-se se não permanecer no seio e na unidade da Igreja Católica (DS 1351).
Durante séculos se pregou e viveu a convicção de que «fora da Igreja não há salvação». Todos os que morressem fora da comunhão da Igreja Católica não poderiam participar da vida eterna e iriam para o fogo eterno.
3 - No século XIX
Gregório IX, na Encíclica Mirari Vos de (1832) afirmou: Outra coisa que tem produzido muitos dos males que afligem a Igreja é o indiferentismo, ou seja, aquela perversa teoria apresentada em toda a parte, tão favorável ao engano dos ímpios, que ensina que se pode conseguir a vida eterna em qualquer religião, contanto que haja rectidão e honradez nos costumes… Desta barrenta fonte do indiferentismo mana aquela absurda e errónea sentença ou, melhor dizendo, loucura, que afirma e defende a todo o custo e para todos a liberdade de consciência (nn. 9-10).
Esta é apenas uma das rejeições que os Papas daquele tempo lançaram solenemente contra os «erros da época»: o pensamento moderno, as liberdades sociais, a democracia, o que hoje reconhecemos como direitos humanos… Neste texto, que ainda não tem dois séculos, nega-se frontalmente e com ostensivo desprezo a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e o pluralismo religioso, com toda a solenidade do magistério pontifício.
4 - Concilio Vaticano II (1962-1965)
Este Concílio declara que a pessoa humana tem direito há liberdade religiosa. Esta liberdade consiste em que todos os seres humanos devem estar imunes de coacção, tanto por parte de pessoas particulares como de grupos sociais e de qualquer poder humano, e isso de tal maneira que em matéria religiosa nem se obrigue a ninguém a agir contra a sua consciência, nem se lhe impeça que aja conforme a ela em âmbito privado ou público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, ademais, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na dignidade própria à pessoa humana, tal como é conhecida pela palavra revelada de Deus e pela própria razão (DH 2).
A Igreja Católica nada rejeita daquilo que nas religiões não cristãs há de verdadeiro e santo. Considera com sincero respeito os modos de agir e viver, os preceitos e doutrinas, que, ainda que discrepem em muitos pontos do que ela confessa e ensina, não poucas vezes reflectem um lampejo daquela Verdade que ilumina a todos os seres humanos (NAe 2).
Foram praticamente vinte séculos de exclusivismo cristão, quase dois mil anos em que o cristianismo pensou ser a única religião verdadeira, enquanto todas as outras religiões seriam falsas, invenções humanas ou simples preparação para o Evangelho; ou, na melhor das hipóteses, teriam participação na revelação cristã.
A mudança de mentalidade, no mundo católico, deu-se há uns 60 anos, pelo Vaticano II, o que significa que começou na actual geração e ainda não terá tido tempo para se difundir e criar raízes. A posição teológica de que Deus se revela em todas as religiões, sem descriminação por parte de Deus, ainda suscita surpresa e incompreensão, embora sempre tenha havido no cristianismo outra face, uma atitude mais tolerante e pluralista, mas foram sempre uma excepção.
O Concílio Vaticano II foi para a Igreja Católica uma aceitação de boa parte da crítica da cultura moderna às atitudes integristas da Igreja nos últimos séculos. Foi também uma actualização e uma reconciliação com o mundo moderno. Mas logo se tornou evidente que essa renovação não bastava e em seguida aconteceu na Igreja Católica uma involução, e a doutrina oficial ficou para trás em relação á teologia.
5 - As religiões e a Paz
As perguntas em relação à Salvação partem da suposição de que a salvação está reservada apenas ao «povo eleito», ao Povo de Israel. Este sente-se o único povo eleito por Deus. Convém clarificar que uma coisa é ser o povo eleito e outra o único povo eleito.
Na mente e coração de Jesus, Aquele que nos revela o coração e o projecto do nosso Deus para a humanidade, está subentendida a ideia da salvação universal (Mt 22, 1-14).
Coloquemos algumas perguntas:
Senhor, são poucos os que se salvam? (Lc 13, 23).
Todos são chamados a salvar-se, mas salvam-se realmente todos?
Deus pode chamar uns à salvação e outros não? Ler Lc 13, 22-30; Is 13, 22-30
Deus quer que todos os homens se salvem, sem excepção. Todos recebem o chamamento por igual. Onde está então a diferença? Há diferença nos meios e nos caminhos que Deus oferece a seus filhos para a salvação que é sempre iniciativa de Deus e tarefa do homem. Ao homem é impossível salvar-se por si mesmo. É Deus quem salva. Porém, Deus não impõe a salvação mas oferece-a: é dom absolutamente gratuito.
As religiões são diferentes caminhos através dos quais o homem procura chegar a Deus. Mas esses caminhos-religiões não são todos iguais, não possuem todos a verdade nem o mesmo grau de verdade. Por isso a porta para entrar no Reino é estreita mas Ele abre-a a todos. A porta da resposta depende da liberdade humana, e nem todos estão dispostos a entrar por ela porque tentam entrar com muita coisa, “gordos”, cheios de auto-suficiência, da sua verdade.
Porém, importa ter em conta que as religiões são pessoas crentes e não teorias. Todos o Homem busca a verdade e cada religião é possuidora de parte de verdade (todas são verdadeiras) mas nenhuma possui a verdade total já que há nelas também uma dimensão humana e, portanto, imperfeita (todas são falsas-imperfeitas). Se falámos então de pessoas em busca da Verdade falámos de toda a humanidade que Deus quer em comunhão com ele e que busca Deus.
Celebrar 25 anos do "Espírito de Assis" é tomar consciência desta caminhada comum, no respeito pelos diversos caminhos, ou seja pelos crentes todos, o que não é o mesmo que dizer que todas as religiões são iguais ou igualmente boas. Mas o reconhecimento da diferença não pode significar nunca exclusão dos que vivem uma fé diferente da nossa. Somos irmãos em busca do Pai comum e por isso todos empenhados na construção da Paz que nenhuma barreira religiosa deve impedir.
Daniel Teixeira, OFM
Vejamos alguns momentos simbolicamente importantes da experiência cristã.
1 - Antigo Testamento
Os textos do AT referentes às divindades dos povos vizinhos de Israel qualificam-nos depreciativamente como ídolos: obras de mãos humanas, coisas mortas (Sab 13, 10), nada (Is 44, 9), vazio (Jr 2, 5; 16, 19), mentira (Jr 10, 14; Am 2, 4; Br 6, 50), demónios (Dt 32, 17; Br 4, 7). Só Javé seria um Deus verdadeiro (Jr 10, 10). Em contrapartida, o povo hebreu tinha a convicção de ser um povo diferente, o povo de Deus, o eleito, que deveria viver separado dos gentios e não misturado com eles (Dt 7, 1-2a). Israel devia destruir sem compaixão os altares e imagens dos povos derrotados e expulsos, e não fazer aliança nem aparentar-se com eles. O Israel do Deuteronómio tem a convicção de ser o povo eleito, o santo diante dos demais povos que adorariam ídolos vãos.
2 - O Concílio de Florença (1452)
No séc. XV outro ponto culminante dessa mentalidade é o Concílio de Florença que declarou firmemente crer, professar e ensinar que nenhum daqueles que se encontram fora da Igreja Católica – não somente os pagãos, mas também os judeus, os hereges e os cismáticos – poderão participar da vida eterna. Irão ao fogo eterno que foi preparado para o diabo e seus anjos, a menos que antes do término da sua vida sejam incorporados na Igreja… Ninguém, por grandes que sejam suas esmolas, ou ainda que derrame o sangue por Cristo, poderá salvar-se se não permanecer no seio e na unidade da Igreja Católica (DS 1351).
Durante séculos se pregou e viveu a convicção de que «fora da Igreja não há salvação». Todos os que morressem fora da comunhão da Igreja Católica não poderiam participar da vida eterna e iriam para o fogo eterno.
3 - No século XIX
Gregório IX, na Encíclica Mirari Vos de (1832) afirmou: Outra coisa que tem produzido muitos dos males que afligem a Igreja é o indiferentismo, ou seja, aquela perversa teoria apresentada em toda a parte, tão favorável ao engano dos ímpios, que ensina que se pode conseguir a vida eterna em qualquer religião, contanto que haja rectidão e honradez nos costumes… Desta barrenta fonte do indiferentismo mana aquela absurda e errónea sentença ou, melhor dizendo, loucura, que afirma e defende a todo o custo e para todos a liberdade de consciência (nn. 9-10).
Esta é apenas uma das rejeições que os Papas daquele tempo lançaram solenemente contra os «erros da época»: o pensamento moderno, as liberdades sociais, a democracia, o que hoje reconhecemos como direitos humanos… Neste texto, que ainda não tem dois séculos, nega-se frontalmente e com ostensivo desprezo a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e o pluralismo religioso, com toda a solenidade do magistério pontifício.
4 - Concilio Vaticano II (1962-1965)
Este Concílio declara que a pessoa humana tem direito há liberdade religiosa. Esta liberdade consiste em que todos os seres humanos devem estar imunes de coacção, tanto por parte de pessoas particulares como de grupos sociais e de qualquer poder humano, e isso de tal maneira que em matéria religiosa nem se obrigue a ninguém a agir contra a sua consciência, nem se lhe impeça que aja conforme a ela em âmbito privado ou público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, ademais, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na dignidade própria à pessoa humana, tal como é conhecida pela palavra revelada de Deus e pela própria razão (DH 2).
A Igreja Católica nada rejeita daquilo que nas religiões não cristãs há de verdadeiro e santo. Considera com sincero respeito os modos de agir e viver, os preceitos e doutrinas, que, ainda que discrepem em muitos pontos do que ela confessa e ensina, não poucas vezes reflectem um lampejo daquela Verdade que ilumina a todos os seres humanos (NAe 2).
Foram praticamente vinte séculos de exclusivismo cristão, quase dois mil anos em que o cristianismo pensou ser a única religião verdadeira, enquanto todas as outras religiões seriam falsas, invenções humanas ou simples preparação para o Evangelho; ou, na melhor das hipóteses, teriam participação na revelação cristã.
A mudança de mentalidade, no mundo católico, deu-se há uns 60 anos, pelo Vaticano II, o que significa que começou na actual geração e ainda não terá tido tempo para se difundir e criar raízes. A posição teológica de que Deus se revela em todas as religiões, sem descriminação por parte de Deus, ainda suscita surpresa e incompreensão, embora sempre tenha havido no cristianismo outra face, uma atitude mais tolerante e pluralista, mas foram sempre uma excepção.
O Concílio Vaticano II foi para a Igreja Católica uma aceitação de boa parte da crítica da cultura moderna às atitudes integristas da Igreja nos últimos séculos. Foi também uma actualização e uma reconciliação com o mundo moderno. Mas logo se tornou evidente que essa renovação não bastava e em seguida aconteceu na Igreja Católica uma involução, e a doutrina oficial ficou para trás em relação á teologia.
5 - As religiões e a Paz
As perguntas em relação à Salvação partem da suposição de que a salvação está reservada apenas ao «povo eleito», ao Povo de Israel. Este sente-se o único povo eleito por Deus. Convém clarificar que uma coisa é ser o povo eleito e outra o único povo eleito.
Na mente e coração de Jesus, Aquele que nos revela o coração e o projecto do nosso Deus para a humanidade, está subentendida a ideia da salvação universal (Mt 22, 1-14).
Coloquemos algumas perguntas:
Senhor, são poucos os que se salvam? (Lc 13, 23).
Todos são chamados a salvar-se, mas salvam-se realmente todos?
Deus pode chamar uns à salvação e outros não? Ler Lc 13, 22-30; Is 13, 22-30
Deus quer que todos os homens se salvem, sem excepção. Todos recebem o chamamento por igual. Onde está então a diferença? Há diferença nos meios e nos caminhos que Deus oferece a seus filhos para a salvação que é sempre iniciativa de Deus e tarefa do homem. Ao homem é impossível salvar-se por si mesmo. É Deus quem salva. Porém, Deus não impõe a salvação mas oferece-a: é dom absolutamente gratuito.
As religiões são diferentes caminhos através dos quais o homem procura chegar a Deus. Mas esses caminhos-religiões não são todos iguais, não possuem todos a verdade nem o mesmo grau de verdade. Por isso a porta para entrar no Reino é estreita mas Ele abre-a a todos. A porta da resposta depende da liberdade humana, e nem todos estão dispostos a entrar por ela porque tentam entrar com muita coisa, “gordos”, cheios de auto-suficiência, da sua verdade.
Porém, importa ter em conta que as religiões são pessoas crentes e não teorias. Todos o Homem busca a verdade e cada religião é possuidora de parte de verdade (todas são verdadeiras) mas nenhuma possui a verdade total já que há nelas também uma dimensão humana e, portanto, imperfeita (todas são falsas-imperfeitas). Se falámos então de pessoas em busca da Verdade falámos de toda a humanidade que Deus quer em comunhão com ele e que busca Deus.
Celebrar 25 anos do "Espírito de Assis" é tomar consciência desta caminhada comum, no respeito pelos diversos caminhos, ou seja pelos crentes todos, o que não é o mesmo que dizer que todas as religiões são iguais ou igualmente boas. Mas o reconhecimento da diferença não pode significar nunca exclusão dos que vivem uma fé diferente da nossa. Somos irmãos em busca do Pai comum e por isso todos empenhados na construção da Paz que nenhuma barreira religiosa deve impedir.
Daniel Teixeira, OFM
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