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4 de abril de 2019

Exortação Apostólica - CRISTO VIVE

Traduzione in lingua portoghese

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
CHRISTUS VIVIT
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AOS JOVENS E A TODO O POVO DE DEUS
CRISTO VIVE (clique aqui)

1. Cristo vive: é Ele a nossa esperança e a mais bela juventude deste mundo! Tudo o que toca torna-se jovem, fica novo, enche-se de vida. Por isso as primeiras palavras, que quero dirigir a cada jovem cristão, são estas: Ele vive e quer-te vivo!
2. Está em ti, está contigo e jamais te deixa. Por mais que te possas afastar, junto de ti está o Ressuscitado, que te chama e espera por ti para recomeçar. Quando te sentires envelhecido pela tristeza, os rancores, os medos, as dúvidas ou os fracassos, Jesus estará a teu lado para te devolver a força e a esperança.
3. Com afeto, escrevo a todos os jovens cristãos esta Exortação Apostólica, ou seja, uma carta que recorda algumas convicções da nossa fé e, ao mesmo tempo, encoraja a crescer na santidade e no compromisso em prol da própria vocação. Mas, dado que é um marco miliário dentro dum caminho sinodal, dirijo-me simultaneamente a todo o Povo de Deus, aos pastores e aos fiéis, porque a reflexão sobre os jovens e para os jovens nos interpela e estimula a todos nós. Por isso, nalguns parágrafos falarei diretamente aos jovens, enquanto noutros oferecerei abordagens mais gerais para o discernimento eclesial.
4. Deixei-me inspirar pela riqueza das reflexões e diálogos do Sínodo do ano passado. Aqui não poderei recolher todas as contribuições – podereis lê-las no Documento Final –, mas procurei assumir, na redação desta carta, as propostas que me pareceram mais significativas. Assim, a minha palavra será enriquecida por milhares de vozes de crentes de todo o mundo, que fizeram chegar ao Sínodo as suas opiniões. Mesmo os jovens não crentes, que quiseram participar com as suas reflexões, propuseram questões que fizeram nascer em mim novos interrogativos.

CAPÍTULO I
Que diz a Palavra de Deus sobre os jovens?


5. Vamos respigar alguns tesouros da Sagrada Escritura, onde várias vezes se fala de jovens e do modo como o Senhor vai ao seu encontro.

No Antigo Testamento
6. Numa época em que os jovens contavam pouco, alguns textos mostram que Deus vê com olhos diferentes. Por exemplo, vemos José que era quase o mais novo da família (cf. Gn 37, 2-3) e, todavia, Deus comunicou-lhe em sonho coisas grandes e superou todos os seus irmãos em cargos importantes quando tinha cerca de vinte anos (cf. Gn 37 – 47).

7. Em Gedeão, reconhecemos a sinceridade dos jovens, que não costumam dulcificar a realidade. Quando lhe foi dito que o Senhor estava com ele, retorquiu: «Se o Senhor está connosco, então porque é que nos aconteceu tudo isto?» (Jz 6, 13). Mas Deus não se aborreceu com esta censura e redobrou a aposta nele: «Vai com toda a tua força, e salva Israel» (Jz 6, 14).
8. Samuel era um adolescente inseguro, mas o Senhor comunicava com ele. Graças ao conselho dum adulto, abriu o seu coração para escutar a chamada de Deus: «Fala, Senhor; o teu servo escuta» (1 Sm 3, 9-10). Por isso, foi um grande profeta que interveio em momentos importantes da sua pátria. O rei Saul também era um jovem, quando o Senhor o chamou para cumprir a sua missão (cf. 1 Sm 9, 2).
9. Quando o rei David foi escolhido, era ainda rapaz. O profeta Samuel andava à procura do futuro rei de Israel, e um homem apresentou-lhe, como candidatos, os seus filhos mais velhos e mais experientes. Mas o profeta disse que o escolhido era David, o rapaz que cuidava das ovelhas (cf. 1 Sm 16, 6-13), porque «o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração» (16, 7). A glória da juventude está mais no coração do que na força física ou na impressão que provoca nos outros.
10. Salomão, quando teve de suceder a seu pai, sentiu-se perdido e disse a Deus: «Eu não passo de um jovem inexperiente que não sabe ainda como governar» (1 Re 3, 7). No entanto, a audácia da juventude impeliu-o a pedir a Deus a sabedoria e entregou-se à sua missão. Algo parecido aconteceu com o profeta Jeremias, chamado a despertar o seu povo quando era ainda muito jovem. Temeroso, disse: «Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, pois ainda sou um jovem» (Jr 1, 6). Mas o Senhor pediu-lhe para não falar assim (cf. Jr 1, 7), acrescentando: «Não terás medo diante deles, pois Eu estou contigo para te livrar» (Jr 1, 8). A entrega do profeta Jeremias à sua missão mostra o que é possível fazer-se, se se unem o frescor da juventude e a força de Deus.
11. Uma donzela judia, que estava ao serviço do militar estrangeiro Naaman interveio com fé para o ajudar a curar da sua doença (cf. 2 Re 5, 2-6). A jovem Rute foi um exemplo de generosidade ao ficar na companhia da sua sogra, que acabara viúva e só (cf. Rt 1, 1-18), e mostrou também a sua audácia para triunfar na vida (cf. Rt 4, 1-17).

No Novo Testamento
12. Conta uma parábola de Jesus (cf. Lc 15, 11-33) que o filho «mais jovem» quis partir da casa paterna para um país distante (cf. 15, 12-13). Mas, os seus sonhos de autonomia transformaram-se em libertinagem e devassidão (cf. 15, 13), e provou a dureza da solidão e da pobreza (cf. 15, 14-16). Todavia, foi capaz de reconsiderar e começar de novo (cf. 15, 17-19): decidiu levantar-se (cf. 15, 20). É típico do coração jovem estar disposto a mudar, ser capaz de levantar-se e deixar-se instruir pela vida. Como não acompanhar o filho nesta nova tentativa? Mas o irmão mais velho já tinha o coração envelhecido e deixou-se possuir pela ganância, o egoísmo e a inveja (cf. 15, 28-30). Jesus louva mais o jovem pecador que retoma o bom caminho do que aquele que se julga fiel, mas não vive o espírito do amor e da misericórdia.

13. Jesus, o eternamente jovem, quer dar-nos um coração sempre jovem. Assim no-lo pede a Palavra de Deus: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa» (1 Cor 5, 7). Ao mesmo tempo convida-nos a despojar-nos do «homem velho» para nos revestirmos do «homem novo» (Col 3, 9.10), do homem jovem.[1] E, quando quer explicar o que é revestir-se desta juventude que «não cessa de se renovar» (3, 10), diz que significa ter «sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro» (3, 12-13). Isto significa que a verdadeira juventude é ter um coração capaz de amar. Pelo contrário, aquilo que envelhece a alma é tudo o que nos separa dos outros. Por isso mesmo conclui: «Acima de tudo isto, revesti-vos do amor, que é o laço da perfeição» (3, 14).
14. Notemos que Jesus não gostava que os adultos olhassem com desprezo para os mais jovens ou os mantivessem, despoticamente, ao seu serviço. Pelo contrário, pedia: «O que for maior entre vós seja como o menor» (Lc 22, 26). Para Ele, a idade não estabelecia privilégios; e o facto de alguém ter menos anos não significava que valesse menos ou tivesse menor dignidade.
15. A Palavra de Deus diz que os jovens devem ser tratados «como irmãos» (1 Tm 5, 1), e recomenda aos pais: «Não irriteis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo» (Col 3, 21). Um jovem não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmo para construir algo superior. Por isso, insisto com os jovens para não deixar que lhes roubem a esperança, repetindo a cada um: «Ninguém escarneça da tua juventude» (1 Tm 4, 12).
16. Ao mesmo tempo, porém, recomenda-se aos jovens: «Sede submissos aos anciãos» (1 Ped 5, 5). A Bíblia sempre convida a um respeito profundo pelos idosos, porque abrigam um tesouro de experiência, experimentaram os êxitos e os fracassos, as alegrias e as grandes tribulações da vida, as esperanças e as desilusões, e, no silêncio do seu coração, guardam tantas histórias que nos podem ajudar a não errar nem enganar-nos com falsas miragens. A palavra dum idoso sábio convida a respeitar certos limites e a saber-se dominar a tempo: «Exorta igualmente os jovens a serem moderados» (Tit 2, 6). Não é bom cair no culto da juventude, nem numa postura juvenil que despreze os outros pelos seus anos ou porque são doutro tempo. Jesus dizia que a pessoa sábia é capaz de tirar do seu tesouro coisas novas e velhas (cf. Mt 13, 52). Um jovem sábio abre-se ao futuro, mas permanece capaz de valorizar algo da experiência dos outros.
17. No Evangelho de Marcos, aparece uma pessoa que, ao ouvir Jesus recordar-lhe os mandamentos, exclama: «Tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude» (10, 20). Já o dizia o Salmo: «Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus, e a minha confiança desde a juventude. (...) Instruíste-me, ó Deus, desde a minha juventude e até hoje anunciei sempre as tuas maravilhas» (71/70, 5.17). Nunca nos arrependeremos de gastar a própria juventude a fazer o bem, abrindo o coração ao Senhor e vivendo contracorrente. De tudo isto, nada nos tira a juventude, antes fortalece-a e renova-a: «É [o Senhor] quem (…) te rejuvenesce como a águia» (Sal 103/102, 5). Por isso, Santo Agostinho lamentava-se: «Tarde Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde Vos amei!»[2] Mas aquele homem rico, que fora fiel a Deus na sua juventude, deixou que os anos lhe roubassem os sonhos, preferindo ficar agarrado aos seus bens (cf. Mc 10, 22).
18. Entretanto, na passagem paralela do Evangelho de Mateus, aparece um jovem (cf. Mt 19, 20.22) que se aproxima de Jesus desejoso de mais (cf. 19, 20), com aquele espírito aberto típico dos jovens, que busca novos horizontes e grandes desafios. Na realidade, o seu espírito já não era assim tão jovem, porque se apegara às riquezas e comodidades. Com a boca, dizia querer algo mais, mas, quando Jesus lhe pede para ser generoso e distribuir os seus bens, deu-se conta de que não era capaz de desprender-se do que possuía. «Ao ouvir isto, o jovem retirou-se contristado» (19, 22). Renunciara à sua juventude.
19. O Evangelho fala-nos também dalgumas jovens prudentes que estavam prontas e vigilantes, enquanto outras viviam distraídas e adormentadas (cf. Mt 25, 1-13). Com efeito, é possível transcorrer a própria juventude distraído, planando à superfície da vida, dormindo, incapaz de cultivar relações profundas e entrar no coração da vida; deste modo, porém, prepara-se um futuro pobre, sem substância. Ou, pelo contrário, pode-se gastar a juventude cultivando coisas nobres e grandes e, assim, preparar um futuro cheio de vida e riqueza interior.
20. Se perdeste o vigor interior, os sonhos, o entusiasmo, a esperança e a generosidade, diante de ti está Jesus, como parou diante do filho morto da viúva, e o Senhor, com todo o seu poder de Ressuscitado, exorta-te: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!» (Lc 7, 14).
21. Há, sem dúvida, muitos outros textos da Palavra de Deus que nos podem iluminar acerca desta fase da vida. Analisaremos alguns deles nos próximos capítulos.

CAPÍTULO II
Jesus Cristo sempre jovem


22. Jesus é «jovem entre os jovens, para ser o exemplo dos jovens e consagrá-los ao Senhor».[3] Por isso, o Sínodo disse que «a juventude é um período original e estimulante da vida, que o próprio Jesus viveu, santificando-a».[4] Que nos refere o Evangelho sobre a juventude de Jesus?

A juventude de Jesus
23. O Senhor «entregou o seu espírito» (Mt 27, 50) numa cruz, quando tinha pouco mais de 30 anos de idade (cf. Lc 3, 23). É importante tomar consciência de que Jesus foi um jovem. Deu a sua vida numa fase que hoje se define como a dum jovem adulto. Em plena juventude, começou a sua missão pública e, assim, brilhou «uma grande luz» (Mt 4, 16), sobretudo quando levou até ao extremo o dom da sua vida. Este final não foi improvisado, mas teve uma preciosa preparação em toda a sua juventude, em cada um dos seus momentos, porque «tudo, na vida de Jesus, é sinal do seu mistério»[5] e «toda a vida de Cristo é mistério de redenção».[6]

24. O Evangelho não fala da meninice de Jesus, mas conta-nos alguns factos da sua adolescência e juventude. Mateus coloca este período da juventude do Senhor entre dois episódios: o regresso da sua família a Nazaré, depois do tempo de exílio, e o seu batismo no Jordão, onde começou a sua missão pública. As últimas imagens de Jesus menino são a dum pequeno refugiado no Egito (cf. Mt 2, 14-15) e, depois, a dum repatriado em Nazaré (cf. Mt 2, 19-23). As primeiras imagens de Jesus, jovem adulto, são as que no-Lo apresentam na multidão ao pé do rio Jordão, para ser batizado pelo primo João Batista, como qualquer um do seu povo (cf. Mt 3, 13-17).
25. Aquele batismo não era como o nosso, que nos introduz na vida da graça, mas foi uma consagração antes de começar a grande missão da sua vida. O Evangelho diz que o seu batismo foi motivo de júbilo e comprazimento do Pai: «Tu és o meu Filho muito amado» (Lc 3, 22). Imediatamente Jesus apareceu cheio do Espírito Santo e foi levado pelo Espírito ao deserto. Assim, estava pronto para ir pregar e fazer prodígios, libertar e curar (cf. Lc 4, 1-14). Cada jovem, quando se sente chamado a cumprir uma missão nesta terra, é convidado a reconhecer dentro de si as mesmas palavras que Deus Pai dissera a Jesus: «Tu és o meu filho muito amado».
26. No intervalo entre estes dois episódios, aparece um que mostra Jesus em plena adolescência: quando regressou para Nazaré com seus pais, depois que estes O perderam e reencontraram no Templo (cf. Lc 2, 41-51). Em Nazaré, diz o texto que Jesus «era-lhes submisso» (Lc 2, 51), pois não tinha rejeitado a sua família. Então Lucas acrescenta que «Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens» (2, 52). Por outras palavras, estava-Se preparando e, naquele período, ia aprofundando a sua relação com o Pai e com os outros. São João Paulo II explicou que não crescia apenas fisicamente, mas «houve em Jesus também um crescimento espiritual», porque «a plenitude de graça em Jesus era relativa à idade: havia sempre plenitude, mas uma plenitude crescente com o crescer da idade».[7]
27. Com base nestes dados evangélicos, podemos afirmar que Jesus, na sua fase juvenil, foi-Se «formando», foi-Se preparando para realizar o projeto que o Pai tinha. A sua adolescência e juventude orientaram-No para esta missão suprema.
28. Na adolescência e juventude, a sua relação com o Pai era a do Filho muito amado; atraído pelo Pai, crescia ocupando-Se das coisas d’Ele: «Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2, 49). Mas, não devemos pensar que Jesus fosse um adolescente solitário ou um jovem fechado em si mesmo. A sua relação com as pessoas era a dum jovem que compartilhava a vida inteira duma família bem integrada na aldeia. Aprendera o ofício do pai e, depois, substituiu-o como carpinteiro. Por isso no Evangelho, uma vez, é chamado «o filho do carpinteiro» (Mt 13, 55) e, outra, simplesmente «o carpinteiro» (Mc 6, 3). Este detalhe mostra que era um rapaz da aldeia como os outros, relacionando-Se com toda a normalidade. Ninguém O considerava um jovem estranho ou separado dos outros. Por isso mesmo, quando Jesus começou a pregar, as pessoas não sabiam explicar donde Lhe vinha aquela sabedoria: «Não é este o filho de José?» (Lc 4, 22).
29. A verdade é que «Jesus também não cresceu numa relação fechada e exclusiva com Maria e José, mas de bom grado movia-Se na família alargada, onde encontrava os parentes e os amigos».[8] Assim se compreende que, ao regressar da peregrinação a Jerusalém, os pais estivessem tranquilos pensando que aquele adolescente de doze anos (cf. Lc 2, 42) Se movia livremente entre as pessoas a ponto de não O verem durante um dia inteiro: «pensando que Ele Se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem» (Lc 2, 44). Com certeza – supunham eles –, Jesus estaria lá indo e vindo entre os demais, brincando com os da sua idade, ouvindo as histórias dos adultos e compartilhando as alegrias e tristezas da caravana. Para expressar a «caravana» de peregrinos, Lucas usou o termo grego synodía, que indica precisamente esta «comunidade em caminho», na qual se integrou a sagrada Família. Graças à confiança que n’Ele depositam seus pais, Jesus move-Se livremente e aprende a caminhar com todos os outros.

A sua juventude ilumina-nos
30. Estes aspetos da vida de Jesus podem servir de inspiração a todo o jovem que cresce e se prepara para cumprir a sua missão. Isto implica amadurecer na relação com o Pai, na consciência de ser um dos membros da família e da aldeia, e na disponibilidade a ser cumulado do Espírito e guiado no cumprimento da missão que Deus lhe confia, a sua vocação. Nada disto deveria ser ignorado na pastoral juvenil, para não criar projetos que isolem os jovens da família e do mundo, ou que os transformem numa minoria seleta e preservada de todo o contágio. Precisamos, sim, de projetos que os fortaleçam, acompanhem e lancem para o encontro com os outros, o serviço generoso, a missão.

31. Não é de longe nem de fora que Jesus vos ilumina, a vós jovens, mas a partir da própria juventude que partilha convosco. É muito importante contemplar o Jesus jovem que os Evangelhos nos mostram, porque foi verdadeiramente um de vós e, n’Ele, é possível reconhecer muitos traços dos corações jovens. Vemo-lo, por exemplo, nas seguintes caraterísticas: «Jesus teve uma confiança incondicional no Pai, cuidou da amizade com os seus discípulos e, até nos momentos de crise, permaneceu fiel a eles. Manifestou uma profunda compaixão pelos mais fracos, especialmente os pobres, os doentes, os pecadores e os excluídos. Teve a coragem de enfrentar as autoridades religiosas e políticas do seu tempo; viveu a experiência de Se sentir incompreendido e descartado; experimentou o medo do sofrimento e conheceu a fragilidade da Paixão; dirigiu o seu olhar para o futuro, colocando-Se nas mãos seguras do Pai e confiando na força do Espírito. Em Jesus, todos os jovens se podem rever».[9]
32. Por outro lado, Jesus ressuscitou e quer fazer-nos participantes da novidade da sua ressurreição. Ele é a verdadeira juventude dum mundo envelhecido, e é também a juventude dum universo que espera, por entre «dores de parto» (Rm 8, 22), ser revestido com a sua luz e com a sua vida. Junto d’Ele, podemos beber da verdadeira fonte que mantém vivos os nossos sonhos, projetos e grandes ideais, lançando-nos no anúncio da vida que vale a pena viver. Em dois detalhes interessantes do Evangelho de Marcos, podemos notar a chamada à verdadeira juventude dos ressuscitados: na paixão do Senhor, aparece um jovem medroso que procurava seguir Jesus, mas fugiu nu (cf. 14, 51-52), um jovem que não teve a força de arriscar tudo para seguir o Senhor; enquanto, junto do túmulo vazio, vemos um jovem «vestido com uma túnica branca» (16, 5), que convidava a vencer o medo e anunciava a alegria da ressurreição (cf. 16, 6-7).
33. O Senhor chama-nos a acender estrelas na noite doutros jovens; convida-nos a olhar os verdadeiros astros, ou seja, aqueles sinais tão variados que Ele nos dá para não ficarmos parados, mas imitarmos o semeador que observava as estrelas para poder lavrar o campo. Deus acende estrelas para nós, a fim de podermos continuar a caminhar: «Às estrelas que brilham alegremente nos seus postos, Ele chama-as e elas respondem» (Br 3, 34-35). Mas o próprio Cristo é, para nós, a grande luz de esperança e guia na nossa noite, pois Ele é «a brilhante estrela da manhã» (Ap 22, 16).

A juventude da Igreja
34. Ser jovem, mais do que uma idade, é um estado do coração. Assim, uma instituição antiga como é a Igreja pode renovar-se e voltar a ser jovem em cada uma das várias fases da sua longa história. Com efeito, nos seus momentos mais dramáticos, sente a chamada a retornar ao essencial do primeiro amor. Ao recordar esta verdade, o Concílio Vaticano II afirmava que, «rica de um longo passado sempre vivo, e caminhando para a perfeição humana no tempo e para os destinos últimos da história e da vida, ela é a verdadeira juventude do mundo». Nela, é sempre possível encontrar Cristo, «o companheiro e o amigo dos jovens».[10]

Uma Igreja que se deixa renovar
35. Peçamos ao Senhor que liberte a Igreja daqueles que querem envelhecê-la, ancorá-la ao passado, travá-la, torná-la imóvel. Peçamos também que a livre doutra tentação: acreditar que é jovem porque cede a tudo o que o mundo lhe oferece, acreditar que se renova porque esconde a sua mensagem e mimetiza-se com os outros. Não! É jovem quando é ela mesma, quando recebe a força sempre nova da Palavra de Deus, da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu Espírito em cada dia. É jovem quando consegue voltar continuamente à sua fonte.
36. Certamente nós, membros da Igreja, não precisamos de aparecer como sujeitos estranhos. Todos nos devem sentir irmãos e vizinhos, como os Apóstolos que «tinham a simpatia de todo o povo» (At 2, 47; cf. 4, 21.33; 5, 13). Ao mesmo tempo, porém, devemos ter a coragem de ser diferentes, mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, testemunhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos pobres, da amizade social.
37. A Igreja de Cristo pode sempre cair na tentação de perder o entusiasmo, porque deixa de escutar o apelo do Senhor ao risco da fé, a dar tudo sem medir os perigos, e volta a procurar falsas seguranças mundanas. São precisamente os jovens que a podem ajudar a permanecer jovem, não cair na corrupção, não parar, não se orgulhar, não se transformar numa seita, ser mais pobre e testemunhal, estar perto dos últimos e descartados, lutar pela justiça, deixar-se interpelar com humildade. Os jovens podem conferir à Igreja a beleza da juventude, quando estimulam a capacidade «de se alegrar com o que começa, de se dar sem nada exigir, de se renovar e de partir para novas conquistas».[11]
38. Quantos de nós já não são jovens precisam de ocasiões em que tenham próxima a voz e o estímulo dos jovens, e «a proximidade cria as condições para que a Igreja seja espaço de diálogo e testemunho de fraternidade que fascina».[12] Precisamos de criar mais espaços onde ressoe a voz dos jovens: «A escuta torna possível um intercâmbio de dons, num contexto de empatia. (…) Ao mesmo tempo, estabelece as condições para um anúncio do Evangelho que alcance verdadeiramente, de modo incisivo e fecundo, o coração».[13]

Uma Igreja atenta aos sinais dos tempos
39. «Enquanto Deus, a religião e a Igreja não passam de palavras vazias para numerosos jovens, os mesmos mostram-se sensíveis à figura de Jesus, quando ela é apresentada de modo atraente e eficaz».[14] Por isso é necessário que a Igreja não esteja demasiado debruçada sobre si mesma, mas procure sobretudo refletir Jesus Cristo. Isto implica reconhecer humildemente que algumas coisas concretas devem mudar e, para isso, precisa de recolher também a visão e mesmo as críticas dos jovens.

40. No Sínodo, reconheceu-se que «um número consistente de jovens, pelos motivos mais variados, nada pede à Igreja, porque não a consideram significativa para a sua existência. Aliás, alguns pedem-lhe expressamente para ser deixados em paz, uma vez que sentem a sua presença como importuna e até mesmo irritante. Muitas vezes este pedido não nasce dum desprezo acrítico e impulsivo, mas mergulha as raízes mesmo em razões sérias e respeitáveis: os escândalos sexuais e económicos; a falta de preparação dos ministros ordenados, que não sabem reconhecer de maneira adequada a sensibilidade dos jovens; pouco cuidado na preparação da homilia e na apresentação da Palavra de Deus; o papel passivo atribuído aos jovens no seio da comunidade cristã; a dificuldade da Igreja dar razão das suas posições doutrinais e éticas perante a sociedade atual».[15]
41. Embora haja jovens a quem agrada ver uma Igreja que se manifesta humildemente segura dos seus dons e também capaz de exercer uma crítica leal e fraterna, outros jovens reclamam uma Igreja que escute mais, que não passe o tempo a condenar o mundo. Não querem ver uma Igreja calada e tímida, mas tão-pouco desejam que esteja sempre em guerra por dois ou três assuntos que a obcecam. Para ser credível aos olhos dos jovens, precisa às vezes de recuperar a humildade e simplesmente ouvir, reconhecer, no que os outros dizem, alguma luz que a pode ajudar a descobrir melhor o Evangelho. Uma Igreja na defensiva, que perde a humildade, que deixa de escutar, que não permite ser questionada, perde a juventude e transforma-se num museu. Como poderá uma Igreja assim receber os sonhos dos jovens? Embora possua a verdade do Evangelho, isto não significa que a tenha compreendido plenamente; antes, deve crescer sempre na compreensão deste tesouro inesgotável.[16]
42. Por exemplo, uma Igreja demasiado temerosa e estruturada pode ser constantemente crítica de todos os discursos sobre a defesa dos direitos das mulheres, e apontar constantemente os riscos e os possíveis erros dessas reclamações. Ao passo que uma Igreja viva pode reagir prestando atenção às legítimas reivindicações das mulheres, que pedem maior justiça e igualdade; pode repassar a história e reconhecer uma longa trama de autoritarismo por parte dos homens, de sujeição, de várias formas de escravidão, abusos e violência machista. Com este olhar, poderá fazer suas aquelas reclamações de direitos e dará, convictamente, a sua contribuição para uma maior reciprocidade entre homens e mulheres, embora não concorde com tudo o que propõem alguns grupos feministas. Nesta linha, o Sínodo quis renovar o empenho da Igreja «contra toda a discriminação e violência com base no sexo».[17] Esta é a reação duma Igreja que se mantém jovem e se deixa interpelar e estimular pela sensibilidade dos jovens.

Maria, a jovem de Nazaré
43. No coração da Igreja, resplandece Maria. É o grande modelo para uma Igreja jovem, que deseja seguir Cristo com frescor e docilidade. Era ainda muito jovem quando recebeu o anúncio do anjo, não se coibindo de fazer perguntas (cf. Lc 1, 34). Mas tinha uma alma disponível e disse: «Eis a serva do Senhor» (Lc 1, 38).

44. «Sempre impressiona a força do “sim” de Maria, jovem. A força daquele “faça-se em Mim”, que disse ao anjo. Foi uma coisa distinta duma aceitação passiva ou resignada. Foi qualquer coisa distinta daquele “sim” que por vezes se diz: “Bem; provemos a ver que sucede”. Maria não conhecia a frase “provemos a ver que sucede”. Era determinada: compreendeu do que se tratava e disse “sim”, sem rodeios de palavras. Foi algo mais, qualquer coisa de diferente. Foi o “sim” de quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar tudo, sem ter outra garantia para além da certeza de saber que é portadora duma promessa. Pergunto a cada um de vós: Sentes-te portador duma promessa? Que promessa trago no meu coração, devendo dar-lhe continuidade? Maria teria, sem dúvida, uma missão difícil, mas as dificuldades não eram motivo para dizer “não”. Com certeza teria complicações, mas não haveriam de ser idênticas às que se verificam quando a covardia nos paralisa por não vermos, antecipadamente, tudo claro ou garantido. Maria não comprou um seguro de vida! Maria embarcou no jogo e, por isso, é forte, é uma “influenciadora”, é a “influenciadora” de Deus! O “sim” e o desejo de servir foram mais fortes do que as dúvidas e dificuldades».[18]
45. Sem ceder a evasões nem miragens, «Ela soube acompanhar o sofrimento do seu Filho (...), apoiá-Lo com o olhar e protegê-Lo com o coração. Que dor sofreu! Mas não A abateu. Foi a mulher forte do “sim”, que apoia e acompanha, protege e abraça. É a grande guardiã da esperança (...). D’Ela, aprendemos a dizer “sim” à paciência obstinada e à criatividade daqueles que não desanimam e recomeçam».[19]
46. Maria era a donzela de alma grande que exultava de alegria (cf. Lc 1, 47), era a jovenzinha com os olhos iluminados pelo Espírito Santo, que contemplava a vida com fé e guardava tudo no seu coração (cf. Lc 2, 19.51). Não ficava quieta, punha-se continuamente a caminho: quando soube que sua prima precisava d’Ela, não pensou nos próprios projetos, mas «dirigiu-Se à pressa para a montanha» (Lc 1, 39).
47. E, sendo necessário proteger o seu menino, partiu com José para um país distante (cf. Mt 2, 13-14). Pelo mesmo motivo, permaneceu no meio dos discípulos reunidos em oração à espera do Espírito Santo (cf. At 1, 14). Assim, com a presença d’Ela, nasceu uma Igreja jovem, com os seus Apóstolos em saída para fazer nascer um mundo novo (cf. At 2, 4-11).
48. Aquela jovenzinha é, hoje, a Mãe que vela pelos filhos: por nós, seus filhos, que muitas vezes caminhamos na vida cansados, carentes, mas desejosos que a luz da esperança não se apague. Isto é o que queremos: que a luz da esperança não se apague. A nossa Mãe vê este povo peregrino, povo jovem amado por Ela, que A procura fazendo silêncio no próprio coração, ainda que haja muito barulho, conversas e distrações ao longo do caminho. Mas, diante dos olhos da Mãe, só há lugar para o silêncio cheio de esperança. E, assim, Maria ilumina de novo a nossa juventude.

Jovens santos
49. O coração da Igreja está cheio também de jovens santos, que deram a sua vida por Cristo, muitos deles até ao martírio. Constituem magníficos reflexos de Cristo jovem, que resplandecem para nos estimular e tirar fora da sonolência. O Sínodo salientou que «muitos jovens santos fizeram resplandecer os delineamentos da idade juvenil em toda a sua beleza e foram, no seu tempo, verdadeiros profetas de mudança; o seu exemplo mostra do que os jovens são capazes, quando se abrem ao encontro com Cristo».[20]

50. «Através da santidade dos jovens, a Igreja pode renovar o seu ardor espiritual e o seu vigor apostólico. O bálsamo da santidade gerada pela vida boa de muitos jovens pode curar as feridas da Igreja e do mundo, levando-nos àquela plenitude do amor para a qual, desde sempre, estamos chamados: os jovens santos impelem-nos a voltar ao nosso primeiro amor (cf. Ap 2, 4)».[21] Há santos que não conheceram a vida adulta, tendo-nos deixado o testemunho doutra forma de viver a juventude. Recordemos ao menos alguns deles, de diferentes momentos da história, que viveram, cada um à sua maneira, a santidade.
51. São Sebastião – no século III – era um jovem capitão da guarda pretoriana. Contam que falava de Cristo por toda a parte e procurava converter os seus companheiros, até quando lhe foi ordenado que renunciasse à sua fé. Como não aceitou, fizeram cair uma chuva de flechas sobre ele, mas sobreviveu e continuou a anunciar Cristo sem medo. Por fim, açoitaram-no até à morte.
52. São Francisco de Assis, ainda muito jovem e cheio de sonhos, ouviu a chamada de Jesus para ser pobre como Ele e restaurar a Igreja com o seu testemunho. A tudo renunciou com alegria e é o santo da fraternidade universal, o irmão de todos, que louvava o Senhor pelas suas criaturas. Morreu em 1226.
53. Santa Joana d'Arc nasceu em 1412. Era uma jovem do campo que, apesar da sua jovem idade, lutou para defender a França dos invasores. Incompreendida pelo seu aspeto e a sua forma de viver a fé, morreu na fogueira.
54. O Beato André Phû Yên, um jovem vietnamita do século XVII, era catequista e ajudava os missionários. Foi preso por causa da sua fé e, por não querer renunciar a ela, assassinaram-no. Morreu, dizendo «Jesus».
55. No mesmo século, Santa Catarina Tekakwitha, jovem leiga nascida na América do Norte, foi perseguida pela sua fé e, na sua fuga, percorreu a pé mais de 300 quilómetros através de espessas florestas. Consagrou-se a Deus e morreu dizendo: «Jesus, eu te amo!»
56. São Domingos Sávio oferecia a Maria todos os seus sofrimentos. Quando São João Bosco lhe ensinou que a santidade implica estar sempre alegre, abriu o seu coração a uma alegria contagiosa. Procurava estar perto dos seus companheiros mais marginalizados e doentes. Morreu em 1857, com a idade de 14 anos, dizendo: «Que maravilha estou eu a ver!»
57. Santa Teresa do Menino Jesus nasceu em 1873. Com a idade de 15 anos, superando muitas dificuldades, conseguiu entrar num convento carmelita. Viveu o «caminhito» da confiança total no amor do Senhor, propondo-se alimentar, com a sua oração, o fogo do amor que move a Igreja.
58. O Beato Zeferino Namuncurá era um jovem argentino, filho dum importante chefe das populações indígenas. Tornou-se seminarista salesiano, cheio de vontade de voltar à sua tribo para levar Jesus Cristo. Morreu em 1905.
59. O Beato Isidoro Bakanja era um leigo do Congo que dava testemunho da sua fé. Foi longamente torturado por ter proposto o cristianismo a outros jovens. Morreu, perdoando ao seu carrasco, em 1909.
60. O Beato Pier Jorge Frassati, que morreu em 1925, «era um jovem de uma alegria comunicativa, uma alegria que superava também as muitas dificuldades da sua vida».[22] Dizia querer retribuir o amor de Jesus, que recebia na Comunhão, visitando e ajudando os pobres.
61. O Beato Marcelo Callo era um jovem francês, que morreu em 1945. Na Áustria, foi preso num campo de concentração, onde, no meio de duros trabalhos, confortava na fé os seus companheiros de cativeiro.
62. A jovem Beata Clara Badano, que morreu em 1990, «experimentou como o sofrimento pode ser transfigurado pelo amor (...). A chave da sua paz e da sua alegria era a total confiança no Senhor e a aceitação também da doença como expressão misteriosa da sua vontade para o seu bem e para o bem de todos».[23]
63. Que eles, juntamente com muitos jovens que, frequentemente no silêncio e anonimato, viveram a fundo o Evangelho, intercedam pela Igreja para que esteja cheia de jovens alegres, corajosos e devotados que ofereçam ao mundo novos testemunhos de santidade.

CAPÍTULO III
Vós sois o agora de Deus


64. Depois de observar a Palavra de Deus, não podemos limitar-nos a dizer que os jovens são o futuro do mundo: são o presente, estão a enriquecê-lo com a sua contribuição. Um jovem já não é uma criança, encontra-se num momento da vida em que começa a assumir várias responsabilidades, participando com os adultos no desenvolvimento da família, da sociedade, da Igreja. Mas os tempos mudam, colocando-se a questão: Como são os jovens hoje? Que sucede agora aos jovens?

Em positivo
65. O Sínodo reconheceu que os fiéis da Igreja nem sempre têm o comportamento de Jesus. Em vez de nos dispormos a escutá-los profundamente, «prevalece a tendência de fornecer respostas pré-fabricadas e receitas prontas, sem deixar assomar as perguntas juvenis na sua novidade e captar a sua interpelação».[24] Mas, quando a Igreja abandona esquemas rígidos e se abre à escuta pronta e atenta dos jovens, esta empatia enriquece-a, porque «permite que os jovens deem a sua colaboração à comunidade, ajudando-a a individuar novas sensibilidades e colocar-se perguntas inéditas».[25]

66. Hoje nós, adultos, corremos o risco de fazer uma lista de desastres, de defeitos da juventude atual. Alguns poderão aplaudir-nos, porque parecemos especialistas em encontrar aspetos negativos e perigos. Mas, qual seria o resultado deste comportamento? Uma distância sempre maior, menos proximidade, menos ajuda mútua.
67. A clarividência de quem foi chamado a ser pai, pastor ou guia dos jovens consiste em encontrar a pequena chama que continua a arder, a cana que parece quebrar-se (cf. Is 42, 3) mas ainda não partiu. É a capacidade de individuar percursos onde outros só veem muros, é saber reconhecer possibilidades onde outros só veem perigos. Assim é o olhar de Deus Pai, capaz de valorizar e nutrir os germes de bem semeados no coração dos jovens. Por isso, o coração de cada jovem deve ser considerado «terra santa», diante da qual nos devemos «descalçar» para poder aproximar-nos e penetrar no Mistério.

Muitas juventudes
68. Poderíamos procurar descrever as caraterísticas dos jovens de hoje, mas, antes de mais nada, quero registar uma observação dos Padres Sinodais: a própria «composição do Sínodo tornou visível a presença e a colaboração das diferentes regiões do mundo, evidenciando a beleza de ser Igreja universal. Embora num contexto de crescente globalização, os Padres Sinodais pediram para salientar as múltiplas diferenças entre contextos e culturas, inclusive dentro do mesmo país. Existe uma pluralidade de mundos juvenis, a ponto de se tender, nalguns países, a usar o termo “juventude” no plural. Além disso, a faixa etária considerada pelo presente Sínodo (16-29 anos) não representa um todo homogéneo, mas compõe-se de grupos que vivem situações peculiares».[26]

69. Partindo do ponto de vista demográfico, alguns países têm muitos jovens, enquanto outros possuem uma taxa de natalidade muito baixa. «Outra diferença deriva da história, que torna distintos os países e continentes de antiga tradição cristã, cuja cultura é portadora duma memória que não deve ser perdida, dos países e continentes marcados por outras tradições religiosas e onde o cristianismo tem uma presença minoritária e, por vezes, recente. Além disso, noutros territórios, as comunidades cristãs e os jovens que fazem parte delas são objeto de perseguição».[27] Deve-se distinguir também os jovens «que têm acesso às crescentes oportunidades oferecidas pela globalização de quantos, ao contrário, vivem à margem da sociedade ou no mundo rural suportando os efeitos de formas de exclusão e descarte».[28]
70. Existem muitas outras diferenças, que seria complexo referir aqui em detalhe. Por isso, não me parece oportuno demorar-me a oferecer uma análise exaustiva dos jovens no mundo atual, de como vivem e do que lhes sucede. Mas, como também não posso deixar de observar a realidade, assinalarei brevemente algumas contribuições que chegaram antes do Sínodo e outras que pude recolher durante o mesmo.

Algumas coisas que sucedem aos jovens
71. A juventude não é algo que se possa analisar de forma abstrata. Na realidade, «a juventude» não existe; o que há são jovens com as suas vidas concretas. No mundo atual, cheio de progresso, muitas destas vidas estão sujeitas ao sofrimento e à manipulação.


Jovens dum mundo em crise
72. Os Padres Sinodais assinalaram, com tristeza, que «muitos jovens vivem em contextos de guerra e padecem a violência numa variedade incontável de formas: raptos, extorsões, criminalidade organizada, tráfico de seres humanos, escravidão e exploração sexual, estupros de guerra, etc. Outros jovens, por causa da sua fé, têm dificuldade em encontrar um lugar nas suas sociedades e sofrem vários tipos de perseguição, que vai até à morte. Numerosos são os jovens que, por constrangimento ou falta de alternativas, vivem perpetrando crimes e violências: crianças-soldado, gangues armados e criminosos, tráfico de droga, terrorismo, etc. Esta violência destroça muitas vidas jovens. Abusos e dependências, bem como violência e extravio contam-se entre as razões que levam os jovens à prisão, com incidência particular nalguns grupos étnicos e sociais».[29]

73. Muitos jovens são mentalizados, instrumentalizados e utilizados como carne de canhão ou como força de choque para destruir, intimidar ou ridicularizar outros. E o pior é que muitos se transformam em sujeitos individualistas, inimigos e difidentes para com todos, tornando-se assim presa fácil de propostas desumanizadoras e dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos ou poderes económicos.
74. «Ainda mais numerosos no mundo são os jovens que padecem formas de marginalização e exclusão social, por razões religiosas, étnicas ou económicas. Lembramos a difícil situação de adolescentes e jovens que ficam grávidas e a praga do aborto, bem como a propagação do SIDA/HIV, as várias formas de dependência (drogas, jogos de azar, pornografia, etc.) e a situação dos meninos e adolescentes de rua, que carecem de casa, família e recursos económicos».[30] E quando se trata de mulheres, estas situações de marginalização tornam-se duplamente dolorosas e difíceis.
75. Não podemos ser uma Igreja que não chora à vista destes dramas dos seus filhos jovens. Não devemos jamais habituar-nos a isto, porque, quem não sabe chorar, não é mãe. Queremos chorar para que a própria sociedade seja mais mãe, a fim de que, em vez de matar, aprenda a dar à luz, de modo que seja promessa de vida. Choramos ao recordar os jovens que morreram por causa da miséria e da violência e pedimos à sociedade que aprenda a ser uma mãe solidária. Esta dor não passa, acompanha-nos, porque não se pode esconder a realidade. A pior coisa que podemos fazer é aplicar a receita do espírito mundano, que consiste em anestesiar os jovens com outras notícias, com outras distrações, com banalidades.
76. Talvez «aqueles de nós que levamos uma vida sem grandes necessidades não saibamos chorar. Certas realidades da vida só se veem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido cada um de vós a perguntar-se: Aprendi eu a chorar, quando vejo uma criança faminta, uma criança drogada pela estrada, uma criança sem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança usada como escravo pela sociedade? Ou o meu não passa do pranto caprichoso de quem chora porque quereria ter mais alguma coisa?»[31] Procura aprender a chorar pelos jovens que estão pior do que tu. A misericórdia e a compaixão também se manifestam chorando. Se o pranto não te vem, pede ao Senhor que te conceda derramar lágrimas pelo sofrimento dos outros. Quando souberes chorar, então serás capaz de fazer algo, do fundo do coração, pelos outros.
77. Às vezes o sofrimento dalguns jovens é lacerante, um sofrimento que não se pode expressar com palavras, um sofrimento que nos fere como um soco. Estes jovens só podem dizer a Deus que sofrem muito, que lhes custa imenso continuar para diante, que já não acreditam em ninguém. Mas, neste grito desolador, fazem-se ouvir as palavras de Jesus: «Felizes os que choram, porque serão consolados» (Mt 5, 4). Há jovens que conseguiram abrir caminho na vida, porque lhes chegou esta promessa divina. Junto dum jovem atribulado, possa haver sempre uma comunidade cristã para fazer ressoar aquelas palavras com gestos, abraços e ajuda concreta!
78. É verdade que os poderosos prestam alguma ajuda, mas muitas vezes por um alto preço. Em muitos países pobres, a ajuda económica dalguns países mais ricos ou dalguns organismos internacionais costuma estar vinculada à aceitação de propostas ocidentais relativas à sexualidade, ao matrimónio, à vida ou à justiça social. Esta colonização ideológica prejudica de forma especial os jovens. Ao mesmo tempo, vemos como certa publicidade ensina as pessoas a estar sempre insatisfeitas, contribuindo assim para a cultura do descarte, onde os próprios jovens acabam transformados em material descartável.
79. A cultura atual promove um modelo de pessoa estreitamente associado à imagem do jovem. Sente-se belo quem se apresenta jovem, quem realiza tratamentos para cancelar as marcas do tempo. Os corpos jovens são constantemente usados na publicidade comercial. O modelo de beleza é um modelo juvenil, mas estejamos atentos porque isto não é um elogio para os jovens. Significa apenas que os adultos querem roubar a juventude para si mesmos, e não que respeitam, amam e cuidam dos jovens.
80. Alguns jovens «sentem as tradições familiares como opressivas e abandonam-nas sob a pressão duma cultura globalizada que às vezes os deixa sem pontos de referência. Entretanto, noutras partes do mundo, entre jovens e adultos não há um verdadeiro e próprio conflito geracional, mas um alheamento recíproco. Por vezes, os adultos não procuram ou não conseguem transmitir os valores basilares da existência ou então assumem estilos próprios dos jovens, transtornando o relacionamento entre as gerações. Assim, a relação entre jovens e adultos corre o risco de se deter no plano afetivo, sem tocar a dimensão educativa e cultural».[32] Quanto dano faz isto aos jovens, embora alguns não se deem conta! Os próprios jovens nos fizeram notar que isto dificulta imenso a transmissão da fé, «nalguns países, onde não há liberdade de expressão vendo-se impedidos de participar na vida da Igreja».[33]

Desejos, feridas e buscas
81. Os jovens reconhecem que o corpo e a sexualidade são essenciais para a sua vida e para o crescimento da sua identidade. Mas, num mundo que destaca excessivamente a sexualidade, é difícil manter uma boa relação com o próprio corpo e viver serenamente as relações afetivas. Por esta e outras razões, a moral sexual é frequentemente «causa de incompreensão e alheamento da Igreja, pois é sentida como um espaço de julgamento e condenação». Ao mesmo tempo, os jovens expressam de maneira explícita o desejo de se confrontar sobre «as questões relativas à diferença entre identidade masculina e feminina, à reciprocidade entre homens e mulheres, e à homossexualidade».[34]

82. No nosso tempo, «os progressos da ciência e das tecnologias biomédicas incidem fortemente na perceção do corpo, induzindo a pensar que se pode modificar sem limites. A capacidade de intervir no DNA, a possibilidade de inserir elementos artificiais no organismo (cyborg) e o desenvolvimento das neurociências constituem um grande recurso, mas ao mesmo tempo levantam questões antropológicas e éticas».[35] Podem levar-nos a esquecer que a vida é um dom, que somos seres criados e limitados, podendo facilmente ser instrumentalizados por quem detém o poder tecnológico.[36] «Além disso, em alguns contextos juvenis, difunde-se a atração por comportamentos de risco como instrumento para se explorar a si mesmo, procurar emoções fortes e obter reconhecimento. (…) Estes fenómenos, a que estão expostas as novas gerações, constituem um obstáculo para o amadurecimento sereno».[37]
83. Nos jovens, encontramos também, gravados na alma, os golpes recebidos, os fracassos, as recordações tristes. Muitas vezes «são as feridas das derrotas da sua própria história, dos desejos frustrados, das discriminações e injustiças sofridas, de não se ter sentido amado ou reconhecido». Além disso, temos «as feridas morais, o peso dos próprios erros, o sentido de culpa por ter errado».[38] Jesus faz-Se presente nestas cruzes dos jovens, para lhes oferecer a sua amizade, o seu alívio, a sua companhia sanadora, e a Igreja quer ser instrumento d’Ele neste percurso rumo à cura interior e à paz do coração.
84. Nalguns jovens, reconhecemos um desejo de Deus, embora não possua todos os delineamentos do Deus revelado. Noutros, podemos vislumbrar um sonho de fraternidade, o que já não é pouco. Em muitos, existe um desejo real de desenvolver as capacidades de que são dotados para oferecerem algo ao mundo. Nalguns, vemos uma sensibilidade artística especial, ou uma busca de harmonia com a natureza. Noutros, pode haver uma grande necessidade de comunicação. Em muitos deles, encontramos o desejo profundo duma vida diferente. Trata-se de verdadeiros pontos de partida, energias interiores que aguardam, disponíveis, uma palavra de estímulo, luz e encorajamento.
85. O Sínodo tratou de maneira especial três temas de grande importância, cujas conclusões desejo acolher textualmente, embora nos exijam ainda avançar numa análise mais ampla e desenvolver uma capacidade de resposta mais adequada e eficaz.

O ambiente digital
86. «O ambiente digital carateriza o mundo atual. Largas faixas da humanidade vivem mergulhadas nele de maneira ordinária e contínua. Já não se trata apenas de “usar” instrumentos de comunicação, mas de viver numa cultura amplamente digitalizada que tem impactos muito profundos na noção de tempo e espaço, na perceção de si mesmo, dos outros e do mundo, na maneira de comunicar, aprender, obter informações, entrar em relação com os outros. Uma abordagem da realidade, que tende a privilegiar a imagem relativamente à escuta e à leitura, influencia o modo de aprender e o desenvolvimento do sentido crítico».[39]

87. A internet e as redes sociais geraram uma nova maneira de comunicar e criar vínculos, sendo «uma “praça” onde os jovens passam muito tempo e se encontram facilmente, embora nem todos tenham acesso igual, particularmente nalgumas regiões do mundo. Em todo o caso, constituem uma oportunidade extraordinária de diálogo, encontro e intercâmbio entre as pessoas, bem como de acesso à informação e ao saber. Além disso, o mundo digital é um contexto de participação sociopolítica e de cidadania ativa, podendo facilitar a circulação duma informação independente capaz de tutelar eficazmente as pessoas mais vulneráveis, revelando as violações dos seus direitos. Em muitos países, a web e as redes sociais já constituem um lugar indispensável para se alcançar e envolver os jovens nas próprias iniciativas e atividades pastorais».[40]
88. Mas, para entender este fenómeno na sua totalidade, é preciso reconhecer que possui – como toda a realidade humana – limites e deficiências. Não é salutar confundir a comunicação com o simples contacto virtual. De facto, «o ambiente digital é também um território de solidão, manipulação, exploração e violência, até ao caso extremo da dark web. Os meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência, isolamento e perda progressiva de contacto com a realidade concreta, dificultando o desenvolvimento de relações interpessoais autênticas. Difundem-se novas formas de violência através das redes sociais, como o cyberbullying; a web é também um canal de difusão da pornografia e de exploração de pessoas para fins sexuais ou através do jogo de azar».[41]
89. Não se deve esquecer que «há interesses económicos gigantescos que operam no mundo digital, capazes de realizar formas de controle que são tão subtis quanto invasivas, criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático. O funcionamento de muitas plataformas acaba frequentemente por favorecer o encontro entre pessoas com as mesmas ideias, dificultando o confronto entre as diferenças. Estes circuitos fechados facilitam a divulgação de informações e notícias falsas, fomentando preconceitos e ódio. A proliferação das notícias falsas é expressão duma cultura que perdeu o sentido da verdade e sujeita os factos a interesses particulares. A reputação das pessoas é comprometida através de processos sumários on-line. O fenómeno diz respeito também à Igreja e seus pastores».[42]
90. Num documento preparado por trezentos jovens de todo o mundo antes do Sínodo, indicava-se que «as relações on-line podem tornar-se desumanas. Os espaços digitais não nos deixam ver a vulnerabilidade do outro e dificultam a reflexão pessoal. Problemas como a pornografia distorcem a perceção que o jovem tem da sexualidade humana. A tecnologia usada desta maneira cria uma realidade paralela ilusória que ignora a dignidade humana».[43] A imersão no mundo virtual favoreceu uma espécie de «migração digital», isto é, um distanciamento da família, dos valores culturais e religiosos, que leva muitas pessoas para um mundo de solidão e autoinvenção chegando ao ponto de sentir a falta de raízes, embora fisicamente permaneçam no mesmo lugar. A vida nova e transbordante dos jovens, que impele a buscar a afirmação da própria personalidade, enfrenta atualmente um novo desafio: interagir com um mundo real e virtual no qual se entra sozinho como num continente desconhecido. Os jovens de hoje são os primeiros a fazer esta síntese entre o pessoal, o específico de cada cultura e o global. Mas isto requer que eles consigam passar do contacto virtual a uma comunicação boa e saudável.

Os migrantes como paradigma do nosso tempo
91. Como não lembrar os inúmeros jovens diretamente envolvidos nas migrações? Os fenómenos migratórios não representam uma emergência transitória, mas são estruturais. «As migrações podem verificar-se dentro do mesmo país ou entre países diferentes. A preocupação da Igreja visa, em particular, aqueles que fogem da guerra, da violência, da perseguição política ou religiosa, dos desastres naturais – devidos também às alterações climáticas – e da pobreza extrema: muitos deles são jovens. Em geral, andam à procura de oportunidades para si e para a sua família. Sonham com um futuro melhor, e desejam criar as condições para que se realize».[44] Os migrantes lembram-nos «a condição primordial da fé, ou seja, a de sermos “estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Heb 11, 13)».[45]

92. Outros migrantes são «atraídos pela cultura ocidental, nutrindo por vezes expetativas irrealistas que os expõem a pesadas deceções. Traficantes sem escrúpulos, frequentemente ligados a cartéis da droga e das armas, exploram a fragilidade dos migrantes, que, ao longo do seu percurso, muitas vezes encontram a violência, o tráfico de seres humanos, o abuso psicológico e mesmo físico, e tribulações indescritíveis. Há que assinalar a particular vulnerabilidade dos migrantes menores não acompanhados, e a situação daqueles que são forçados a passar muitos anos nos campos de refugiados ou que permanecem bloqueados muito tempo nos países de trânsito, sem poderem continuar os seus estudos nem expressar os seus talentos. Nalguns países de chegada, os fenómenos migratórios suscitam alarme e temores, frequentemente fomentados e explorados para fins políticos. Assim se difunde uma mentalidade xenófoba, de clausura e retraimento em si mesmos, a que é necessário reagir com decisão».[46]
93. «Os jovens que migram experimentam a separação do seu contexto de origem e, muitas vezes, também um desenraizamento cultural e religioso. A fratura tem a ver também com as comunidades de origem, que perdem os elementos mais vigorosos e empreendedores, e as famílias, particularmente quando migra um ou ambos os progenitores, deixando os filhos no país de origem. A Igreja tem um papel importante como referência para os jovens destas famílias divididas. Mas as histórias dos migrantes são histórias também de encontro entre pessoas e entre culturas: para as comunidades e as sociedades de chegada são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral de todos. As iniciativas de hospitalidade, que têm como ponto de referência a Igreja, desempenham um papel importante deste ponto de vista e podem revitalizar as comunidades capazes de as praticar».[47]
94. «Graças à variada proveniência dos Padres [Sinodais], o Sínodo permitiu o encontro de muitas perspetivas relativamente ao tema dos migrantes, sobretudo entre países de partida e países de chegada. Além disso, ressoou o grito de alarme das Igrejas cujos membros são forçados a fugir da guerra e da perseguição, vendo, nestas migrações forçadas, uma ameaça para a própria existência delas. O próprio facto de englobar dentro de si mesma todas estas distintas perspetivas coloca a Igreja em condições de exercer, em relação à sociedade, um papel profético sobre o tema das migrações».[48] Peço especialmente aos jovens que não caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus países, fazendo-os ver como sujeitos perigosos e como se não tivessem a mesma dignidade inalienável de todo o ser humano.

Acabar com todas as formas de abuso
95. Nos últimos tempos, temos sido fortemente instados a escutar o grito das vítimas dos vários tipos de abuso cometidos por alguns bispos, sacerdotes, religiosos e leigos. Estes pecados provocam nas suas vítimas «sofrimentos que podem durar a vida inteira e aos quais nenhum arrependimento é capaz de pôr remédio. Este fenómeno, muito difuso na sociedade, toca também a Igreja e representa um sério obstáculo à sua missão».[49]

96. É verdade que o «flagelo dos abusos sexuais contra menores é um fenómeno historicamente difuso, infelizmente, em todas as culturas e sociedades», especialmente dentro das próprias famílias e em várias instituições, cuja extensão foi ressaltada sobretudo «graças à mudança de sensibilidade da opinião pública». Mas, «a universalidade de tal flagelo, ao mesmo tempo que confirma a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja» e, «na ira justificada das pessoas, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado».[50]
97. «O Sínodo reitera o firme empenho na adoção de rigorosas medidas de prevenção que impeçam a sua repetição, começando pela seleção e formação daqueles a quem serão confiadas tarefas de responsabilidade e educativas».[51] Ao mesmo tempo, não mais deve ser abandonada a decisão de aplicar as necessárias «medidas e sanções».[52] Em tudo, contando com a graça de Cristo. Não se pode voltar atrás.
98. «Existem diferentes tipos de abuso: abusos de poder, económicos, de consciência, sexuais. Torna-se evidente a tarefa de erradicar as formas de exercício da autoridade nas quais se entroncam aqueles, e de contrastar a falta de responsabilidade e transparência com que foram geridos muitos casos. O desejo de dominação, a falta de diálogo e transparência, as formas de vida dupla, o vazio espiritual, bem como as fragilidades psicológicas constituem o terreno onde prospera a corrupção».[53] O clericalismo é uma tentação permanente dos sacerdotes, que interpretam «o ministério recebido mais como um poder a ser exercido do que como um serviço gratuito e generoso a oferecer; e isto leva a julgar que se pertence a um grupo que possui todas as respostas e já não precisa de escutar e aprender mais nada».[54] Sem dúvida, o clericalismo expõe as pessoas consagradas ao risco de perderem o respeito pelo valor sagrado e inalienável de cada pessoa e da sua liberdade.
99. Quero, juntamente com os Padres Sinodais, expressar com afeto a minha «gratidão a quantos têm a coragem de denunciar o mal sofrido: ajudam a Igreja a tomar consciência do que aconteceu e da necessidade de reagir com decisão».[55] Mas também merece um reconhecimento especial «o compromisso sincero de inumeráveis leigas e leigos, sacerdotes, consagrados, consagradas e bispos que diariamente se consomem, honesta e dedicadamente, ao serviço dos jovens. O seu trabalho é como uma floresta que cresce sem fazer barulho. Também muitos dos jovens presentes no Sínodo manifestaram gratidão àqueles que os têm acompanhado e reafirmaram a grande necessidade de modelos».[56]
100. Graças a Deus, os sacerdotes que caíram nestes crimes horríveis não constituem a maioria; esta mantém um ministério fiel e generoso. Peço aos jovens que se deixem estimular por esta maioria. Em todo o caso, quando virdes um sacerdote em risco, porque perdeu a alegria do seu ministério, porque busca compensações afetivas ou está a tomar um rumo errado, tende a ousadia de lhe lembrar o seu compromisso para com Deus e o seu povo, anunciai-lhe vós mesmos o Evangelho e animai-o a permanecer no caminho certo. Assim, prestareis uma ajuda inestimável num ponto fundamental: a prevenção que permite evitar a repetição destas atrocidades. Esta nuvem negra torna-se também um desafio para os jovens que amam Jesus Cristo e a sua Igreja, porque podem contribuir muito para curar esta ferida, se puserem em campo a sua capacidade de renovar, reclamar, exigir coerência e testemunho, voltar a sonhar e reinventar.
101. Este não é o único pecado dos membros da Igreja, cuja história apresenta muitas sombras. Os nossos pecados estão à vista de todos; refletem-se, impiedosamente, nas rugas do rosto milenário da nossa Mãe e Mestra. Com efeito, desde há dois mil anos que ela caminha compartilhando «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens».[57] E caminha como é, sem cirurgias estéticas. Não tem medo de mostrar os pecados dos seus membros, que às vezes alguns deles procuram esconder, perante a luz ardente da Palavra do Evangelho que limpa e purifica. E não cessa de repetir cada dia, envergonhada: «tem compaixão de mim, ó Deus, pela tua bondade; (...) tenho sempre diante de mim os meus pecados» (Sal 51/50, 3.5). Lembremo-nos, porém, que não se abandona a Mãe quando está ferida, mas acompanhamo-la para que tire fora de si mesma toda a sua força e capacidade de começar sempre de novo.
102. No meio deste drama que justamente nos fere a alma, «o Senhor Jesus, que nunca abandona a sua Igreja, dá-lhe a força e os instrumentos para um caminho novo».[58] Assim, este momento sombrio, com «a ajuda preciosa dos jovens, pode verdadeiramente ser uma oportunidade para uma reforma de alcance histórico»,[59] para se abrir a um novo Pentecostes e começar um período de purificação e mudança que dê à Igreja uma renovada juventude. Entretanto os jovens poderão ajudar muito mais, se de coração se sentirem parte do «santo e paciente Povo fiel de Deus, sustentado e vivificado pelo Espírito Santo», porque «será precisamente este santo Povo de Deus que nos libertará do flagelo do clericalismo, que é o terreno fértil para todos estes abomínios».[60]

Há uma via de saída
103. Neste capítulo, detive-me a ver a realidade dos jovens no mundo atual. Outros aspetos aparecerão nos capítulos seguintes. Como já disse, não pretendo ser exaustivo com esta análise. Exorto as comunidades a fazerem, com respeito e seriedade, um exame da sua realidade juvenil mais próxima, para poderem discernir os percursos pastorais mais apropriados. Mas não quero terminar este capítulo, sem dirigir algumas palavras a cada um de vós.

104. Recordo-te a boa notícia que nos deu a manhã da Ressurreição, ou seja, que, em todas as situações escuras ou dolorosas mencionadas, há uma via de saída. Por exemplo, é verdade que o mundo digital pode expor-te ao risco de te fechares em ti mesmo, de isolamento ou do prazer vazio. Mas não esqueças a existência de jovens que, também nestas áreas, são criativos e às vezes geniais. É o caso do jovem Venerável Carlos Acutis.
105. Ele sabia muito bem que estes mecanismos da comunicação, da publicidade e das redes sociais podem ser utilizados para nos tornar sujeitos adormecidos, dependentes do consumo e das novidades que podemos comprar, obcecados pelo tempo livre, fechados na negatividade. Mas ele soube usar as novas técnicas de comunicação para transmitir o Evangelho, para comunicar valores e beleza.
106. Não caiu na armadilha. Via que muitos jovens, embora parecendo diferentes, na verdade acabam por ser iguais aos outros, correndo atrás do que os poderosos lhes impõem através dos mecanismos de consumo e aturdimento. Assim, não deixam brotar os dons que o Senhor lhes deu, não colocam à disposição deste mundo as capacidades tão pessoais e únicas que Deus semeou em cada um. Na verdade, «todos nascem – dizia Carlos – como originais, mas muitos morrem como fotocópias». Não deixes que isto te aconteça!
107. Não deixes que te roubem a esperança e a alegria, que te narcotizem para te usar como escravo dos seus interesses. Ousa ser mais, porque o teu ser é mais importante do que qualquer outra coisa; não precisas de ter nem de parecer. Podes chegar a ser aquilo que Deus, teu Criador, sabe que tu és, se reconheceres o muito a que estás chamado. Invoca o Espírito Santo e caminha, confiante, para a grande meta: a santidade. Assim, não serás uma fotocópia; serás plenamente tu mesmo.
108. Para isso, precisas de reconhecer uma coisa fundamental: ser jovem não significa apenas procurar prazeres transitórios e sucessos superficiais. Para a juventude desempenhar a finalidade que lhe cabe no curso da vida, deve ser um tempo de doação generosa, de oferta sincera, de sacrifícios que custam, mas tornam-nos fecundos. É como dizia um grande poeta:

«Se, para recuperar o que recuperei, 
tive de perder primeiro o que perdi, 
se, para obter o que obtive, 
tive de suportar o que suportei,


se, para estar agora enamorado, 
tive que ser ferido, 
considero justo ter sofrido o que sofri, 
considero justo ter chorado o que chorei.


Porque no fim constatei 
que não se goza bem do gozado 
senão depois de o ter padecido.


Porque no fim compreendi 
que quanto a árvore tem de florido 
vive do que ela tem de enterrado».[61]

109. Se és jovem em idade, mas te sentes frágil, cansado ou desiludido, pede a Jesus que te renove. Com Ele, não se extingue a esperança. E o mesmo podes fazer, se te sentires imerso nos vícios, em maus hábitos, no egoísmo ou na comodidade morbosa. Cheio de vida, Jesus quer ajudar-te para que valha a pena ser jovem. Assim, não privarás o mundo daquela contribuição que só tu – único e irrepetível, como és – lhe podes dar.
110. Mas quero recordar-te também que «é muito difícil lutar contra a própria concupiscência e contra as ciladas e tentações do demónio e do mundo egoísta, se estivermos isolados. A sedução com que nos bombardeiam é tal que, se estivermos demasiado sozinhos, facilmente perdemos o sentido da realidade, a clareza interior e sucumbimos».[62] Isto é válido sobretudo para os jovens, porque vós, unidos, tendes uma força admirável. Quando vos entusiasmais por uma vida comunitária, sois capazes de grandes sacrifícios pelos outros e pela comunidade; ao passo que o isolamento vos enfraquece e expõe aos piores males do nosso tempo.

CAPÍTULO IV
O grande anúncio para todos os jovens


111. A todos os jovens, independentemente das circunstâncias em que se encontrem, quero agora anunciar-lhes o mais importante, as coisas primeiras, aquilo que nunca se deveria silenciar. É um anúncio que inclui três grandes verdades que todos nós precisamos de escutar sempre de novo.

Um Deus que é amor
112. Eis a primeira verdade que quero dizer a cada um: «Deus ama-te». Mesmo que já o tenhas ouvido – não importa! –, quero recordar-to: Deus ama-te. Nunca duvides disto na tua vida, aconteça o que acontecer. Em toda e qualquer circunstância, és infinitamente amado.

113. Talvez a experiência de paternidade que tiveste não seja a melhor: o teu pai terreno talvez se tenha mostrado distante e ausente ou, pelo contrário, dominador e possessivo; ou simplesmente não foi o pai que precisavas. Não sei! Mas o que posso dizer-te com certeza é que podes lançar-te, com segurança, nos braços do teu Pai divino, do Deus que te deu a vida e continua a dá-la a cada momento. Sustentar-te-á com firmeza e, ao mesmo tempo, sentirás que Ele respeita completamente a tua liberdade.
114. Na sua Palavra, encontramos muitas expressões do seu amor. É como se Ele estivesse procurando maneiras diferentes de to manifestar para ver se, com alguma dessas palavras, pode chegar ao teu coração.
Por exemplo, às vezes apresenta-Se como aqueles pais carinhosos que brincam com seus filhos: «Segurava-os com laços humanos, com laços de amor, fui para eles como os que levantam uma criancinha contra o seu rosto» (Os 11, 4).
Há vezes em que Se apresenta repleto daquele amor com que as mães amam sinceramente os seus filhos, com um amor entranhado que é incapaz de esquecer ou abandonar: «Acaso pode uma mulher esquecer-se do seu bebé, não ter carinho pelo fruto das suas entranhas? Ainda que ela se esquecesse dele, Eu nunca te esqueceria» (Is 49, 15).
Mostra-Se até como um enamorado que chega a tatuar na palma da sua mão a pessoa amada, para poder ter o seu rosto sempre perto: «Eis que Eu gravei a tua imagem na palma das minhas mãos» (Is 49, 16).
Outras vezes destaca a força e a firmeza do seu amor, que não se deixa derrotar: «Ainda que os montes sejam abalados e tremam as colinas, o meu amor por ti nunca mais será abalado, e a minha aliança de paz nunca mais vacilará» (Is 54, 10).
Ou então diz-nos que desde sempre nos esperou, não aparecemos neste mundo por acaso. Já antes de existirmos, éramos um projeto do seu amor: «Amei-te com um amor eterno. Por isso, dilatei a misericórdia para contigo» (Jr 31, 3).
Faz-nos notar que Ele sabe ver a nossa beleza, aquela que ninguém mais pode individuar: «És precioso aos meus olhos, te estimo e te amo» (Is 43, 4).
Ou leva-nos a descobrir que o seu amor não é triste, mas pura alegria que se renova quando nos deixamos amar por Ele: «O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa» (Sf 3, 17).
115. Para Ele, és realmente valioso; tu não és insignificante. Importa-Se contigo, porque és obra das suas mãos. Por isso, presta atenção e lembra-Se de ti com carinho. Precisas de confiar «na recordação de Deus: a sua memória não é um “disco rígido” que grava e armazena todos os nossos dados, a sua memória é um coração terno e rico de compaixão, que se alegra em eliminar definitivamente todos os nossos vestígios de mal».[63] Não quer guardar a conta dos teus erros e, em todo o caso, ajudar-te-á a aprender alguma coisa também com as tuas quedas. Porque te ama. Procura ficar um momento em silêncio, deixando-te amar por Ele. Procura calar todas as vozes e alarido interior, e para um momento nos seus braços amorosos.
116. É um amor «que não se impõe nem esmaga, um amor que não marginaliza, não obriga a estar calado nem silencia, um amor que não humilha nem subjuga. É o amor do Senhor: amor diário, discreto e respeitador, amor feito de liberdade e para a liberdade, amor que cura e eleva. É o amor do Senhor, que se entende mais de levantamentos que de quedas, mais de reconciliação que de proibições, mais de dar nova oportunidade que de condenar, mais de futuro que de passado».[64]
117. Quando te pede alguma coisa ou simplesmente permite os desafios que a vida te apresenta, Deus espera que Lhe dês espaço para fazer-te avançar, promover-te, deixar-te mais amadurecido. Não Se aborrece, se O questionas; aquilo que O preocupa é que tu não Lhe fales, que não te abras sinceramente ao diálogo com Ele. Conta-se na Bíblia que Jacob teve uma luta com Deus (cf. Gn 32, 25-31), sem que isso o afastasse do caminho do Senhor. De facto, é Ele próprio que nos exorta: «Vinde agora, entendamo-nos» (Is 1, 18). O seu amor é tão real, tão verdadeiro, tão concreto, que nos proporciona uma relação cheia de diálogo sincero e fecundo. Enfim, procura o abraço do teu Pai do céu no rosto amoroso das suas corajosas testemunhas na terra!

Cristo salva-te
118. A segunda verdade é que, por amor, Cristo entregou-Se até ao fim para te salvar. Os seus braços abertos na cruz são o sinal mais precioso dum amigo capaz de levar até ao extremo o seu amor: «Ele, que amava os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo» (Jo 13, 1).

São Paulo dizia viver confiado naquele amor que, por ele, se deu totalmente: «A vida que agora tenho na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim» (Gal 2, 20).
119. E Cristo, que nos salvou dos nossos pecados na Cruz, com o mesmo poder da sua entrega total, continua a salvar-nos e resgatar-nos hoje. Olha para a sua Cruz, agarra-te a Ele, deixa-te salvar, porque, «quantos se deixam salvar por Ele, são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento».[65] E, se pecares e te afastares, Ele volta a levantar-te com o poder da sua Cruz. Nunca esqueças que «Ele perdoa setenta vezes sete. Volta uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros. Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria».[66]
120. Nós «fomos salvos por Jesus: porque nos ama e não pode deixar de o fazer. Podemos combiná-la de todas as cores, mas Ele continua a amar-nos e salva-nos. Porque só o que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça, pode ser transformado. O amor do Senhor é maior que todas as nossas contradições, que todas as nossas fragilidades e que todas as nossas mesquinhices, mas é precisamente através das nossas contradições, fragilidades e mesquinhices que Ele quer escrever esta história de amor. Abraçou o filho pródigo, abraçou Pedro depois de O ter negado e abraça-nos sempre, sempre, sempre, depois das nossas quedas, ajudando-nos a levantar e ficar de pé. Porque a verdadeira queda – atenção a isto! – a verdadeira queda, aquela que nos pode arruinar a vida, é ficar por terra e não se deixar ajudar».[67]
121. O seu perdão e a sua salvação não são algo que compramos, ou que temos de adquirir com as nossas obras ou com os nossos esforços. Jesus perdoa-nos e liberta-nos gratuitamente. A sua doação na Cruz é algo tão grande que não podemos nem devemos pagá-lo; devemos apenas recebê-lo com imensa gratidão e com a alegria de ser tão amados, ainda antes que o pudéssemos imaginar: «Ele nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19).
122. Jovens amados pelo Senhor, oh quanto valeis vós, se fostes redimidos pelo sangue precioso de Cristo! Queridos jovens, vós «não tendes preço! Não sois mercadoria em leilão! Por favor, não vos deixeis comprar, não vos deixeis seduzir, não vos deixeis escravizar pelas colonizações ideológicas que incutem ideias estranhas na nossa cabeça, tornando-nos por fim escravos, dependentes, fracassados na vida. Vós não tendes preço! Deveis repetir sempre isto: eu não estou em leilão, eu não tenho preço, sou livre! Apaixonai-vos por esta liberdade, que nos é oferecida por Jesus».[68]
123. Fixa os braços abertos de Cristo crucificado, deixa-te salvar sempre de novo. E quando te aproximares para confessar os teus pecados, crê firmemente na sua misericórdia que te liberta de toda a culpa. Contempla o seu sangue derramado pelo grande amor que te tem e deixa-te purificar por ele. Assim, poderás renascer sempre de novo.

Ele vive!
124. Mas há uma terceira verdade, que é inseparável da anterior: Ele vive! É preciso recordá-lo com frequência, porque corremos o risco de tomar Jesus Cristo apenas como um bom exemplo do passado, como uma recordação, como Alguém que nos salvou há dois mil anos. De nada nos aproveitaria isto: deixava-nos como antes, não nos libertaria. Aquele que nos enche com a sua graça, Aquele que nos liberta, Aquele que nos transforma, Aquele que nos cura e consola é Alguém que vive. É Cristo ressuscitado, cheio de vitalidade sobrenatural, revestido de luz infinita. Por isso dizia São Paulo: «Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé» (1 Cor 15, 17).

125. Mas, se Ele vive, então poderá estar presente em cada momento da tua vida, para o encher de luz. Assim, nunca mais haverá solidão nem abandono. Ainda que todos nos abandonem, Jesus permanecerá, como prometeu: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Tudo preenche com a sua presença invisível e, para onde quer que vás, lá estará Ele à tua espera. É que Ele não só veio, mas vem e continuará a vir todos os dias, para te convidar a caminhar para um horizonte sempre novo.
126. Contempla Jesus feliz, transbordando de alegria. Alegra-te com o teu Amigo que triunfou. Mataram o Santo, o Justo, o Inocente, mas Ele venceu. O mal não tem a última palavra. Também na tua vida, o mal não terá a última palavra, porque o teu Amigo, que te ama, quer triunfar em ti. O teu Salvador vive.
127. Se Ele vive, isso é uma garantia de que o bem pode triunfar na nossa vida e de que as nossas fadigas servirão para qualquer coisa. Então podemos deixar de nos lamentar e podemos olhar em frente, porque com Ele é possível sempre olhar em frente. Esta é a certeza que temos: Jesus é o vivente eterno; agarrados a Ele, viveremos e atravessaremos, ilesos, todas as formas de morte e violência que se escondem no caminho.
128. Qualquer outra solução será frágil e temporária: talvez se mostre útil por algum tempo, mas de novo nos encontraremos desprotegidos, abandonados, expostos às intempéries. Pelo contrário, com Ele, o coração está enraizado numa segurança basilar, que perdura mais além de tudo. São Paulo diz querer estar unido a Cristo, para poder assim «conhecê-Lo a Ele, na força da sua ressurreição» (Flp 3, 10). Tal é a força que se manifestará sempre de novo na tua existência, porque Ele veio para dar-te a vida, e «vida em abundância» (cf. Jo 10, 10).
129. Se conseguires apreciar com o coração a beleza deste anúncio e te deixares encontrar pelo Senhor; se te deixares amar e salvar por Ele; se entrares na sua intimidade e começares a conversar com Cristo vivo sobre as coisas concretas da tua vida, esta será a grande experiência, será a experiência fundamental que sustentará a tua vida cristã. Esta será também a experiência que poderás comunicar a outros jovens. Porque, «ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».[69]

O Espírito dá vida
130. Nestas três verdades (Deus ama-te, Cristo é o teu salvador, Ele vive), aparece Deus Pai e aparece Jesus. Mas, onde estão o Pai e Jesus Cristo, também está o Espírito Santo. É Ele que prepara e abre os corações para receberem este anúncio, é Ele que mantém viva esta experiência de salvação, é Ele que te ajudará a crescer nesta alegria se O deixares agir. O Espírito Santo enche o coração de Cristo ressuscitado e de lá, como duma fonte, derrama-Se na tua vida. E quando O recebes, o Espírito Santo faz-te entrar cada vez mais no coração de Cristo, para que te enchas sempre mais com o seu amor, a sua luz e a sua força.

131. Todos os dias invoca o Espírito Santo, para que renove em ti constantemente a experiência do grande anúncio. Porque não? Tu não perdes nada e Ele pode mudar a tua vida, pode iluminá-la e dar-lhe um rumo melhor. Não te mutila, não te tira nada, antes ajuda-te a encontrar da melhor maneira aquilo que precisas. Precisas de amor? Não o encontrarás na devassidão, usando os outros, possuindo ou dominando os outros; n’Ele, o encontrarás duma forma que te fará verdadeiramente feliz. Buscas intensidade? Não a viverás acumulando objetos, gastando dinheiro, correndo desesperadamente atrás das coisas deste mundo; chegará duma maneira muito mais bela e satisfatória, se te deixares guiar pelo Espírito Santo.
132. Buscas paixão? Deixa-te enamorar por Ele, porque – como se lê no estupendo poema Enamora-te! – «nada pode ser mais importante do que encontrar Deus, ou seja, enamorar-se d’Ele de maneira definitiva e absoluta. Aquilo de que te enamoras, prende a tua imaginação e acaba por ir deixando a sua marca em tudo. Será isso a decidir o que te arranca da cama pela manhã, o que fazes no final da tarde, como transcorres os teus fins de semana, aquilo que lês, o que conheces, aquilo que te destroça o coração e o que te faz transbordar de alegria e gratidão. Enamora-te! Permanece no amor! Tudo será diferente».[70] Este amor de Deus, que se apodera apaixonadamente de toda a vida, é possível pelo Espírito Santo, porque «o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5).
133. Ele é a fonte da juventude melhor. Com efeito, quem confia no Senhor «é como a árvore plantada perto da água, a qual estende as raízes para a corrente; não teme quando vem o calor, e a sua folhagem fica sempre verdejante» (Jr 17, 8). Enquanto «os adolescentes se cansam e se fatigam» (Is 40, 30), aqueles que esperam, confiados no Senhor, «renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 31).

CAPÍTULO V
Percursos de juventude


134. Como se vive a juventude, quando nos deixamos iluminar e transformar pelo grande anúncio do Evangelho? Trata-se duma pergunta importante que nos devemos colocar, pois a juventude não é motivo de que possamos vangloriar-nos, mas um dom de Deus: «ser jovem é uma graça, uma ventura».[71] É um dom que podemos malbaratar inutilmente ou recebê-lo agradecidos e vivê-lo em plenitude.
135. Deus é o autor da juventude e age em cada jovem. A juventude é um tempo abençoado para o jovem e uma bênção para a Igreja e o mundo. É uma alegria, uma canção de esperança e uma beatitude. Apreciar a juventude significa considerar este período da vida como um momento precioso, e não como uma fase de passagem onde os jovens se sentem empurrados para a idade adulta.

Tempo de sonhos e opções
136. No tempo de Jesus, a saída da infância era uma passagem vital muito esperada, que se festejava e vivia intensamente. Assim, quando Jesus devolveu a vida a uma «menina» (Mc 5, 39), fê-la avançar um passo, fê-la crescer e tornar-se «moça» (Mc 5, 41). Ao mesmo tempo que lhe dizia «moça, levanta-te!» (talitá kum), tornou-a mais responsável da sua vida abrindo-lhe as portas da juventude.

137. «Como fase do desenvolvimento da personalidade, a juventude está marcada por sonhos que se vão formando, relações que adquirem consistência sempre maior e equilíbrio, tentativas e experiências, opções que constroem gradualmente um projeto de vida. Nesta época da vida, os jovens são chamados a lançar-se para diante, mas sem cortar com as raízes, a construir autonomia mas não sozinhos».[72]
138. O amor de Deus e a nossa relação com Cristo vivo não nos impedem de sonhar, não nos pedem para restringir os nossos horizontes. Pelo contrário, esse amor instiga-nos, estimula-nos, lança-nos para uma vida melhor e mais bela. A palavra «inquietude» resume muitas das aspirações do coração dos jovens. Como dizia São Paulo VI, «precisamente nas insatisfações que vos atormentam (…) há um elemento de luz».[73] A inquietude insatisfeita juntamente com a admiração pelas novidades que assomam ao horizonte abrem caminho à ousadia que os impele a tomar a sua vida nas próprias mãos e a tornar-se responsáveis por uma missão. Esta sã inquietude, que surge especialmente na juventude, continua a ser a caraterística de qualquer coração que permanece jovem, disponível, aberto. A verdadeira paz interior convive com esta profunda insatisfação. Dizia Santo Agostinho: «Senhor, criastes-nos para Vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós».[74]
139. Algum tempo atrás, um amigo perguntou-me o que vejo quando penso num jovem. A minha resposta foi que «vejo um jovem ou uma jovem à procura do seu próprio caminho, que quer voar com os pés, que assoma ao mundo e fixa o horizonte com olhos cheios de esperança, cheios de futuro e também de ilusões. O jovem caminha com dois pés como os adultos, mas, ao contrário dos adultos que os mantêm paralelos, aquele coloca um atrás do outro, pronto a arrancar, a partir. Sempre a olhar para diante. Falar de jovens significa falar de promessas, significa falar de alegria. Os jovens têm tanta força, são capazes de olhar com tanta esperança! Um jovem é uma promessa de vida, que traz em si um certo grau de tenacidade; tem um grau suficiente de insensatez para poder enganar-se a si mesmo e uma capacidade suficiente para curar a deceção que daí pode derivar».[75]
140. Alguns jovens talvez rejeitem esta fase da vida, porque gostariam de continuar a ser crianças, ou desejam «um prolongamento indefinido da adolescência e o adiamento das decisões; o medo do definitivo gera, assim, uma espécie de paralisia decisória. Mas a juventude não pode permanecer um tempo suspenso: é a idade das opções, consistindo nisto mesmo o seu encanto e a sua tarefa maior. Os jovens tomam decisões nas áreas profissional, social e política, e outras ainda mais radicais que determinarão a fisionomia da sua existência».[76] E tomam decisões também a propósito do amor, com a escolha do seu par e na opção de ter os primeiros filhos. Aprofundaremos estes temas nos últimos capítulos, dedicados à vocação pessoal e ao seu discernimento.
141. Mas, contra os sonhos que inspiram as decisões, há sempre «a ameaça da lamentação, da resignação. Estas deixemo-las aos que seguem a “deusa lamentação”! (...) [Esta] é um engano: faz com que te encaminhes pela estrada errada. Quando tudo parece estar parado e estagnante, quando os problemas pessoais nos preocupam, as dificuldades sociais não encontram as devidas respostas, não é bom dar-se por vencido. O caminho é Jesus: façamo-Lo subir para o nosso barco e façamo-nos ao largo com Ele. Ele é o Senhor! Ele muda a perspetiva da vida. A fé em Jesus conduz-nos a uma esperança que vai mais além, a uma certeza fundada não só nas nossas qualidades e habilidades, mas na Palavra de Deus, no convite que vem d’Ele. Sem fazer demasiados cálculos humanos nem se preocupar com verificar se a realidade que vos circunda coincide com as vossas certezas, fazei-vos ao largo, saí de vós mesmos».[77]
142. Devemos perseverar no caminho dos sonhos. Para isso, é preciso ter cuidado com uma tentação que muitas vezes nos engana: a ansiedade. Pode tornar-se uma grande inimiga, quando leva a render-nos, porque descobrimos que os resultados não são imediatos. Os sonhos mais belos conquistam-se com esperança, paciência e determinação, renunciando às pressas. Ao mesmo tempo, é preciso não se deixar bloquear pela insegurança: não se deve ter medo de arriscar e cometer erros; devemos, sim, ter medo de viver paralisados, como mortos ainda em vida, sujeitos que não vivem porque não querem arriscar, não perseveram nos seus compromissos ou têm medo de errar. Ainda que erres, poderás sempre levantar a cabeça e voltar a começar, porque ninguém tem o direito de te roubar a esperança.
143. Jovens, não renuncieis ao melhor da vossa juventude, não fiqueis a observar a vida da sacada. Não confundais a felicidade com um sofá nem passeis toda a vossa vida diante dum visor. E tão-pouco vos reduzais ao triste espetáculo dum veículo abandonado. Não sejais carros estacionados, mas deixai brotar os sonhos e tomai decisões. Ainda que vos enganeis, arriscai. Não sobrevivais com a alma anestesiada, nem olheis o mundo como se fôsseis turistas. Fazei-vos ouvir! Lançai fora os medos que vos paralisam, para não vos tornardes jovens mumificados. Vivei! Entregai-vos ao melhor da vida! Abri as portas da gaiola e saí a voar! Por favor, não vos aposenteis antes do tempo.

A vontade de viver e experimentar
144. Esta projeção para o futuro, que se sonha, não significa que os jovens estejam totalmente lançados para diante, pois simultaneamente há neles um forte desejo de viver o presente, aproveitar ao máximo as possibilidades que esta vida lhes oferece. Este mundo está repleto de beleza! Como se pode desprezar os dons de Deus?

145. Ao contrário do que muitos pensam, o Senhor não quer atenuar esta vontade de viver. Faz-nos bem lembrar o que ensinava um sábio do Antigo Testamento: «Meu filho, se tens com quê, trata-te bem. (…) Não te prives da felicidade presente» (Sir 14, 11.14). O verdadeiro Deus, Aquele que te ama, quer-te feliz. Por isso, na Bíblia, encontramos também este conselho dirigido aos jovens: «Jovem, regozija-te na tua mocidade e alegra o teu coração na flor dos teus anos. (...) Lança fora do teu coração a tristeza» (Ecl 11, 9.10). Porque é «Deus que nos dá tudo com abundância para nosso usufruto» (1 Tim 6, 17).
146. Como poderá dizer-se agradecido a Deus quem não é capaz de usufruir dos seus pequenos presentes de cada dia, quem não sabe parar diante das coisas simples e agradáveis que encontra a cada passo? Com efeito, «não há pior do que aquele que é avaro para si mesmo» (Sir 14, 6). Não se trata de ser insaciáveis, sempre obcecados por prazeres sem fim; antes pelo contrário, pois isso impedir-te-á de viver o presente. Trata-se de saber abrir os olhos e parar a fim de viver plenamente e com gratidão cada um dos pequenos presentes da vida.
147. A Palavra de Deus convida-te claramente a viver o presente, e não só a preparar o amanhã: «Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema» (Mt 6, 34). Isto, porém, não significa abandonar-se a uma libertinagem irresponsável que nos deixa vazios e sempre insatisfeitos, mas convida-nos a viver plenamente o presente, usando as nossas energias para fazer coisas boas, cultivando a fraternidade, seguindo Jesus e apreciando cada pequena alegria da vida como um presente do amor de Deus.
148. A propósito, quero lembrar que o cardeal Francisco Xavier Nguyên van Thuân, quando foi preso num campo de concentração, não quis que os seus dias consistissem apenas em aguardar, esperar um futuro. Escolheu «viver o momento presente, cumulando-o de amor»; e a maneira como o realizava era esta: «Aproveito as oportunidades que me surgem cada dia para realizar ações ordinárias de maneira extraordinária».[78] Enquanto lutas para realizar os teus sonhos, vive plenamente o dia de hoje, numa entrega total e cheia de amor em cada momento. A verdade é que este dia da tua juventude pode ser o último, e por isso vale a pena vivê-lo com toda a garra e profundidade possíveis.
149. Isto é válido também para os momentos difíceis, que devem ser vividos profundamente para conseguir aprender a sua mensagem. Como ensinam os bispos suíços, «Ele está lá no lugar onde pensávamos que nos tinha abandonado e que já não havia possibilidade alguma de salvação. É um paradoxo, mas o sofrimento, as trevas tornaram-se, para muitos cristãos, (...) lugares de encontro com Deus».[79] Além disso, o desejo de viver e fazer novas experiências tem a ver especialmente com muitos jovens em condições de deficiência física, psíquica e sensorial. Embora nem sempre possam fazer as mesmas experiências dos coetâneos, possuem recursos surpreendentes, inimagináveis que às vezes superam os recursos comuns. O Senhor Jesus cumula-os doutros dons, que a comunidade é chamada a valorizar, para que possam descobrir o seu projeto de amor para cada um deles.

Na amizade de Cristo
150. Por mais que vivas e experimentes, nunca chegarás às profundezas da juventude, nem conhecerás a verdadeira plenitude de ser jovem, se não te encontrares cada dia com o grande Amigo, se não viveres na amizade de Jesus.

151. A amizade é um presente da vida e um dom de Deus. Através dos amigos, o Senhor purifica-nos e faz-nos amadurecer. Ao mesmo tempo, os amigos fiéis, que permanecem ao nosso lado nos momentos difíceis, são um reflexo do carinho do Senhor, da sua consolação e da sua amorosa presença. Ter amigos ensina-nos a abrir-nos, a compreender, a cuidar dos outros, a sair da nossa comodidade e isolamento, a partilhar a vida. Por isso, «nada se pode comparar a um amigo fiel, e nada se iguala ao seu valor» (Sir 6, 15).
152. A amizade não é uma relação fugaz e passageira, mas estável, firme, fiel, que amadurece com o passar do tempo. É uma relação de afeto que nos faz sentir unidos e, ao mesmo tempo, é um amor generoso que nos leva a procurar o bem do amigo. Embora os amigos possam ser muito diferentes entre si, há sempre algumas coisas em comum que os leva a sentir-se próximos, e há uma intimidade que se partilha com sinceridade e confiança.
153. A amizade é tão importante que o próprio Jesus Se apresenta como amigo: «Já não vos chamo servos (…), a vós chamei-vos amigos» (Jo 15, 15). Com a graça que Ele nos dá, ficamos tão elevados que somos realmente seus amigos. Com o mesmo amor que Ele derrama em nós, podemos amá-Lo, estendendo o seu amor aos outros com a esperança de que também estes tenham o seu lugar na comunidade de amigos fundada por Jesus Cristo.[80] E, embora já esteja ressuscitado e plenamente feliz, podemos ser generosos para com Ele, ajudando-O a construir o seu Reino neste mundo, sendo seus instrumentos para levar a sua mensagem, a sua luz e sobretudo o seu amor aos outros (cf. Jo 15, 16). Os discípulos ouviram a chamada de Jesus à amizade com Ele; foi um convite que não os forçou, propondo-se delicadamente à sua liberdade: «Vinde e vereis – disse-lhes; e eles foram –, viram onde morava e ficaram com Ele nesse dia» (Jo 1, 39). Depois daquele encontro, íntimo e inesperado, deixaram tudo e partiram com Ele.
154. A amizade com Jesus é indissolúvel. Nunca nos deixa, embora às vezes pareça calado. Quando precisamos d’Ele, deixa-Se encontrar por nós (cf. Jr 29, 14), e está ao nosso lado para onde quer que formos (cf. Js 1, 9). Porque Ele nunca quebra uma aliança. A nós, pede-nos para não O abandonarmos: «Permanecei em Mim, que Eu permaneço em vós» (Jo 15, 4). Mas, se nos afastarmos, «Ele permanecerá fiel, pois não pode negar-Se a Si mesmo» (2 Tim 2, 13).
155. Com o amigo, conversamos, partilhamos as coisas mais secretas. Com Jesus, também conversamos. A oração é um desafio e uma aventura. E que aventura! Permite que O conheçamos cada vez melhor, entremos no seu mistério e cresçamos numa união cada vez mais forte. A oração permite-nos contar-Lhe tudo o que nos acontece e permanecer confiantes nos seus braços e, ao mesmo tempo, proporciona-nos momentos de preciosa intimidade e afeto, onde Jesus derrama a sua própria vida em nós. Rezando, «abrimos o jogo» a Ele, damos-Lhe lugar «para que Ele possa agir, possa entrar e possa vencer».[81]
156. Assim, é possível chegar a experimentar uma unidade constante com Ele, que supera tudo o que possamos viver com outras pessoas: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20). Não prives a tua juventude desta amizade. Poderás senti-Lo a teu lado, e não só quando rezas. Reconhecerás que caminha contigo em todos os momentos. Procura descobri-Lo e viverás a experiência estupenda de saber que estás sempre acompanhado. Foi o que viveram os discípulos de Emaús: enquanto caminhavam e conversavam desiludidos, Jesus fez-Se presente e «pôs-Se com eles a caminho» (Lc 24, 15). Um santo dizia que «o cristianismo não é um conjunto de verdades em que é preciso acreditar, de leis que se devem observar, de proibições. Apresentado assim, repugna. O cristianismo é uma Pessoa que me amou tanto que reclama o meu amor. O cristianismo é Cristo».[82]
157. Jesus pode unir todos os jovens da Igreja num único sonho, «um sonho grande, um sonho capaz de envolver a todos. O sonho, pelo qual Jesus deu a vida na cruz, e o Espírito Santo no dia de Pentecostes foi derramado e gravado a fogo no coração de cada homem e mulher, no coração de cada um. (…) Gravou-o com a esperança de aí encontrar espaço para crescer e desenvolver-Se. Um sonho, um sonho chamado Jesus, semeado pelo Pai: Deus como Ele, como o Pai, enviado pelo Pai com a confiança que crescerá e viverá em todo o coração. Um sonho concreto, que é uma Pessoa, que corre nas nossas veias, faz exultar e dançar de alegria o coração».[83]

O crescimento e a maturação
158. Muitos jovens vivem preocupados com o seu corpo, procurando desenvolver a força física ou melhorar o aspeto exterior. Outros preocupam-se por desenvolver as suas capacidades e conhecimentos, e assim sentem-se mais seguros. Alguns apostam mais alto, comprometendo-se mais e procurando progredir espiritualmente. Dizia São João: «Eu vo-lo escrevi, jovens, [porque] vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós» (1 Jo 2, 14). Buscar o Senhor, guardar a sua Palavra, procurar corresponder-lhe com a própria vida, crescer nas virtudes: isto torna fortes os corações dos jovens. Para isso, é preciso manter a união com Jesus, estar em sintonia com Ele, uma vez que não crescerás na felicidade e santidade só com as tuas forças e a tua mente. Assim como te preocupas por não perder a conexão com a internet, assegura-te de igual modo que esteja ativa a tua ligação com o Senhor, o que significa não interromper o diálogo, escutá-Lo, contar-Lhe as tuas coisas e, quando não souberes claramente o que deves fazer, pergunta-Lhe: «Jesus, que farias Tu no meu lugar?»[84]

159. Espero que possas manter a autoestima e levar-te tão a sério que procures o teu crescimento espiritual. Além do entusiasmo próprio da juventude, há também o encanto de buscar «a justiça, a fé, o amor e a paz» (2 Tim 2, 22). Isto não significa perder a espontaneidade, o frescor, o entusiasmo, a ternura. Com efeito, tornar-se adulto não significa abandonar os valores melhores desta fase da vida; caso contrário, o Senhor poderia um dia censurar-te: «Recordo-Me da tua fidelidade no tempo da tua juventude, dos amores do tempo do teu noivado, quando Me seguias no deserto» (Jr 2, 2).
160. Aliás o próprio adulto deve maturar, sem perder os valores da juventude. Na realidade, cada fase da vida é uma graça permanente, contém um valor que não deve passar. Uma juventude bem vivida permanece como experiência interior e, na vida adulta, é assimilada, aprofundada e continua a dar os seus frutos. Se é próprio do jovem sentir-se atraído pelo infinito que se abre e começa,[85] um risco da vida adulta – com as suas seguranças e comodidades – consiste em ir transcurando progressivamente tal horizonte e perder aquele valor próprio dos anos da juventude; quando deveria suceder o contrário: amadurecer, crescer e organizar a própria vida sem perder aquela atração, aquela abertura ampla, aquele fascínio por uma realidade que cresce sem cessar. Em cada momento da vida, podemos renovar e fazer crescer a nossa juventude. Quando comecei o meu ministério como Papa, o Senhor alargou os meus horizontes e deu-me uma renovada juventude. O mesmo pode acontecer com um casal já com muitos anos de matrimónio, ou com um monge no seu mosteiro. Há coisas que precisam dos anos para se consolidar, mas este amadurecimento pode coexistir com um fogo que se renova, com um coração sempre jovem.
161. Crescer quer dizer conservar e alimentar as coisas mais preciosas que te oferece a juventude, mas ao mesmo tempo significa estar disponível para purificar o que não é bom e receber novos dons de Deus, que te chama a desenvolver o que tem valor. Às vezes, os complexos de inferioridade podem levar-te a não quereres ver os teus defeitos e fragilidades, fechando-te assim ao crescimento e à maturação. É melhor deixares-te amar por Deus, que te ama como és, aprecia-te e respeita-te, não cessando, porém, de te cumular cada vez mais da sua amizade, fervor na oração, fome da sua Palavra, anseio de receber Cristo na Eucaristia, vontade de viver o seu Evangelho, força interior, paz e alegria espiritual.
162. Lembro-te, porém, que não serás santo nem te realizarás copiando os outros. Quando se fala em imitar os santos, não significa copiar o seu modo de ser e de viver a santidade: «Há testemunhos que são úteis para nos estimular e motivar, mas não para procurarmos copiá-los, porque isso poderia até afastar-nos do caminho, único e específico, que o Senhor predispôs para nós».[86] Tens de descobrir quem és e desenvolver o teu modo pessoal de seres santo, independentemente daquilo que digam e pensem os outros. Fazeres-te santo é tornar-te mais plenamente tu próprio, aquele que Deus quis sonhar e criar, não uma fotocópia. A tua vida deve ser um estímulo profético que sirva de inspiração para os outros, que deixe uma marca neste mundo, aquela marca única que só tu poderás deixar. Ao passo que, se copiares, privarás esta terra e também o Céu daquilo que mais ninguém poderá oferecer no teu lugar. Lembro-me que São João da Cruz deixou escrito, no seu Cântico Espiritual, que cada um devia servir-se dos seus conselhos espirituais, «a seu modo»,[87] porque o próprio Deus quis manifestar a sua graça «a uns duma maneira e a outros doutra».[88]

Percursos de fraternidade
163. O teu crescimento espiritual manifesta-se sobretudo no amor fraterno, generoso, misericordioso. Assim no-lo diz São Paulo: «O Senhor vos faça crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com todos» (1 Ts 3, 12). Possas tu viver cada vez mais aquele «êxtase» que consiste em sair de ti mesmo para buscares o bem dos outros, até dar a vida.

164. Quando um encontro com Deus se chama «êxtase» é porque nos tira fora de nós mesmos e nos eleva, cativados pelo amor e a beleza de Deus. Mas podemos também ser levados a sair de nós mesmos para reconhecer a beleza escondida em cada ser humano, a sua dignidade, a sua grandeza como imagem de Deus e filho do Pai. O Espírito Santo quer impelir-nos a sair de nós mesmos, para abraçar os outros com o amor e procurar o seu bem. Por isso, é sempre melhor vivermos a fé juntos e expressar o nosso amor numa vida comunitária, partilhando com outros jovens o nosso afeto, o nosso tempo, a nossa fé e as nossas preocupações. A Igreja oferece muitos e variados espaços para viver a fé em comunidade, porque, juntos, tudo é mais fácil.
165. As feridas recebidas podem levar-te à tentação do isolamento, a retrair-te dentro de ti mesmo, a acumular ressentimentos, mas nunca deixes de ouvir a chamada de Deus ao perdão. Como justamente ensinaram os bispos do Ruanda, «a reconciliação com o outro requer, em primeiro lugar, que se descubra nele o esplendor da imagem de Deus. (...) Nesta perspetiva, é vital distinguir o pecador do seu pecado e da sua ofensa, para chegar à verdadeira reconciliação. Isto significa que odeias o mal que o outro te inflige, mas continuas a amá-lo porque reconheces a sua fraqueza e, nele, vês a imagem de Deus».[89]
166. Às vezes toda a energia, os sonhos e o entusiasmo da juventude se atenuam pela tentação de nos fecharmos em nós mesmos, nos nossos problemas, sentimentos feridos, lamentações e comodidades. Não deixes que isto te aconteça, porque ficarás velho por dentro e antes do tempo. Cada idade tem a sua beleza, e à juventude não pode faltar a utopia comunitária, a capacidade de sonhar juntos, os grandes horizontes que contemplamos juntos.
167. Deus ama a alegria dos jovens e convida-os sobretudo à alegria que se vive na comunhão fraterna, ao júbilo superior de quem sabe partilhar, pois «a felicidade está mais em dar do que em receber» (At 20, 35) e «Deus ama quem dá com alegria» (2 Cor 9, 7). O amor fraterno multiplica a nossa capacidade de nos alegrarmos, porque nos torna capazes de rejubilar com o bem dos outros: «Alegrai-vos com os que se alegram» (Rm 12, 15). Que a espontaneidade e o impulso da tua juventude se transformem sempre mais na espontaneidade do amor fraterno, no frescor que nos faz reagir sempre com o perdão, a generosidade, o desejo de construir comunidade! Diz um provérbio africano: «Se queres andar rápido, caminha sozinho. Se queres chegar longe, caminha com os outros». Não deixemos roubar-nos a fraternidade.

Jovens comprometidos
168. É verdade que às vezes, perante um mundo cheio de tanta violência e egoísmo, os jovens podem correr o risco de se fechar em pequenos grupos, privando-se assim dos desafios da vida em sociedade, dum mundo vasto, estimulante e necessitado. Têm a sensação de viver o amor fraterno, mas o seu grupo talvez se tenha tornado um simples prolongamento do próprio eu. Isto agrava-se, se a vocação do leigo for concebida unicamente como um serviço interno da Igreja (leitores, acólitos, catequistas, etc.), esquecendo-se que a vocação laical é, antes de mais nada, a caridade na família, a caridade social e caridade política: é um compromisso concreto nascido da fé para a construção duma sociedade nova, é viver no meio do mundo e da sociedade para evangelizar as suas diversas instâncias, fazer crescer a paz, a convivência, a justiça, os direitos humanos, a misericórdia, e assim estender o Reino de Deus no mundo.

169. Proponho aos jovens irem mais além dos grupos de amigos e construirem a amizade social: «buscar o bem comum chama-se amizade social. A inimizade social destrói. E uma família destrói-se pela inimizade. Um país destrói-se pela inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra. E hoje vemos que o mundo se está a destruir pela guerra. Porque são incapazes de se sentar e falar (…). Sede capazes de criar a amizade social».[90] Não é fácil; sempre é preciso renunciar a qualquer coisa, é preciso negociar, mas, se o fizermos a pensar no bem de todos, podemos fazer a experiência maravilhosa de deixar de lado as diferenças para lutar juntos por um objetivo comum. Quando se consegue encontrar pontos coincidentes no meio de tantas divergências e, com esforço artesanal e por vezes fadigoso, lançar pontes, construir uma paz que seja boa para todos, isso é o milagre da cultura do encontro que os jovens podem ousar viver com paixão.
170. O Sínodo reconheceu que, «embora sob forma diferente relativamente às gerações passadas, o compromisso social é um traço caraterístico dos jovens de hoje. Ao lado de alguns indiferentes, há muitos outros disponíveis para se comprometerem em iniciativas de voluntariado, cidadania ativa e solidariedade social, o que é preciso acompanhar e encorajar para fazer surgir os talentos, as competências e a criatividade dos jovens e estimular a assunção de responsabilidades por parte deles. O empenho social e o contacto direto com os pobres continuam a ser uma oportunidade fundamental para descobrir ou aprofundar a fé e para discernir a própria vocação. (…) Assinalou-se também a disponibilidade a empenhar-se em campo político para a construção do bem comum».[91]
171. Graças a Deus, hoje, os grupos de jovens nas paróquias, escolas, movimentos ou grupos universitários costumam ir fazer companhia a idosos e enfermos, visitar bairros pobres, ou sair juntos para ajudar os mendigos nas chamadas «noites da caridade». Com frequência, reconhecem que, em tais atividades, o que recebem é mais do que aquilo que dão, porque se aprende e amadurece muito quando se tem a coragem de entrar em contacto com o sofrimento dos outros. Além disso, nos pobres, há uma sabedoria escondida, e eles, com palavras simples, podem ajudar-nos a descobrir valores que não vemos.
172. Outros jovens participam em programas sociais que visam construir casas para os sem-abrigo, bonificar áreas contaminadas, ou recolher ajudas para os mais necessitados. Seria bom que esta energia comunitária fosse aplicada não só em ações esporádicas, mas de forma estável, com objetivos claros e uma boa organização que ajude a realizar uma atividade mais continuada e eficiente. Os universitários podem unir-se de forma interdisciplinar para aplicar os seus conhecimentos na resolução de problemas sociais e, nesta tarefa, podem trabalhar lado a lado com jovens doutras Igrejas e doutras religiões.
173. Como no milagre de Jesus, os pães e os peixes dos jovens podem multiplicar-se (cf. Jo 6, 4-13). Como na parábola, as pequenas sementes dos jovens tornam-se árvores e frutos de colheita (cf. Mt 13, 23.31-32). Tudo isto se realiza a partir da fonte viva da Eucaristia, na qual o nosso pão e o nosso vinho se transformam para nos dar a Vida eterna. Aos jovens, está confiada uma tarefa imensa e difícil. Com fé no Ressuscitado, poderão enfrentá-la com criatividade e esperança, colocando-se sempre na posição de serviço, como os servos das bodas de Caná, colaboradores inesperados do primeiro sinal de Jesus, só por terem seguido a recomendação de sua Mãe: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). Misericórdia, criatividade e esperança fazem crescer a vida.
174. Quero encorajar-te a assumir este compromisso, porque sei que «o teu coração, coração jovem, quer construir um mundo melhor. Acompanho as notícias do mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes do mundo, saíram para as ruas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna. Os jovens nas ruas; são jovens que querem ser protagonistas da mudança. Por favor, não deixeis para outros o ser protagonista da mudança! Vós sois aqueles que detêm o futuro! Através de vós, entra o futuro no mundo. Também a vós, eu peço para serdes protagonistas desta mudança. Continuai a vencer a apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias partes do mundo. Peço-vos para serdes construtores do futuro, trabalhai por um mundo melhor. Queridos jovens, por favor, não “olheis da sacada” a vida, entrai nela. Jesus não ficou na sacada, mergulhou… Não olheis da sacada a vida, mergulhai nela, como fez Jesus».[92] Mas sobretudo, duma forma ou doutra, lutai pelo bem comum, sede servidores dos pobres, sede protagonistas da revolução da caridade e do serviço, capazes de resistir às patologias do individualismo consumista e superficial.
Missionários corajosos
175. Enamorados por Cristo, os jovens são chamados a dar testemunho do Evangelho em toda parte, com a sua própria vida. Santo Alberto Hurtado dizia que «ser apóstolo não significa usar um distintivo na lapela do casaco; não significa falar da verdade, mas vivê-la, encarnar-se nela, transformar-se em Cristo. Ser apóstolo não é levar uma tocha na mão, possuir a luz, mas ser a luz. (...) O Evangelho (...), mais do que uma lição, é um exemplo. A mensagem transformada em vida vivida».[93]
176. O valor do testemunho não significa que se deve manter em silêncio a palavra. Por que é que não havemos de falar de Jesus, contar aos outros que Ele nos dá a força de viver, que é bom conversar com Ele, que nos faz bem meditar as suas palavras? Jovens, não deixeis que o mundo vos arraste para compartilhar apenas as coisas negativas ou superficiais. Sede capazes de ir contracorrente, compartilhar Jesus, comunicar a fé que Ele vos deu. Possais vós sentir no coração o mesmo impulso irresistível que movia São Paulo, fazendo-o exclamar: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16).
177. «Para onde Jesus nos manda? Não há fronteiras, não há limites: envia-nos a todas as pessoas. O Evangelho é para todos, e não apenas para alguns. Não é apenas para aqueles que parecem a nossos olhos mais próximos, mais abertos, mais acolhedores. É para todas as pessoas. Não tenhais medo de ir e levar Cristo a todos os ambientes, até às periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente. O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da sua misericórdia e do seu amor».[94] E convida-nos a levar, sem medo, o anúncio missionário aos locais onde nos encontrarmos e às pessoas com quem convivermos: no bairro, no estudo, no desporto, nas saídas com os amigos, no voluntariado ou no emprego, é sempre bom e oportuno partilhar a alegria do Evangelho. É assim que o Senhor Se vai aproximando de todos; e pensou em vós, jovens, como seus instrumentos para irradiar luz e esperança, porque quer contar com a vossa coragem, frescor e entusiasmo.
178. Não se pode esperar que a missão seja fácil e cómoda. Alguns jovens preferiram dar a própria vida a refrear o seu impulso missionário. Os bispos da Coreia escreveram: «Esperamos poder ser grãos de trigo e instrumentos para a salvação da humanidade, seguindo o exemplo dos mártires. Apesar da nossa fé ser tão pequena como um grão de mostarda, Deus fá-la-á crescer e utilizá-la-á como instrumento para a sua obra de salvação».[95] Amigos, não espereis pelo dia de amanhã para colaborar na transformação do mundo com a vossa energia, audácia e criatividade. A vossa vida não é «entretanto»; vós sois o agora de Deus, que vos quer fecundos.[96] Porque «é dando que se recebe»,[97] e a melhor maneira de preparar um bom futuro é viver bem o presente, com dedicação e generosidade.

CAPÍTULO VI
Jovens com raízes


179. Já me aconteceu ver árvores jovens, belas, que elevavam seus ramos sempre mais alto para o céu; pareciam uma canção de esperança. Mais tarde, depois duma tempestade, encontrei-as caídas, sem vida. Estenderam os seus ramos sem se enraizar bem na terra e, por ter poucas raízes, sucumbiram aos assaltos da natureza. Por isso, custa-me ver que alguns propõem aos jovens construir um futuro sem raízes, como se o mundo começasse agora. Com efeito, «é impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme de pé e agarrada à terra. É fácil extraviar-se, quando não temos onde agarrar-nos, onde firmar-nos».[98]

Que não te arranquem da terra
180. Esta não é uma questão secundária, e parece-me oportuno dedicar-lhe um breve capítulo. Compreender isto permite-nos distinguir entre a alegria da juventude e um falso culto desta de que alguns se servem a fim de seduzir os jovens e usá-los para os seus fins.

181. Pensai bem! Se uma pessoa vos fizer uma proposta dizendo para ignorardes a história, não aproveitardes da experiência dos mais velhos, desprezardes todo o passado olhando apenas para o futuro que essa pessoa vos oferece, não será uma forma fácil de vos atrair para a sua proposta a fim de fazerdes apenas o que ela diz? Aquela pessoa precisa de vós vazios, desenraizados, desconfiados de tudo, para vos fiardes apenas nas suas promessas e vos submeterdes aos seus planos. Assim procedem as ideologias de variadas cores, que destroem (ou desconstroem) tudo o que for diferente, podendo assim reinar sem oposições. Para isso, precisam de jovens que desprezem a história, rejeitem a riqueza espiritual e humana que se foi transmitindo através das gerações, ignorem tudo quanto os precedeu.
182. Ao mesmo tempo, os manipuladores servem-se doutro recurso: uma adoração da juventude, como se tudo o que não é jovem aparecesse detestável e caduco. O corpo jovem torna-se o símbolo deste novo culto e, consequentemente, tudo o que tenha a ver com este corpo é idolatrado e desejado sem limites, enquanto o que não for jovem é olhado com desprezo. Mas é uma arma que acaba por degradar os jovens, esvaziando-os de valores reais e utilizando-os para obter benefícios individuais, económicos ou políticos.
183. Queridos jovens, não permitais que usem a vossa juventude para promover uma vida superficial, que confunde beleza com aparência. Sabei, antes, descobrir que há beleza no trabalhador que regressa a casa surrado e desalinhado, mas com a alegria de ter ganho o pão para os seus filhos. Há uma beleza estupenda na comunhão da família reunida ao redor da mesa e no pão partilhado com generosidade, ainda que a mesa seja muito pobre. Há beleza na esposa mal penteada e já um pouco idosa, que continua a cuidar do seu marido doente, para além das suas forças e da própria saúde. Embora já esteja distante a lua de mel, há beleza na fidelidade dos casais que se amam no outono da vida, naqueles velhinhos que caminham de mãos dadas. Há beleza, para além da aparência ou da estética imposta pela moda, em cada homem e cada mulher que vive com amor a sua vocação pessoal, no serviço desinteressado à comunidade, à pátria, no trabalho generoso a bem da felicidade da família, comprometidos no árduo trabalho, anónimo e gratuito, de restabelecer a amizade social. Descobrir, mostrar e realçar esta beleza, que lembra a de Cristo na cruz, é colocar as bases da verdadeira solidariedade social e da cultura do encontro.
184. Atualmente, a par das estratégias do falso culto da juventude e da aparência, promovem-se uma espiritualidade sem Deus, uma afetividade sem comunidade nem compromisso com os que sofrem, o medo dos pobres vistos como sujeitos perigosos, e uma série de ofertas que pretendem fazer-vos acreditar num futuro paradisíaco que sempre será adiado para mais tarde. Não é isto que vos quero propor; e, com todo o afeto que vos tenho, quero advertir-vos para não vos deixardes dominar por esta ideologia que, em vez de vos tornar mais jovens, transformar-vos-á em escravos. Proponho-vos outro caminho, feito de liberdade, entusiasmo, criatividade, horizontes novos, mas cultivando ao mesmo tempo as raízes que nutrem e sustentam.
185. Nesta linha – quero salientá-lo –, «muitos Padres Sinodais, vindos de contextos não ocidentais, assinalam como a globalização seja portadora, nos seus países, de autênticas formas de colonização cultural, que desenraízam os jovens das origens culturais e religiosas donde provêm. Torna-se necessário um esforço da Igreja para os acompanhar nesta passagem, a fim de não perderem os traços mais preciosos da sua identidade».[99]
186. Vemos hoje uma tendência para «homogeneizar» os jovens, dissolver as diferenças próprias do seu lugar de origem, transformá-los em sujeitos manipuláveis feitos em série. Deste modo, causa-se uma destruição cultural, que é tão grave como a extinção das espécies animais e vegetais.[100] Por isso, numa mensagem aos jovens indígenas reunidos no Panamá, exortava-os: «Assumi as vossas raízes! Mas não vos limiteis a isto. A partir destas raízes, crescei, florescei, frutificai».[101]

A tua relação com os idosos
187. No Sínodo, afirmou-se que «os jovens estão projetados para o futuro e enfrentam a vida com energia e dinamismo. Mas (…) tendem por vezes a prestar pouca atenção à memória do passado donde provêm, especialmente dos inúmeros dons que lhes foram transmitidos pelos pais, pelos avós, pela bagagem cultural da sociedade onde vivem. Ajudar os jovens a descobrir a riqueza viva do passado, conservando-a na memória e valendo-se dela para as suas decisões e possibilidades, é um verdadeiro ato de amor para com eles visando o seu crescimento e as opções que são chamados a realizar».[102]

188. A Palavra de Deus recomenda que não se perca o contacto com os idosos, para poder recolher a sua experiência: «Frequenta a assembleia dos anciãos; se encontrares algum sábio, faz-te amigo dele. (...) Se vires alguém sensato, madruga e vai ter com ele, e desgastem os teus pés o limiar da sua porta» (Sir 6, 34.36). Seja como for, os largos anos que viveram e tudo o que passaram na vida devem levar-nos a olhá-los com respeito: «Levanta-te perante uma cabeça branca» (Lv 19, 32). Com efeito, «a força é a glória do jovem, e a glória dos velhos são os cabelos brancos» (Pr 20, 29).
189. A Bíblia solicita-nos: «Ouve o pai, que te gerou, e não desprezes a tua mãe quando for velha» (Pr 23, 22). O preceito de honrar pai e mãe «é o primeiro mandamento com uma promessa» (Ef 6, 2; cf. Ex 20, 12; Dt 5, 16, Lv 19, 3), isto é, «para que sejas feliz e gozes de longa vida sobre a terra» (Ef 6, 3).
190. Isto não significa que tenhas de estar de acordo com tudo o que eles dizem, nem que deves aprovar todas as suas ações. Um jovem deveria ter sempre um espírito crítico. São Basílio Magno, referindo-se aos autores gregos antigos, recomendava aos jovens que os estimassem, mas guardassem apenas o que de bom podiam ensinar.[103] Trata-se simplesmente de se manter aberto para recolher uma sabedoria que se comunica de geração em geração, pode coexistir com algumas misérias humanas e não precisa de desaparecer perante as novidades do consumo e do mercado.
191. Ao mundo, nunca foi nem será de proveito a rutura entre gerações. São cantos de sereia dum futuro sem raízes, sem arraigamento. É a mentira que deseja fazer-te crer que só o novo é bom e belo. A existência das relações intergeracionais supõe que, nas comunidades, se possua uma memória coletiva, pois cada geração retoma os ensinamentos de quantos a antecederam, deixando assim uma herança aos seus sucessores. Isto constitui quadros de referência para alicerçar solidamente uma sociedade nova. Como diz o ditado: «Se o jovem soubesse e o velho pudesse, não haveria nada que não se fizesse».

Sonhos e visões
192. Na profecia de Joel, encontramos um anúncio que nos permite entender isto duma maneira admirável. Diz assim: «Depois disto, derramarei o meu espírito sobre toda a humanidade. Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões» (Jl 3, 1; cf. At 2, 17). Se os jovens e os idosos se abrirem ao Espírito Santo, juntos produzem uma combinação maravilhosa: os idosos sonham e os jovens têm visões. Como se completam reciprocamente as duas coisas?

193. Os idosos têm sonhos permeados de recordações, de imagens de tantas coisas vividas, com a marca da experiência e dos anos. Se os jovens se enraizarem nos sonhos dos idosos, conseguem ver o futuro, podem ter visões que lhes abrem o horizonte e mostram novos caminhos. Mas, se os idosos deixarem de sonhar, os jovens já não podem ver claramente o horizonte.
194. Sabe bem encontrar, no meio daquilo que guardaram os nossos pais, alguma lembrança que nos permite imaginar o que sonharam para nós os nossos avôs e as nossas avós. Todo o ser humano, ainda antes de nascer, recebeu como prenda dos seus avós a bênção dum sonho cheio de amor e esperança: o sonho duma vida melhor. E, se não o recebeu de nenhum dos seus avós, houve seguramente algum bisavô que o sonhou e ficou feliz por ele, ao contemplar no berço os seus filhos e, depois, os netos. O sonho primordial, o sonho criador de Deus nosso Pai, precede e acompanha a vida de todos os seus filhos. Guardar na memória esta bênção, que se estende de geração em geração, é uma herança preciosa que devemos saber conservar viva para também nós a podermos transmitir.
195. Por isso, é bom deixar que os idosos contem longas histórias, que às vezes parecem mitológicas, fantasiosas – são sonhos de anciãos –, mas frequentemente estão cheias duma rica experiência, de símbolos eloquentes, de mensagens escondidas. Tais narrações requerem tempo e que nos disponhamos gratuitamente a ouvir e interpretar com paciência, porque não cabem numa mensagem das redes sociais. Devemos aceitar que toda a sabedoria de que necessitamos na vida não pode estar confinada nos limites impostos pelos atuais recursos de comunicação.
196. No livro A Sabedoria do Tempo,[104] deixei expressos alguns desejos sob a forma de pedidos. «Que peço aos idosos, entre os quais me incluo a mim próprio? Peço que sejamos guardiões da memória. Nós, os avôs e as avós, precisamos de formar um coro. Imagino os idosos como o coro permanente dum importante santuário espiritual, no qual as orações de súplica e os cânticos de louvor sustentam a comunidade inteira que trabalha e luta no campo da vida».[105] É belo que «os jovens e as donzelas, os velhos e as crianças louvem todos o nome do Senhor» (Sal 148, 12-13).
197. Nós, os idosos, que podemos dar aos jovens? «Aos jovens de hoje, que sentem dentro si próprios uma mistura de ambições heroicas e inseguranças, podemos lembrar-lhes que uma vida sem amor é uma vida estéril».[106] Que podemos dizer-lhes? «Aos jovens temerosos, podemos dizer que a ânsia face ao futuro pode ser superada».[107] Que podemos ensinar-lhes? «Aos jovens excessivamente preocupados consigo mesmos, podemos ensinar que se experimenta maior alegria em dar do que em receber, e que o amor não se demonstra apenas com palavras, mas também com obras».[108]

Arriscar juntos
198. O amor que se dá e age, muitas vezes erra. Aquele que atua, aquele que arrisca, frequentemente comete erros. A propósito, pode revelar-se interessante o testemunho de Maria Gabriela Perin, que, recém-nascida, ficou órfã de pai e reflete como isso influiu na sua vida, numa relação que não durou, mas fez dela mãe e agora avó: «O que sei é que Deus cria histórias. Na sua genialidade e misericórdia, Ele pega nos nossos triunfos e fracassos e tece lindas tapeçarias que estão cheias de ironia. O reverso do tecido pode parecer confuso com os seus fios emaranhados – os acontecimentos da nossa vida – e talvez seja este lado que não nos deixa em paz quando temos dúvidas. Todavia o lado bom da tapeçaria mostra uma história magnífica, e este é o lado que Deus vê».[109] Quando as pessoas mais velhas olham com atenção a vida, com frequência compreendem instintivamente o que está por trás dos fios emaranhados e reconhecem o que Deus faz criativamente até mesmo com os nossos erros.

199. Se caminharmos juntos, jovens e idosos, poderemos estar bem enraizados no presente e, daqui, visitar o passado e o futuro: visitar o passado, para aprender da história e curar as feridas que às vezes nos condicionam; visitar o futuro, para alimentar o entusiasmo, fazer germinar os sonhos, suscitar profecias, fazer florescer as esperanças. Assim unidos, poderemos aprender uns com os outros, acalentar os corações, inspirar as nossas mentes com a luz do Evangelho e dar nova força às nossas mãos.
200. As raízes não são âncoras que nos prendem a outros tempos, impedindo de nos encarnarmos no mundo atual para fazer nascer uma realidade nova. Pelo contrário, são um ponto de arraigamento que nos permite crescer e responder aos novos desafios. Sendo assim, não aproveita «sentarmo-nos a recordar com saudade os tempos passados; devemos tomar a peito, com realismo e amor, a nossa cultura e enchê-la de Evangelho. Somos enviados hoje a anunciar a Boa Nova de Jesus aos tempos novos. Temos de amar o nosso tempo com as suas possibilidades e riscos, com as suas alegrias e sofrimentos, com as suas riquezas e limites, com os seus sucessos e erros».[110]
201. No Sínodo, um dos jovens auditores, vindo das Ilhas Samoa, disse que a Igreja é uma canoa, na qual os idosos ajudam a manter a rota, interpretando a posição das estrelas, e os jovens remam com força imaginando o que os espera mais além. Não nos deixemos extraviar nem pelos jovens que pensam que os adultos são um passado que já não conta, que já está superado, nem pelos adultos que julgam saber sempre como se deveriam comportar os jovens. O melhor é subirmos todos para a mesma canoa e, juntos, procurarmos um mundo melhor, sob o impulso sempre novo do Espírito Santo.

CAPÍTULO VII
A pastoral dos jovens


202. A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a realizá-la, foi abalroada pelas mudanças sociais e culturais. Nas estruturas habituais, muitas vezes os jovens não encontram resposta para as suas inquietudes, necessidades, problemas e feridas. A proliferação e o crescimento de associações e movimentos com caraterísticas predominantemente juvenis podem ser interpretados como uma ação do Espírito que abre novos caminhos. Mas é necessário um aprofundamento da sua participação na pastoral de conjunto da Igreja, bem como uma maior comunhão entre eles e uma melhor coordenação da atividade. Embora nem sempre seja fácil abordar os jovens, estamos a crescer em dois aspetos: a consciência de que é toda a comunidade que os evangeliza e a urgência de que os jovens sejam mais protagonistas nas propostas pastorais.

Uma pastoral sinodal
203. Quero assinalar que os próprios jovens são agentes da pastoral juvenil, acompanhados e orientados mas livres para encontrar caminhos sempre novos, com criatividade e ousadia. Por conseguinte, seria supérfluo deter-me aqui a propor uma espécie de manual de pastoral juvenil ou um guia prática de pastoral. Trata-se, antes, de colocar em campo a sagacidade, o engenho e o conhecimento que os próprios jovens têm da sensibilidade, linguagem e problemáticas dos outros jovens.

204. Fazem-nos ver a necessidade de assumir novos estilos e estratégias. Por exemplo, enquanto os adultos procuram ter tudo programado, com reuniões periódicas e horários fixos, hoje a maioria dos jovens sente-se pouco atraída por estes esquemas pastorais. A pastoral juvenil precisa de adquirir outra flexibilidade, convidando os jovens para acontecimentos que, de vez em quando, lhes proporcionem um espaço onde não só recebam uma formação, mas lhes permitam também compartilhar a vida, festejar, cantar, escutar testemunhos concretos e experimentar o encontro comunitário com o Deus vivo.
205. Neste sentido, seria altamente desejável recolher ainda mais as boas práticas: metodologias, linguagens, motivações que se revelaram realmente atraentes para aproximar os jovens de Cristo e da Igreja. Não importa a cor delas: se são «conservadoras ou progressistas», se são «de direita ou de esquerda». O importante é recolher tudo aquilo que deu bons resultados e seja eficaz para comunicar a alegria do Evangelho.
206. A pastoral juvenil só pode ser sinodal, ou seja, capaz de dar forma a um «caminhar juntos» que implica «a valorização – através dum dinamismo de corresponsabilidade – dos carismas que o Espírito dá a cada um dos membros [da Igreja], de acordo com a respetiva vocação e missão. (…) Animados por este espírito, poderemos avançar para uma Igreja participativa e corresponsável, capaz de valorizar a riqueza da variedade que a compõe, acolhendo com gratidão também a contribuição dos fiéis leigos, incluindo jovens e mulheres, a da vida consagrada feminina e masculina e a de grupos, associações e movimentos. Ninguém deve ser colocado nem deixado colocar-se de lado».[111]
207. Desta forma, aprendendo uns com os outros, podemos refletir melhor aquele maravilhoso poliedro que deve ser a Igreja de Jesus Cristo. Esta pode atrair os jovens, precisamente porque não é uma unidade monolítica, mas uma trama de variados dons que o Espírito derrama incessantemente nela, fazendo-a sempre nova apesar das suas misérias.
208. No Sínodo, surgiram muitas propostas concretas para renovar a pastoral juvenil e libertá-la de esquemas que já não são eficazes, porque não entram em diálogo com a cultura atual dos jovens. Como se compreende, não poderia reuni-las todas aqui; entretanto é possível encontrar algumas delas no Documento Final do Sínodo.

Grandes linhas de ação
209. Queria apenas assinalar, brevemente, que a pastoral juvenil supõe duas grandes linhas de ação. Uma é a busca, a convocação, a chamada que atraia novos jovens para a experiência do Senhor. A outra é o crescimento, o desenvolvimento dum percurso de maturação para quantos já fizeram essa experiência.

210. Relativamente à primeira, a busca, confio na capacidade dos próprios jovens, que sabem encontrar os caminhos atraentes para convidar. Sabem organizar festivais, competições desportivas, e sabem também evangelizar nas redes sociais com mensagens, canções, vídeos e outras intervenções. Devemos apenas estimular os jovens e dar-lhes liberdade de ação, para que se entusiasmem com a missão nos ambientes juvenis. O primeiro anúncio pode despertar uma profunda experiência de fé no meio dum retiro de conversão, numa conversa no bar, num recreio da Faculdade, ou qualquer outro dos insondáveis caminhos de Deus. O mais importante, porém, é que cada jovem ouse semear o primeiro anúncio na terra fértil que é o coração doutro jovem.
211. Nesta busca, deve-se privilegiar a linguagem da proximidade, a linguagem do amor desinteressado, relacional e existencial que toca o coração, atinge a vida, desperta esperança e anseios. É necessário aproximar-se dos jovens com a gramática do amor, não com o proselitismo. A linguagem que os jovens entendem é a de quantos dão a vida, a daqueles que estão ali por eles e para eles, e a de quem, apesar das suas limitações e fraquezas, se esforça por viver coerentemente a sua fé. Ao mesmo tempo, devemos procurar, ainda com maior sensibilidade, como encarnar o querigma na linguagem dos jovens de hoje.
212. Quanto ao crescimento, quero fazer uma advertência importante. Acontece em alguns lugares que, depois de ter provocado nos jovens uma experiência intensa de Deus, um encontro com Jesus que tocou o seu coração, propõe-lhes encontros de «formação» onde se abordam apenas questões doutrinais e morais: sobre os males do mundo atual, sobre a Igreja, a doutrina social, sobre a castidade, o matrimónio, o controle da natalidade e sobre outros temas. Resultado: muitos jovens aborrecem-se, perdem o fogo do encontro com Cristo e a alegria de O seguir, muitos abandonam o caminho e outros ficam tristes e negativos. Acalmemos a ânsia de transmitir uma grande quantidade de conteúdos doutrinais e procuremos, antes de mais nada, suscitar e enraizar as grandes experiências que sustentam a vida cristã. Como dizia Romano Guardini, «na experiência dum grande amor (…), tudo o que acontece se transforma num episódio interno àquela».[112]
213. Qualquer projeto formativo, qualquer percurso de crescimento para os jovens deve, certamente, incluir uma formação doutrinal e moral. De igual modo é importante que aqueles estejam centrados em dois eixos principais: um é o aprofundamento do querigma, a experiência fundante do encontro com Deus através de Cristo morto e ressuscitado; o outro é o crescimento no amor fraterno, na vida comunitária, no serviço.
214. Sobre isto, insisti muito na Exortação Evangelii gaudium e acho que seria oportuno lembrá-lo. Por um lado, seria um erro grave pensar que, na pastoral juvenil, «o querigma é deixado de lado em favor duma formação supostamente mais “sólida”. Nada há de mais sólido, mais profundo, mais seguro, mais consistente e mais sábio que esse anúncio. Toda a formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada vez mais e melhor, fazendo carne».[113] Por isso, a pastoral juvenil deveria incluir sempre momentos que ajudem a renovar e aprofundar a experiência pessoal do amor de Deus e de Jesus Cristo vivo. Fá-lo-á valendo-se de vários recursos: testemunhos, cânticos, momentos de adoração, espaços de reflexão espiritual com a Sagrada Escritura e, inclusivamente, com vários estímulos através das redes sociais. Mas nunca se deve substituir esta experiência feliz de encontro com o Senhor por uma espécie de «doutrinação».
215. Além disso, qualquer plano de pastoral juvenil deve conter claramente meios e recursos variados para ajudarem os jovens a crescer na fraternidade, viver como irmãos, auxiliar-se mutuamente, criar comunidade, servir os outros, aproximar-se dos pobres. Se o amor fraterno é o «novo mandamento» (Jo 13, 34), «o pleno cumprimento da lei» (Rm 13, 10) e o que melhor demonstra o nosso amor a Deus, então deve ocupar um lugar relevante em todo o plano de formação e crescimento dos jovens.

Ambientes adequados
216. Em todas as nossas instituições, devemos desenvolver e reforçar muito mais a nossa capacidade de receção cordial, porque muitos dos jovens que chegam encontram-se numa situação profunda de orfandade. E não me refiro a certos conflitos familiares, mas a uma experiência que atinge igualmente crianças, jovens e adultos, mães, pais e filhos. Para muitos órfãos e órfãs, nossos contemporâneos – talvez para nós mesmos –, comunidades como a paróquia e a escola deveriam oferecer percursos de amor gratuito e promoção, de afirmação e crescimento. Hoje, muitos jovens sentem-se filhos do fracasso, porque os sonhos de seus pais e avós acabaram queimados na fogueira da injustiça, da violência social, do «salve-se quem puder». Quanto desenraizamento! Se os jovens cresceram num mundo de cinzas, não é fácil para eles sustentar o fogo de grandes ilusões e projetos. Se cresceram num deserto vazio de sentido, como poderão ter vontade de se sacrificar para semear? A experiência de descontinuidade, desenraizamento e queda das certezas basilares, favorecida pela cultura mediática atual, provoca esta sensação de profunda orfandade à qual devemos responder, criando espaços fraternos e atraentes onde haja um sentido para viver.

217. Criar «lar» é, em última análise, «criar família; é aprender a sentir-se unido aos outros, sem olhar a vínculos utilitaristas ou funcionais, unidos de modo a sentir a vida um pouco mais humana. Criar lares, “casas de comunhão”, é permitir que a profecia encarne e torne as nossas horas e dias menos rudes, menos indiferentes e anónimos. É criar laços que se constroem com gestos simples, diários e que todos podemos realizar. Como todos sabemos muito bem, um lar precisa da colaboração de todos. Ninguém pode ficar indiferente ou alheio, porque cada qual é uma pedra necessária na sua construção. Isto implica pedir ao Senhor que nos conceda a graça de aprender a ter paciência, aprender a perdoar-nos; aprender cada dia a recomeçar. E quantas vezes temos de perdoar e recomeçar? Setenta vezes sete, todas as vezes que for necessário. Criar laços fortes requer a confiança, que se alimenta diariamente de paciência e perdão. Deste modo se concretiza o milagre de experimentar que, aqui, se nasce de novo; aqui todos nascemos de novo, porque sentimos a eficácia da carícia de Deus que nos permite sonhar o mundo mais humano e, consequentemente, mais divino».[114]
218. Neste contexto, é preciso oferecer lugares apropriados aos jovens, nas nossas instituições: lugares que eles possam gerir a seu gosto, com a possibilidade de entrar e sair livremente, lugares que os acolham e onde lhes seja possível encontrar-se, espontânea e confiadamente, com outros jovens tanto nos momentos de sofrimento ou de chatice como quando desejam festejar as suas alegrias. Algo do género foi realizado por alguns oratórios e outros centros juvenis, que em muitos casos são o ambiente onde os jovens vivem experiências de amizade e enamoramento, onde se encontram e podem compartilhar música, atividades recreativas, desporto e também a reflexão e a oração com pequenos subsídios e várias propostas. Assim abre caminho aquele indispensável anúncio de pessoa a pessoa, que não pode ser substituído por nenhum recurso ou estratégia pastoral.
219. «A amizade e o intercâmbio, frequentemente mesmo em grupos mais ou menos estruturados, possibilitam reforçar competências sociais e relacionais num contexto onde não se sentem avaliados nem julgados. A experiência de grupo constitui também um grande recurso para a partilha da fé e a ajuda mútua no testemunho. Os jovens são capazes de guiar outros jovens, vivendo um verdadeiro apostolado no meio dos seus próprios amigos».[115]
220. Isso não significa que se isolem e percam todo o contacto com as comunidades paroquiais, os movimentos e outras instituições eclesiais. Mas os jovens inserir-se-ão melhor em comunidades abertas, vivas na fé, desejosas de irradiar Jesus Cristo, alegres, livres, fraternas e comprometidas. Tais comunidades podem ser os canais que os levam a sentir que é possível cultivar relações preciosas.

A pastoral das instituições educacionais
221. A escola é, sem dúvida, uma plataforma para nos aproximarmos das crianças e dos jovens. Trata-se de um lugar privilegiado de promoção da pessoa e, por isso, a comunidade cristã sempre lhe dedicou grande atenção, quer formando professores e diretores, quer instituindo escolas próprias, de todo o género e grau. Neste campo, o Espírito tem suscitado inúmeros carismas e testemunhos de santidade. Contudo a escola precisa duma urgente autocrítica; basta olhar os resultados da pastoral de muitas instituições educacionais: uma pastoral concentrada na instrução religiosa que, frequentemente, se mostra incapaz de suscitar experiências de fé duradouras. Além disso, existem algumas escolas católicas que parecem organizadas apenas para conservar a situação presente. A fobia da mudança torna-as incapazes de suportar a incerteza, impelindo-as a retrair-se perante os perigos, reais ou imaginários, que toda a mudança acarreta consigo. A escola transformada num «bunker», que protege dos erros «de fora»: tal é a caricatura desta tendência. Esta imagem reflete de maneira chocante aquilo que experimentam inúmeros jovens na hora da sua saída de alguns estabelecimentos de ensino: um desfasamento insanável entre o que lhes ensinaram e o mundo onde lhes cabe viver. As próprias propostas religiosas e morais recebidas não os prepararam para confrontá-las com um mundo que as ridiculariza, e não aprenderam formas de rezar e viver a fé que se possam facilmente sustentar no meio do ritmo desta sociedade. Na realidade, uma das maiores alegrias dum educador é ver um aluno constituir-se como uma pessoa forte, integrada, protagonista e capaz de se doar.

222. A escola católica continua a ser essencial como espaço de evangelização dos jovens. É importante ter presente alguns critérios inspiradores, indicados na Constituição Apostólica Veritatis gaudium em ordem a uma renovação e relançamento das escolas e universidades «em saída» missionária, tais como a experiência do querigma, o diálogo a todos os níveis, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, a promoção da cultura do encontro, a necessidade urgente de «criar rede» e a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e abandona;[116] e também a capacidade de integrar os saberes da cabeça, do coração e das mãos.
223. Além disso, não podemos separar a formação espiritual da formação cultural. A Igreja sempre quis desenvolver, em prol dos jovens, espaços para a melhor cultura; e não deve desistir de o fazer, porque os jovens têm direito a ela. E, «sobretudo hoje, direito à cultura significa tutelar a sabedoria, ou seja, um saber humano e humanizador. Demasiadas vezes vivemos condicionados por modelos de vida banais e efémeros, que estimulam a perseguir o sucesso a baixo preço, desacreditando o sacrifício, inculcando a ideia de que o estudo não serve, se não leva imediatamente a algo de concreto. Mas não! O estudo serve para se questionar, para não se deixar anestesiar pela banalidade, para procurar um sentido na vida. Deve ser reclamado o direito a não fazer prevalecer as muitas sereias que hoje afastam desta busca. Ulisses, para não ceder ao canto das sereias, que encantavam os marinheiros e os faziam espatifar-se contra os rochedos, amarrou-se ao mastro da nau e fechou os ouvidos dos companheiros de viagem. Ao contrário, Orfeu, para contrastar o canto das sereias, fez algo diferente: entoou uma melodia mais bonita, que encantou as sereias. Eis a vossa tarefa: responder aos estribilhos paralisantes do consumismo cultural com escolhas dinâmicas e fortes, com a investigação, o conhecimento e a partilha».[117]

Diferentes áreas de desenvolvimento pastoral
224. Muitos jovens são capazes de aprender a amar o silêncio e a intimidade com Deus. Aumentou também o número dos grupos que se reúnem para adorar o Santíssimo Sacramento e rezar com a Palavra de Deus. Não se subestimem os jovens como se fossem incapazes de abrir-se a propostas contemplativas; basta encontrar os estilos e modalidades adequados para os ajudar a entrar nesta experiência de tão alto valor. Relativamente aos setores do culto e da oração, «em diferentes contextos, os jovens católicos pedem propostas de oração e momentos sacramentais capazes de tocar a sua vida diária, numa liturgia nova, autêntica e jubilosa».[118] É importante valorizar os momentos mais fortes do Ano Litúrgico, particularmente a Semana Santa, o Pentecostes e o Natal. Prezam muito também outros encontros de festa, que quebram a rotina e ajudam a experimentar a alegria da fé.

225. Uma oportunidade privilegiada para o crescimento e para a abertura ao dom divino da fé e da caridade é o serviço: muitos jovens sentem-se atraídos pela possibilidade de ajudar os outros, especialmente as crianças e os pobres. Frequentemente, este serviço é o primeiro passo para descobrir ou redescobrir a vida cristã e eclesial. Muitos jovens cansam-se dos nossos programas de formação doutrinal, e mesmo espiritual, e às vezes reclamam a possibilidade de ser mais protagonistas em atividades que façam algo pelas pessoas.
226. Não podemos esquecer as expressões artísticas, como o teatro, a pintura e outras. «De importância muito peculiar se reveste a música, que representa um verdadeiro e próprio ambiente onde os jovens estão constantemente imersos, bem como uma cultura e uma linguagem capazes de suscitar emoções e moldar a identidade. A linguagem musical constitui também um recurso pastoral, que interpela de modo particular a liturgia e a sua renovação».[119] O canto pode ser um grande estímulo no percurso dos jovens. Dizia Santo Agostinho: «Canta, mas caminha; cantando, alivia a fadiga, mas não te dês à preguiça; canta e caminha. (...) Tu, se progrides, caminhas. Mas progride no bem, progride na verdadeira fé, progride na vida santa. Canta e caminha».[120]
227. «Igualmente significativa é a relevância que assume entre os jovens a prática desportiva, cujas potencialidades em chave educacional e formativa a Igreja não deve subestimar, mantendo uma presença sólida dentro dela. O mundo do desporto precisa de ser ajudado a superar as ambiguidades que o permeiam, como a mitificação dos campeões, a submissão a lógicas comerciais e a ideologia do sucesso a todo o custo».[121] Na base da experiência desportiva, «está a alegria: a felicidade de se mover, a alegria de estar juntos, o júbilo pela vida e pelas dádivas que o Criador concede todos os dias».[122] Aliás houve Padres da Igreja que tomaram o exemplo das práticas desportivas para convidar os jovens a crescer na fortaleza e dominar o torpor ou a comodidade; assim São Basílio Magno, dirigindo-se aos jovens, tomava o exemplo do esforço que requer o desporto e assim inculcava neles a capacidade de se sacrificarem para crescer nas virtudes: «Depois de se terem imposto milhares e milhares de sacrifícios para aumentar por todos os meios a sua força física, suando nos fatigosos exercícios de ginástica (...) e – para não me alongar nas minhas palavras – levando uma existência tal que a sua vida antes da competição é apenas uma preparação para a mesma, (...) lançam mão de todos os seus recursos físicos e psíquicos simplesmente para ganhar uma coroa. (…) E nós, que aguardamos na outra vida prémios tão maravilhosos que nenhuma língua pode descrever dignamente, pensamos porventura alcançá-los transcorrendo a vida por entre comodidades e na acídia?»[123]
228. Em muitos adolescentes e jovens, desperta especial atração o contacto com a criação, sendo sensíveis à salvaguarda do meio ambiente, como no caso dos escuteiros e outros grupos que organizam dias de contacto com a natureza, acampamentos, caminhadas, expedições e campanhas ambientais. No espírito de São Francisco de Assis, são experiências que podem traçar um caminho para se introduzir na escola da fraternidade universal e na oração contemplativa.
229. Estas e outras distintas possibilidades que se abrem à evangelização dos jovens não devem fazer-nos esquecer que, para além das mudanças na história e da sensibilidade dos jovens, há dons de Deus que são sempre atuais e contêm uma força que transcende todos os tempos e circunstâncias: a Palavra do Senhor sempre viva e eficaz, a presença de Cristo na Eucaristia que nos alimenta e o Sacramento do Perdão que nos liberta e fortalece. Podemos também mencionar a inesgotável riqueza espiritual que a Igreja conserva no testemunho dos seus Santos e no ensinamento dos grandes mestres espirituais. Embora tenhamos de respeitar as várias etapas e precisemos por vezes de esperar com paciência o momento certo, não podemos deixar de convidar os jovens para estas fontes de vida nova; não temos o direito de os privar de tanto bem.

Uma pastoral juvenil popular
230. Além da habitual ação pastoral que realizam as paróquias e os movimentos, segundo determinados esquemas, é muito importante dar espaço a uma «pastoral juvenil popular», que tem estilo, tempos, ritmo e metodologia diferentes. É uma pastoral mais ampla e flexível que estimula, nos distintos lugares onde se movem concretamente os jovens, as lideranças naturais e os carismas que o Espírito Santo já semeou entre eles. Trata-se, antes de mais nada, de não colocar tantos obstáculos, normas, controles e enquadramentos obrigatórios aos jovens crentes que são líderes naturais nos bairros e nos diferentes ambientes. Devemos limitar-nos a acompanhá-los e estimulá-los, confiando um pouco mais na fantasia do Espírito Santo que age como quer.

231. Falamos de líderes realmente «populares», não elitistas ou fechados em pequenos grupos de eleitos. Para ser capazes de animar uma pastoral popular no mundo dos jovens, precisam de «aprender a sondar os sentimentos do povo, a fazer-se seus porta-vozes e a trabalhar pela sua promoção».[124] Quando falamos de «povo», não se deve entender tanto as estruturas da sociedade ou da Igreja, como sobretudo o conjunto de pessoas que não caminham como indivíduos, mas como o tecido duma comunidade de todos e para todos, que não pode permitir que os mais pobres e frágeis fiquem para trás: «O povo deseja que todos participem dos bens comuns e, por isso, aceita adaptar-se ao passo dos últimos para chegarem todos juntos».[125] Portanto os líderes populares são aqueles que têm a capacidade de integrar a todos, incluindo na marcha juvenil os mais pobres, frágeis, limitados e feridos. Não lhes fazem repugnância nem metem medo os jovens chagados e crucificados.
232. Na mesma linha, especialmente com os jovens que não cresceram em famílias ou instituições cristãs e estão num caminho de lenta maturação, devemos estimular o bem possível.[126] Cristo advertiu-nos para não pretendermos que tudo seja apenas trigo (cf. Mt 13, 24-30). Às vezes, por pretender uma pastoral juvenil asséptica, pura, caraterizada por ideias abstratas, afastada do mundo e preservada de toda a mancha, reduzimos o Evangelho a uma proposta insípida, incompreensível, distante, separada das culturas juvenis e adaptada só a uma elite juvenil cristã que se sente diferente, mas na verdade flutua num isolamento sem vida nem fecundidade. Assim, juntamente com as ervas daninhas que rejeitamos, arrancamos ou sufocamos milhares de rebentos que procuram crescer no meio das limitações.
233. Em vez de «sufocá-los com um conjunto de regras que dão uma imagem redutora e moralista do cristianismo, somos chamados a investir na sua audácia, educando-os para assumir as suas responsabilidades, certos de que também o erro, o falimento e a crise são experiências que podem revigorar a sua humanidade».[127]
234. No Sínodo, exortou-se a construir uma pastoral juvenil capaz de criar espaços inclusivos, onde haja lugar para todo o tipo de jovens e onde se manifeste, realmente, que somos uma Igreja com as portas abertas. Não é necessário sequer que uma pessoa aceite completamente todos os ensinamentos da Igreja para poder participar em alguns dos nossos espaços dedicados aos jovens. Basta uma atitude aberta para com todos os que tenham o desejo e a disposição de se deixar encontrar pela verdade revelada por Deus. Algumas propostas pastorais podem supor um caminho já percorrido na fé, mas precisamos duma pastoral juvenil popular que abra as portas e dê espaço a todos e cada um com as suas dúvidas, traumas, problemas e a sua busca de identidade, com os seus erros, suas histórias, suas experiências do pecado e todas as suas dificuldades.
235. Deve haver espaço também para «todos aqueles que têm outras visões da vida, professam outras crenças ou se declaram alheios ao horizonte religioso. Todos os jovens, sem excluir nenhum, estão no coração de Deus e, consequentemente, também no coração da Igreja. Francamente, porém, temos de reconhecer que nem sempre esta afirmação que ressoa nos nossos lábios encontra real expressão na nossa ação pastoral: muitas vezes ficamos fechados nos nossos ambientes, onde a voz dos outros não chega, ou dedicamo-nos a atividades menos exigentes e mais gratificantes, sufocando aquela sã inquietação pastoral que nos faz sair das nossas supostas seguranças. E todavia o Evangelho pede-nos para ousar e queremos fazê-lo sem presunção nem proselitismo, testemunhando o amor do Senhor e estendendo a mão a todos os jovens do mundo inteiro».[128]
236. A pastoral juvenil, quando deixa de ser elitista e aceita ser «popular», é um processo lento, respeitoso, paciente, confiante, incansável, compassivo. No Sínodo, foi proposto o exemplo dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35), que pode ser também modelo do que acontece na pastoral juvenil.
237. «Jesus caminha com os dois discípulos que, incapazes de entender o sentido do que Lhe acontecera, se retiram de Jerusalém e da comunidade. Para estar na sua companhia, percorre a estrada com eles. Interroga-os e escuta pacientemente a sua versão dos factos, para os ajudar a reconhecer o que estão a viver. Depois, com afeto e energia, anuncia-lhes a Palavra, levando-os a interpretar à luz das Escrituras os factos que viveram. Aceita o convite para ficar com eles ao cair da tarde: entra na sua noite. Enquanto O escutam, abrasa-se o coração deles e ilumina-se a mente; na fração do pão, abrem-se os seus olhos. E são eles mesmos a decidir pôr-se de novo a caminho, sem demora mas em sentido inverso, para regressar à comunidade e compartilhar a experiência do encontro com Jesus ressuscitado».[129]
238. As várias manifestações de piedade popular, especialmente as peregrinações, atraem jovens que não se inserem facilmente nas estruturas eclesiais e são uma expressão concreta da confiança em Deus. Estas formas de busca de Deus, presentes particularmente nos jovens mais pobres mas também nos outros setores da sociedade, não devem ser desprezadas, mas encorajadas e estimuladas. Porque a piedade popular «é uma maneira legítima de viver a fé»[130] e é «expressão da atividade missionária espontânea do povo de Deus».[131]

Sempre missionários
239. Quero lembrar que não há necessidade de fazer um longo percurso para que os jovens se tornem missionários. Mesmo os mais frágeis, limitados e feridos podem sê-lo à sua maneira, porque sempre devemos permitir que o bem seja comunicado, embora coexista com muitas fragilidades. Um jovem que vai em peregrinação pedir ajuda a Nossa Senhora e convida um amigo ou um companheiro para que o acompanhe, com este gesto simples está a realizar uma valiosa ação missionária. Inseparavelmente unida à pastoral juvenil popular, existe uma missão popular, incontrolável, que rompe todos os esquemas eclesiásticos. Acompanhemo-la, encorajemo-la, mas não pretendamos regulá-la demasiado.

240 Se soubermos escutar aquilo que o Espírito nos está a dizer, não podemos ignorar que a pastoral juvenil deve ser sempre uma pastoral missionária. Os jovens enriquecem-se muito quando superam a timidez e encontram a coragem de ir visitar as casas, pois assim entram em contacto com a vida das pessoas, aprendem a olhar mais além da sua família e do seu grupo, começam a compreender a vida numa perspetiva mais ampla. Ao mesmo tempo reforçam-se a sua fé e o seu sentido de pertença à Igreja. As missões juvenis, que se costumam organizar nas férias depois dum período de preparação, podem suscitar uma renovação da experiência de fé e também projetos vocacionais sérios.
241. Mas os jovens são capazes de criar novas formas de missão, nos mais variados setores. Por exemplo, visto que se movem tão bem nas redes sociais, é preciso envolvê-los para que as encham de Deus, de fraternidade, de compromisso.

O acompanhamento pelos adultos
242. Os jovens precisam de ser respeitados na sua liberdade, mas necessitam também de ser acompanhados. A família deveria ser o primeiro espaço de acompanhamento. A pastoral juvenil propõe um projeto de vida baseado em Cristo: a edificação duma casa, duma família construída sobre a rocha (cf. Mt 7, 24-25). Para a maioria deles, esta família, este projeto concretizar-se-á no matrimónio e na caridade conjugal. Por isso, é necessário que a pastoral juvenil e a pastoral familiar tenham uma continuidade natural, trabalhando de maneira coordenada e integrada para poder acompanhar adequadamente o processo vocacional.

243. A comunidade desempenha um papel muito importante no acompanhamento dos jovens, e toda a comunidade se deve sentir responsável por acolhê-los, motivá-los, encorajá-los e estimulá-los. Isto implica que se olhe para os jovens com compreensão, estima e afeto, e não que sejam julgados continuamente ou lhes seja exigida uma perfeição que não corresponde à sua idade.
244. No Sínodo, «muitos destacaram a carência de pessoas especializadas e dedicadas ao acompanhamento. Acreditar no valor teológico e pastoral da escuta implica repensar a renovação das formas com que, habitualmente, se expressa o ministério presbiteral e verificar as suas prioridades. Além disso, o Sínodo reconhece a necessidade de preparar consagrados e leigos, homens e mulheres, qualificados para o acompanhamento dos jovens. O carisma da escuta, que o Espírito Santo suscita nas comunidades, poderia obter também uma forma de reconhecimento institucional para o serviço eclesial».[132]
245. Além disso, é preciso acompanhar de modo especial os jovens que se apresentam como potenciais líderes, para poderem formar-se e preparar-se. Os jovens, que se reuniram antes do Sínodo, pediram que se desenvolvam «programas de liderança juvenil para a formação e desenvolvimento contínuo de jovens líderes. Algumas jovens notam uma falta de figuras femininas de referência dentro da Igreja, para a qual desejam, elas também, contribuir com os seus dons intelectuais e profissionais. Achamos ainda que seminaristas e religiosos, com maioria de razão, deveriam ser mais capacitados para acompanhar os jovens líderes».[133]
246. Os mesmos jovens descreveram-nos as caraterísticas que esperam encontrar num acompanhador; e fizeram-no muito claramente. «Estes guias deveriam possuir algumas qualidades: ser um cristão fiel comprometido na Igreja e no mundo; uma tensão contínua para a santidade; não julgar, mas cuidar; escutar ativamente as necessidades dos jovens; responder com gentileza; conhecer-se; saber reconhecer os seus limites; conhecer as alegrias e as tribulações da vida espiritual. Uma qualidade de primária grandeza é saber reconhecer-se humano e capaz de cometer erros: não perfeitos, mas pecadores perdoados. Acontece frequentemente que os guias são colocados num pedestal e por isso, quando caem, provocam um impacto devastador na capacidade que os jovens têm de se comprometer na Igreja. Os guias não deveriam levar os jovens a serem seguidores passivos, mas sim a caminhar ao seu lado, deixando-os ser os protagonistas do seu próprio caminho. Deveriam respeitar a liberdade do processo de discernimento de um jovem, fornecendo-lhe os instrumentos para realizar adequadamente este processo. Um guia deveria confiar sinceramente na capacidade que tem cada jovem de participar na vida da Igreja. Por isso, um guia deveria cultivar as sementes da fé nos jovens, sem pressa de ver os frutos do trabalho que vem do Espírito Santo. Este papel não deveria ser circunscrito aos presbíteros e aos religiosos, mas também o laicado deveria poder exercê-lo. Todos estes guias deveriam poder beneficiar duma boa formação permanente».[134]
247. Sem dúvida, as instituições educacionais da Igreja são um ambiente comunitário de acompanhamento que permite orientar muitos jovens, sobretudo quando «procuram acolher todos os jovens, independentemente das suas opções religiosas, proveniência cultural e situação pessoal, familiar ou social. Desta forma, a Igreja presta uma contribuição fundamental para a educação integral dos jovens nas mais diversas partes do mundo».[135] Reduziriam indevidamente a sua função, se estabelecessem critérios rígidos para a admissão de estudantes ou para a sua permanência, porque privariam muitos jovens dum acompanhamento que os ajuda a enriquecer a sua vida.

CAPÍTULO VIII
A vocação


248. A palavra «vocação» pode-se entender em sentido amplo como chamada de Deus. Inclui a chamada à vida, a chamada à amizade com Ele, a chamada à santidade, etc. Isto tem um grande valor, porque coloca toda a nossa vida diante de Deus que nos ama, permitindo-nos compreender que nada é fruto dum caos sem sentido, mas, pelo contrário, tudo pode ser inserido num caminho de resposta ao Senhor, que tem um projeto estupendo para nós.
249. Na Exortação Apostólica Gaudete et exsultate, quis deter-me sobre a vocação que todos temos de crescer para a glória de Deus, propondo-me «fazer ressoar mais uma vez a chamada à santidade, procurando encarná-la no contexto atual, com os seus riscos, desafios e oportunidades».[136] O Concílio Vaticano II ajudou-nos a renovar a consciência desta chamada dirigida a cada um: «Munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho».[137]

A chamada à amizade com Ele
250. O ponto fundamental é discernir e descobrir que aquilo que Jesus quer de cada jovem é, antes de tudo, a sua amizade. Este é o discernimento fundamental. No diálogo do Senhor ressuscitado com o seu amigo Simão Pedro, a pergunta importante era: «Simão, filho de João, tu amas-Me?» (Jo 21, 16). Por outras palavras: Amas-Me como amigo? A missão que Pedro recebe de cuidar das ovelhas e cordeiros de Jesus estará sempre ligada com este amor gratuito, este amor de amigo.

251. E, se fosse necessário um exemplo de sentido contrário, recordemos o encontro-desencontro do Senhor com o jovem rico, que nos mostra claramente como aquilo que aquele jovem não percebeu foi o olhar amoroso do Senhor (cf. Mc 10, 21). Depois de ter seguido uma boa inspiração, foi-se embora triste, porque não conseguiu separar-se das muitas coisas que possuía (cf. Mt 19, 22). Perdeu a ocasião daquela que poderia certamente ter sido uma grande amizade. E ficamos sem saber o que poderia ter sido para nós, o que poderia ter feito pela humanidade, aquele jovem único a quem Jesus olhou com amor e estendera a mão.
252. Com efeito, «a vida que Jesus nos dá é uma história de amor, uma história de vida que quer misturar-se com a nossa e criar raízes na terra de cada um. Essa vida não é uma salvação suspensa “na nuvem” – no disco virtual – à espera de ser descarregada, nem uma nova “aplicação” para descobrir ou um exercício mental fruto de técnicas de crescimento pessoal. Nem a vida que Deus nos oferece é um “tutorial” com o qual apreender as últimas novidades. A salvação, que Deus nos dá, é um convite para fazer parte duma história de amor, que está entrelaçada com as nossas histórias; que vive e quer nascer entre nós, para podermos dar fruto onde, como e com quem estivermos. Precisamente aí vem o Senhor plantar e plantar-Se a Si mesmo».[138]

Ser para os outros
253. Quero agora deter-me na vocação entendida no sentido específico de chamada para o serviço missionário dos outros. O Senhor chama-nos a participar na sua obra criadora, prestando a nossa contribuição para o bem comum com base nas capacidades que recebemos.

254. Esta vocação missionária tem a ver com o nosso serviço aos outros. Com efeito, a nossa vida na terra atinge a sua plenitude, quando se transforma em oferta. Lembro que «a missão no coração do povo não é uma parte da minha vida, ou um ornamento que posso pôr de lado; não é um apêndice ou um momento entre tantos outros da minha vida. É algo que não posso arrancar do meu ser, se não me quero destruir. Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo».[139] Por conseguinte, devemos pensar que toda a pastoral é vocacional, toda a formação é vocacional e toda a espiritualidade é vocacional.
255. A tua vocação não consiste apenas nas atividades que tenhas de fazer, embora se manifeste nelas. É algo mais! É um percurso que levará muitos esforços e muitas ações a orientar-se numa direção de serviço. Por isso, no discernimento duma vocação, é importante ver se a pessoa reconhece em si mesma as capacidades necessárias para aquele serviço específico à sociedade.
256. Isto confere um valor muito grande a tais tarefas, pois deixam de ser uma soma de ações que a pessoa realiza para ganhar dinheiro, para estar ocupada ou para agradar aos outros. Tudo isto faz parte duma vocação, mas, porque fomos chamados, há algo mais do que uma mera escolha pragmática da nossa parte. Em última análise, é reconhecer o fim para que fui feito, o objetivo da minha passagem por esta terra, o plano do Senhor para a minha vida. Não me indicará todos os lugares, tempos e detalhes, que eu posso escolher prudentemente, mas certamente há uma orientação da minha vida que Ele me deve indicar, porque é o meu Criador, o meu oleiro, e eu preciso de escutar a sua voz para me deixar moldar e conduzir por Ele. Então serei o que devo ser, e serei também fiel à minha realidade pessoal.
257. Para realizar a própria vocação, é necessário desenvolver-se, fazer germinar e crescer tudo aquilo que uma pessoa é. Não se trata de inventar-se, criar-se a si mesmo do nada, mas descobrir-se a si mesmo à luz de Deus e fazer florescer o próprio ser: «Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação».[140] A tua vocação orienta-te para tirares fora o melhor de ti mesmo para a glória de Deus e para o bem dos outros. Não se trata apenas de fazer coisas, mas fazê-las com um significado, uma orientação. A propósito, Santo Alberto Hurtado dizia aos jovens que se deve tomar muito a sério o rumo: «Num barco, o piloto negligente é despedido sem remissão, porque joga com algo demasiado sagrado. E nós, na vida, cuidamos do nosso rumo? Qual é o teu rumo? Haveria necessidade de nos determos ainda mais sobre esta questão; peço a cada um de vós que lhe dê a máxima importância, porque acertar nisto equivale simplesmente a ter êxito; e não o conseguir é simplesmente falhar».[141]
258. Normalmente, este «ser para os outros» na vida de cada jovem está relacionado com duas questões fundamentais: a formação duma nova família e o trabalho. As várias sondagens que foram feitas aos jovens confirmam repetidamente que estes são os dois temas principais que os preocupam e entusiasmam. Ambos devem ser objeto dum discernimento especial. Detenhamo-nos brevemente neles.

O amor e a família
259. Os jovens sentem fortemente a chamada ao amor e sonham encontrar a pessoa certa com quem formar uma família e construir uma vida juntos. Sem dúvida, é uma vocação que o próprio Deus propõe através dos sentimentos, anseios, sonhos. Debrucei-me largamente sobre este tema na Exortação Apostólica Amoris laetitia, convidando todos os jovens a lerem especialmente os capítulos IV e V.

260. Apraz-me pensar que «dois cristãos que casam reconheceram na sua história de amor a chamada do Senhor, a vocação a formar de duas pessoas, varão e mulher, uma só carne, uma só vida. E o sacramento do Matrimónio corrobora este amor com a graça de Deus, arraigando-o no próprio Deus. Com este dom, com a certeza desta vocação, é possível começar com segurança, sem medo de nada, para juntos enfrentar tudo!»[142]
261. Neste contexto, lembro que Deus nos criou sexuados. Ele próprio «criou a sexualidade, que é um presente maravilhoso para as suas criaturas».[143] Dentro da vocação para o matrimónio, devemos reconhecer, agradecidos, que «a sexualidade, o sexo são um dom de Deus. Sem tabus. São um dom de Deus, um dom que o Senhor nos dá. E fá-lo com dois propósitos: amar-se e gerar vida. É uma paixão, é o amor apaixonado. O verdadeiro amor é apaixonado. O amor entre um homem e uma mulher, quando é apaixonado, leva-te a dar a vida para sempre. Sempre. E a dá-la com corpo e alma».[144]
262. O Sínodo salientou que «a família continua a ser o principal ponto de referência para os jovens. Os filhos apreciam o amor e os cuidados recebidos dos pais, têm a peito os laços familiares e esperam conseguir, por sua vez, formar uma família. Sem dúvida, o aumento de separações, divórcios, segundas uniões e famílias monoparentais pode causar grandes sofrimentos e crises de identidade nos jovens. Por vezes, têm de assumir responsabilidades desproporcionadas para a sua idade, forçando-os a tornar-se adultos antes do tempo. Muitas vezes, os avós prestam uma contribuição decisiva no afeto e na educação religiosa: com a sua sabedoria, são um elo decisivo na relação entre gerações».[145]
263. Estas dificuldades, encontradas na família de origem, levam certamente muitos jovens a interrogar-se se vale a pena formar uma nova família, ser fiéis, ser generosos. Quero dizer-vos que sim, que vale a pena apostar na família e que nela encontrareis os melhores estímulos para amadurecer e as mais belas alegrias para partilhar. Não deixeis que vos roubem a possibilidade de amar a sério. Não permitais que vos enganem quantos vos propõem uma vida desenfreada e individualista que acaba por levar ao isolamento e à pior solidão.
264. Reina hoje a cultura do provisório, que é uma ilusão. Julgar que nada pode ser definitivo é um engano e uma mentira. Muitas vezes ouvis dizer que «hoje o casamento está “fora de moda” (…). Na cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “curtir” o momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas (…). Em vez disso, peço-vos para serdes revolucionários, peço-vos para irdes contracorrente; sim, nisto, peço que vos rebeleis: que vos rebeleis contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vós não sois capazes de assumir responsabilidades, crê que vós não sois capazes de amar de verdade».[146] Ao contrário, eu tenho confiança em vós e, por isso, vos encorajo a optar pelo matrimónio.
265. É necessário preparar-se para o matrimónio; isto requer educar-se a si mesmo, desenvolver as melhores virtudes, sobretudo o amor, a paciência, a capacidade de diálogo e de serviço. Implica também educar a própria sexualidade, para que seja sempre menos um instrumento para usar os outros, e cada vez mais uma capacidade de se doar plenamente a uma pessoa, de maneira exclusiva e generosa.
266. Ensinam os bispos da Colômbia que «Cristo sabe que os esposos não são perfeitos e que precisam de superar a sua fragilidade e inconstância para que o seu amor possa crescer e durar no tempo. Por isso, concede aos esposos a sua graça que é, simultaneamente, luz e força que lhes permite realizar o seu projeto de vida conjugal de acordo com o plano de Deus».[147]
267. Àqueles que não são chamados ao matrimónio nem à vida consagrada, devemos sempre lembrar-lhes que a primeira e a mais importante vocação é a batismal. As pessoas não casadas, mesmo que não o sejam por opção, podem tornar-se de modo particular testemunhas da vocação batismal no seu caminho de crescimento pessoal.

O trabalho
268. Os bispos dos Estados Unidos da América deixaram claro que frequentemente a juventude, uma vez atingida a maioridade, «marca a entrada duma pessoa no mundo do trabalho. “Que fazes para viver?” é tema constante de conversa, porque o trabalho é uma parte muito importante da sua vida. Para os jovens adultos, esta experiência é muito fluida, porque passam dum emprego para outro e mesmo duma carreira para outra. O trabalho pode definir o uso do tempo e determinar o que se pode fazer ou comprar. E pode determinar também a qualidade e a quantidade de tempo livre. O trabalho define e influi na identidade e noção de si mesmo que tem um jovem adulto, sendo um lugar fundamental onde se desenvolvem as amizades e outras relações, porque habitualmente não se trabalha sozinho. Homens e mulheres jovens falam do trabalho como cumprimento duma função e como algo que lhes proporciona um sentido. Aquele permite aos jovens adultos satisfazer as suas necessidades práticas e – mais importante ainda – procurar o significado e a realização dos seus sonhos e visões. Ainda que o trabalho não ajude a alcançar os seus sonhos, resta importante para os adultos jovens poder cultivar uma visão, aprender a trabalhar de maneira realmente pessoal e satisfatória para a sua vida e continuar a discernir a chamada de Deus».[148]

269. Peço aos jovens que não esperem viver sem trabalhar, dependendo da ajuda doutros. Isto não faz bem, porque «o trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida nesta terra, é caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal. Neste sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências».[149] Assim, «a espiritualidade cristã, a par da admiração contemplativa das criaturas que encontramos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na vida do Beato Carlos de Foucauld e seus discípulos».[150]
270. O Sínodo salientou que o mundo do trabalho é uma área onde os jovens «experimentam formas de exclusão e marginalização. A primeira e a mais grave é o desemprego juvenil, que, nalguns países, atinge níveis exorbitantes. Para além de os empobrecer, a falta de trabalho rescinde nos jovens a capacidade de sonhar e esperar, e priva-os da possibilidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Em muitos países, esta situação depende do facto de alguns setores da população juvenil carecerem de competências profissionais adequadas, devido também aos défices do sistema educacional e formativo. Muitas vezes, a precariedade ocupacional que aflige os jovens fica-se a dever aos interesses económicos que exploram o trabalho».[151]
271. É uma questão muito delicada que a política deve considerar como prioritária, sobretudo hoje que a velocidade dos avanços tecnológicos, aliada à obsessão de reduzir os custos laborais, pode levar rapidamente à substituição de inúmeros postos de trabalho por máquinas. Trata-se duma questão fundamental da sociedade, porque o trabalho, para um jovem, não é simplesmente uma atividade para ganhar dinheiro. É expressão da dignidade humana, é caminho de maturação e inserção social, é um estímulo constante para crescer em responsabilidade e criatividade, é uma proteção contra a tendência para o individualismo e a comodidade, e serve também para dar glória a Deus com o desenvolvimento das próprias capacidades.
272. Nem sempre um jovem tem a possibilidade de decidir a que vai dedicar os seus esforços, em que tarefas vai empregar as suas energias e a sua capacidade de inovação. Com efeito, aos próprios desejos e mesmo às próprias capacidades e discernimento que a pessoa pode maturar, sobrepõem-se os duros limites da realidade. É verdade que não podes viver sem trabalhar e que, às vezes, tens de aceitar o que encontras, mas nunca renuncies aos teus sonhos, nunca enterres definitivamente uma vocação, nunca te dês por vencido. Continua sempre a procurar, ao menos, modalidades parciais ou imperfeitas de viver aquilo que, no teu discernimento, reconheces como uma verdadeira vocação.
273. Quando alguém descobre que Deus o chama para uma coisa concreta, que está feito para isso – enfermagem, carpintaria, comunicação, engenharia, ensino, arte ou qualquer outro trabalho –, então será capaz de fazer desabrochar as suas melhores capacidades de sacrifício, generosidade e dedicação. O facto de uma pessoa saber que não faz as coisas por fazer, mas com um significado, como resposta a uma chamada – que ressoa nas profundezas do seu ser – para contribuir com algo a bem dos outros, isto faz com que estas atividades deem ao próprio coração uma particular experiência de plenitude. Assim o diz o livro bíblico do Eclesiastes: «Reconheci que não há felicidade maior para o homem do que alegrar-se com as suas obras» (3, 22).

Vocações para uma consagração especial
274. Se partirmos da convicção de que o Espírito continua a suscitar vocações para o sacerdócio e a vida religiosa, podemos «voltar a lançar as redes» em nome do Senhor, com toda a confiança. Podemos – e devemos – ter a coragem de dizer a cada jovem que se interrogue quanto à possibilidade de seguir este caminho.

275. Algumas vezes fiz esta proposta a jovens que me responderam quase em tom de zombaria: «Não! Verdadeiramente não me sinto inclinado para esse lado». E todavia, anos depois, alguns deles estavam no Seminário. O Senhor não pode falhar na sua promessa de não deixar a Igreja privada dos pastores, sem os quais não poderia viver nem desempenhar a sua missão. E, se alguns sacerdotes não dão bom testemunho, não é por isso que o Senhor deixará de chamar. Pelo contrário, redobra a aposta, porque não cessa de cuidar da sua amada Igreja.
276. No discernimento duma vocação, não se deve excluir a possibilidade de consagrar-se a Deus no sacerdócio, na vida religiosa ou noutras formas de consagração. Porquê excluí-lo? Podes ter a certeza de que, se reconheceres uma chamada de Deus e a seguires, será isso que dará plenitude à tua vida.
277. Jesus caminha no meio de nós, como fazia na Galileia. Passa pelas nossas estradas, detém-Se e fixa-nos nos olhos, sem pressa. A sua chamada é atraente, fascinante. Mas, hoje, a ansiedade e a velocidade de tantos estímulos que nos bombardeiam fazem com que não haja lugar para aquele silêncio interior onde se percebe o olhar de Jesus e se ouve a sua chamada. Entretanto receberás muitas propostas bem confecionadas, que parecem belas e intensas, mas com o passar do tempo, deixar-te-ão simplesmente vazio, cansado e sozinho. Não deixes que isto te aconteça, porque o turbilhão deste mundo arrasta-te numa corrida sem sentido, sem orientação, nem objetivos claros, e deste modo se malograrão muitos dos teus esforços. Procura, antes, aqueles espaços de calma e silêncio que te permitam refletir, rezar, ver melhor o mundo ao teu redor e então sim, juntamente com Jesus, poderás reconhecer qual é a tua vocação nesta terra.

CAPÍTULO IX
O discernimento


278. Sobre o discernimento em geral, já me debrucei na Exortação Apostólica Gaudete et exsultate. Permiti-me retomar algumas daquelas reflexões, aplicando-as ao discernimento da vocação própria no mundo.
279. Lembro que todos, mas «especialmente os jovens, estão sujeitos a um zapping constante. É possível navegar simultaneamente em dois ou três visores e interagir ao mesmo tempo em diferentes cenários virtuais. Sem a sapiência do discernimento, podemos facilmente transformar-nos em marionetes à mercê das tendências da ocasião».[152] E «isto revela-se particularmente importante, quando aparece uma novidade na própria vida, sendo necessário então discernir se é o vinho novo que vem de Deus ou uma novidade enganadora do espírito do mundo ou do espírito maligno».[153]
280. Este discernimento, «embora inclua a razão e a prudência, supera-as, porque trata-se de entrever o mistério daquele projeto, único e irrepetível, que Deus tem para cada um (…). Está em jogo o sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele sentido verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e que ninguém conhece melhor do que Ele».[154]
281. Neste contexto, situa-se a formação da consciência, que permite ao discernimento crescer em profundidade e fidelidade a Deus: «Formar a consciência requer o caminho da vida inteira, no qual se aprende a cultivar os mesmos sentimentos de Jesus Cristo, assumindo os critérios das suas opções e as intenções da sua atividade (cf. Flp 2, 5)».[155]
282. Esta formação implica deixar-se transformar por Cristo e, ao mesmo tempo, uma «prática habitual do bem, verificada no exame de consciência: um exercício no qual não se trata apenas de identificar os pecados, mas também de reconhecer a obra de Deus na própria experiência diária, nas vicissitudes da história e das culturas onde se está inserido, no testemunho de muitos outros homens e mulheres que nos precederam ou acompanham com a sua sabedoria. Tudo isto ajuda a crescer na virtude da prudência, articulando a orientação global da existência com as opções concretas, na consciência serena dos próprios dons e limites».[156]

Como discernir a tua vocação
283. Uma expressão do discernimento é o esforço por reconhecer a própria vocação. É uma tarefa que requer espaços de solidão e silêncio, porque se trata duma decisão muito pessoal que mais ninguém pode tomar no nosso lugar. «Embora o Senhor nos fale de muitos e variados modos durante o nosso trabalho, através dos outros e a todo o momento, não é possível prescindir do silêncio da oração prolongada para perceber melhor aquela linguagem, para interpretar o significado real das inspirações que julgamos ter recebido, para acalmar ansiedades e recompor o conjunto da própria vida à luz de Deus».[157]

284. Este silêncio não é uma forma de isolamento, pois devemos lembrar-nos que «o discernimento orante exige partir da predisposição para escutar: o Senhor, os outros, a própria realidade que não cessa de nos interpelar de novas maneiras. Somente quem está disposto a escutar é que tem a liberdade de renunciar ao seu ponto de vista parcial e insuficiente (…). Desta forma, está realmente disponível para acolher uma chamada que quebra as suas seguranças, mas leva-o a uma vida melhor, porque não é suficiente que tudo corra bem, que tudo esteja tranquilo. Pode acontecer que Deus nos esteja a oferecer algo mais e, na nossa cómoda distração, não o reconheçamos».[158]
285. Quando se trata de discernir a própria vocação, há várias perguntas que é preciso colocar-se. Não se deve começar por questionar onde se poderia ganhar mais dinheiro, onde se poderia obter mais fama e prestígio social, mas também não se deveria começar perguntando quais tarefas nos dariam mais prazer. Para não se enganar, é preciso mudar de perspetiva, perguntando: Conheço-me a mim mesmo, para além das aparências ou das minhas sensações? Sei o que alegra ou entristece o meu coração? Quais são os meus pontos fortes e as minhas fragilidades? E, logo a seguir, vêm outras perguntas: Como posso servir melhor e ser mais útil ao mundo e à Igreja? Qual é o meu lugar nesta terra? Que poderia eu oferecer à sociedade? E surgem imediatamente outras muito realistas: Tenho as capacidades necessárias para prestar este serviço? Em caso negativo, poderei adquiri-las e desenvolvê-las?
286. Estas questões devem-se colocar não tanto em relação a si mesmo e às próprias inclinações, mas em relação aos outros, em ordem a eles, para que o discernimento enquadre a própria vida referida aos outros. Por isso, quero lembrar qual é a grande questão: «Muitas vezes, na vida, perdemos tempo a questionar-nos: “Quem sou eu?” E podes passar a vida inteira a questionar-te, procurando saber quem és. Mas a pergunta que te deves colocar é esta: “Para quem sou eu?”»[159] És para Deus, sem dúvida alguma; mas Ele quis que fosses também para os outros, e colocou em ti muitas qualidades, inclinações, dons e carismas que não são para ti, mas para os outros.

A chamada do Amigo
287. Para discernir a própria vocação, é preciso reconhecer que a mesma é a chamada dum amigo: Jesus. Aos amigos, quando se dá uma prenda, oferece-se o melhor; isto não significa que seja necessariamente a prenda mais cara ou difícil de conseguir, mas a que – sabemos – dará alegria ao outro. Um amigo tem uma perceção tão clara disto mesmo que consegue visualizar, na sua imaginação, o sorriso do amigo ao abrir o seu presente. Este discernimento de amizade é o que proponho aos jovens como modelo se quiserem compreender qual é a vontade de Deus para a sua vida.

288. Quero que saibais que o Senhor, quando pensa em alguém, no que gostaria de lhe dar de prenda, vê-o como seu amigo pessoal. E se decidiu presentear-te com uma graça, um carisma que te fará viver plenamente a tua vida transformando-te numa pessoa útil aos outros, em alguém que deixa uma marca na história, será certamente algo que te deixará feliz no mais íntimo de ti mesmo e te entusiasmará mais do que qualquer outra coisa neste mundo. Não, porque o dom concedido seja um carisma extraordinário ou raro, mas porque é precisamente à tua medida, à medida de toda a tua vida.
289. O dom da vocação será, sem dúvida, um dom exigente. Os dons de Deus são interativos e, para os desfrutar, é preciso pôr-me em campo, arriscar. Não será a exigência dum dever imposto por outro de fora, mas algo que te estimulará a crescer e a optar por que esse presente amadureça e se transforme em dom para os outros. Quando o Senhor suscita uma vocação, não pensa apenas no que és, mas em tudo o que poderás, juntamente com Ele e os outros, chegar a ser.
290. A energia da vida e a força da própria personalidade alimentam-se mutuamente, no interior de cada jovem, e impelem-no a ultrapassar todos os limites. A inexperiência permite que isto aconteça, embora bem depressa se transforme em experiência muitas vezes dolorosa. É importante pôr em contacto este desejo do «infinito de quando ainda não se tentou começar»[160] com a amizade incondicional que Jesus nos oferece. Antes de toda a lei e dever, aquilo que Jesus nos propõe escolher é um seguimento como o de amigos que se frequentam, procuram e encontram por pura amizade. Tudo o mais vem depois; e até os fracassos da vida poderão ser uma experiência inestimável de tal amizade que não se rompe jamais.

Escuta e acompanhamento
291. Há sacerdotes, religiosos, religiosas, leigos, profissionais e até jovens qualificados, que podem acompanhar os jovens no seu discernimento vocacional. Quando nos toca ajudar o outro a discernir o caminho da sua vida, a primeira coisa a fazer é ouvir. Esta escuta pressupõe três sensibilidades ou atenções diferentes e complementares:

292. A primeira sensibilidade ou atenção é à pessoa. Trata-se de escutar o outro, que se nos dá com as suas palavras. O sinal desta escuta é o tempo que dedico ao outro. Não é questão de quantidade, mas de que o outro sinta que o meu tempo é dele: todo o tempo que precisar para me manifestar o que quer. Deve sentir que o escuto incondicionalmente, sem me ofender, escandalizar, aborrecer nem cansar. Tal é a escuta que o Senhor realiza quando Se põe a caminho com os discípulos de Emaús e os acompanha durante longo tempo por uma estrada cuja direção seguida era oposta à correta (cf. Lc 24, 13-35). Quando Jesus faz menção de continuar para diante, porque os dois discípulos tinham chegado a casa, estes compreendem que Ele lhes oferecera o seu tempo e, então, dão-Lhe o deles, oferecendo-Lhe hospedagem. Esta escuta atenta e desinteressada mostra o valor que tem para nós a outra pessoa, independentemente das suas ideias e opções de vida.
293. A segunda sensibilidade ou atenção é no discernir. Trata-se de individuar o ponto certo onde se discerne o que é a graça e o que é tentação. Com efeito, às vezes as coisas que cruzam a nossa imaginação não passam de tentações que nos afastam do nosso verdadeiro caminho. Aqui preciso de me interrogar: O que é que, exatamente, me está a dizer esta pessoa? Que me quer dizer? Que deseja ela que eu compreenda do que lhe acontece? São perguntas que ajudam a entender onde se ligam os argumentos que movem o outro, e a sentir o peso e o ritmo dos seus afetos influenciados por esta lógica. Esta escuta tem em vista discernir as palavras salvíficas do Espírito bom, que nos propõe a verdade do Senhor, mas também as armadilhas do espírito mau, os seus enganos e as suas seduções. É preciso ter a coragem, o afeto e a delicadeza necessários para ajudar o outro a reconhecer a verdade e os enganos ou as desculpas.
294. A terceira sensibilidade ou atenção consiste em escutar os impulsos «para diante» que o outro experimenta. É a escuta profunda do ponto «para onde o outro quer verdadeiramente ir». Mais além do que sente e pensa no presente e do que fez no passado, a atenção orienta-se para o que quereria ser. Às vezes, isto requer que a pessoa não olhe tanto para o que gosta, os seus desejos superficiais, mas para o que mais agrada ao Senhor, o seu projeto para a própria vida que se expressa numa inclinação do coração, mais além da casca dos gostos e sentimentos. Esta escuta é atenção à intenção última, que é aquela que, em última análise, decide a vida, porque há Alguém como Jesus que entende e valoriza esta intenção última do coração. Por isso, Ele está sempre disposto a ajudar cada um a reconhecê-la e, para isso, basta que alguém Lhe diga: «Senhor, salvai-me! Tende misericórdia de mim!»
295. Então, o discernimento torna-se um instrumento de compromisso forte para seguir melhor o Senhor.[161] Assim, o desejo de reconhecer a própria vocação adquire uma intensidade suprema, uma qualidade diferente e um nível superior, que responde muito melhor à dignidade da vida. Porque, em última análise, um bom discernimento é um caminho de liberdade que faz aflorar a realidade única de cada pessoa, aquela realidade que é tão sua, tão pessoal que só Deus a conhece. Os outros não podem entender plenamente nem prever de fora como se desenvolverá.
296. Por conseguinte, quando alguém escuta a outro desta maneira, a dado momento deve desaparecer para o deixar seguir o caminho que ele descobriu. Desaparecer como desaparece o Senhor da vista dos seus discípulos, deixando-os sozinhos com o ardor do coração que se transforma num impulso irresistível de se porem a caminho (cf. Lc 24, 31-33). De regresso à comunidade, os discípulos de Emaús receberão a confirmação de que o Senhor verdadeiramente ressuscitou (cf. Lc 24, 34).
297. Uma vez que «o tempo é superior ao espaço»,[162] devemos suscitar e acompanhar processos, não impor percursos. Trata-se de processos de pessoas, que sempre são únicas e livres. Por isso é difícil elaborar receituários, mesmo quando todos os sinais forem positivos, porque «tem-se de submeter os próprios fatores positivos a um atento discernimento, para que não se isolem uns dos outros, nem entrem em oposição entre si, absolutizando-se e combatendo-se mutuamente. O mesmo se diga dos fatores negativos: não são de rejeitar em bloco e sem distinções, porque em cada um deles pode ocultar-se algum valor que espera ser liberto e reconduzido à sua verdade plena».[163]
298. Mas, para acompanhar os outros neste caminho, primeiro precisas de ter o hábito de o percorreres tu próprio. Maria fê-lo, enfrentando as suas questões e as suas próprias dificuldades, quando era ainda muito jovem. Que Ela renove a tua juventude com a força da sua oração e te acompanhe sempre com a sua presença de Mãe.
* * *

E para concluir... um desejo
299. Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi «atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disto! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós».[164]


Loreto, no Santuário da Santa Casa, a 25 de março – Solenidade da Anunciação do Senhor – do ano 2019, sétimo do pontificado.
FRANCISCO
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[1] O mesmo termo grego que significa «novo», é usado para dizer «jovem».
[2] Confissões, X, 27: PL 32, 795.
[3] Santo Ireneu, Contra as heresias, II, 22, 4: PG 7, 784.
[4] Documento Final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (27/X/2018), 60. A partir de agora, este documento será citado com a sigla DF. É possível consultá-lo no site vaticano do Sínodo dos Bispos:
http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/rc_synod_doc_20181027_doc-final-instrumentum-xvassemblea-giovani_pt.html.
[5] Catecismo da Igreja Católica, 515.
[6] Ibid., 517.
[7] Catequese (Audiência Geral de 27 de junho de 1990), 2.3: Insegnamenti 13,1 (1990), 1680-1681.
[8] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de 2016), 182: AAS 108 (2016), 384.
[9] DF 63.
[10] Mensagem à humanidade: aos jovens (8 de dezembro de 1965): AAS 58 (1966), 18.
[11] Ibidem: o. c., 18.
[12] DF 1.
[13] Ibid., 8.
[14] Ibid., 50.
[15] Ibid., 53.
[16] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 8.
[17] DF 150.
[18] Francisco, Discurso na Vigília da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 6.
[19] Francisco, Oração no final da Via-Sacra, durante a XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 25 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 29/I/2019), 14-15.
[20] DF 65.
[21] Ibid., 167.
[22] São João Paulo II, Discurso aos jovens (Turim 13 de abril de 1980), 4: Insegnamenti 3,1 (1980), 905.
[23] Bento XVI, Mensagem para a XXVII Jornada Mundial da Juventude (15 de março de 2012): AAS 104 (2012), 359.
[24] DF 8.
[25] Ibid., 8.
[26] Ibid., 10.
[27] Ibid., 11.
[28] Ibid., 12.
[29] Ibid., 41.
[30] Ibid., 42.
[31] Francisco, Discurso aos jovens (Manila 18 de janeiro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/I/2015), 10.
[32] DF 34.
[33] Documento da Reunião Pré-sinodal de preparação para a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (Roma 24 de março de 2018), I,1.
[34] DF 39.
[35] Ibid., 37.
[36] Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 106: AAS 107 (2015), 889-890.
[37] DF 37.
[38] Ibid., 67.
[39] Ibid., 21.
[40] Ibid., 22.
[41] Ibid., 23.
[42] Ibid., 24.
[43] Documento da Reunião Pré-sinodal de preparação para a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (Roma 24 de março de 2018), I, 4.
[44] DF 25.
[45] Ibid., 25.
[46] Ibid., 26.
[47] Ibid., 27.
[48] Ibid., 28.
[49] Ibid., 29.
[50] Francisco, Discurso no termo do Encontro sobre «A proteção na Igreja dos menores e adultos vulneráveis» (24 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 26/II/2019), 12.
[51] DF 29.
[52] Francisco, Carta ao Povo de Deus (20 de agosto de 2018), 2: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 23/VIII/2018), 8.
[53] DF 30.
[54] Francisco, Discurso na I Congregação Geral da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (3 de outubro de 2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 4/X/2018), 11.
[55] DF 31.
[56] Ibid., 31.
[57] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 1.
[58] DF 31.
[59] Ibid., 31.
[60] Francisco, Discurso no termo do Encontro sobre «A proteção na Igreja dos menores e adultos vulneráveis» (24 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 26/II/2019), 13-14.
[61] Francisco Luís Bernárdez, «Soneto»: Cielo de tierra (Buenos Aires 1937).
[62] Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de março de 2018), 140.
[63] Francisco, Homilia na Eucaristia da XXXI Jornada Mundial da Juventude (Cracóvia 31 de julho de 2016): AAS 108 (2016), 923.
[64] Francisco, Discurso na Cerimónia de Acolhimento e Abertura da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 24 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 29/I/2019), 9-10.
[65] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 1: AAS 105 (2013), 1019.
[66] Ibid., 3: o. c., 1020.
[67] Francisco, Discurso na Vigília da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 6.
[68] Francisco, Discurso no encontro com os jovens durante o Sínodo, na Aula Paulo VI (6 de outubro de 2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 11/X/2018), 8.
[69] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006), 217.
[70] Pedro Arrupe, Enamora-te.
[71] São Paulo VI, Alocução na Beatificação de Núncio Sulprizio (1 de dezembro de 1963): AAS 56 (1964), 28.
[72] DF 65.
[73] Homilia na Eucaristia com os jovens (Sidney 2 de dezembro de 1970): AAS 63 (1971), 64.
[74] Confissões, I, 1, 1: PL 32, 661.
[75] Francisco, Deus é jovem. Uma conversa com Tomás Leoncini (Cidade do Vaticano 2018), 16-17.
[76] DF 68.
[77] Francisco, Discurso aos jovens (Cagliari 22 de setembro de 2013): AAS 105 (2013), 904-905.
[78] Cinco pães e dois peixes: um jubiloso testemunho de fé, a partir do sofrimento na prisão (México 1999), 21.
[79] Conferência Episcopal Suíça, Tirar tempo: para ti, para mim, para nós (2 de fevereiro de 2018).
[80] Cf. São Tomás de Aquino, Summa Theologiae II-II, q. 23, art. 1.
[81] Francisco, Discurso aos voluntários da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 27 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 13.
[82] São Óscar A. Romero, «Homilia» (6 de novembro de 1977): Su pensamiento, I-II (São Salvador 2000), 312.
[83] Francisco, Discurso na Cerimónia de Acolhimento e Abertura da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 24 de janeiro de 2019): L’Osservatore romano (ed. portuguesa de 29/I/2019), 10.
[84] Cf. Francisco, Encontro com os jovens (Santuário Nacional de Maipú – Santiago do Chile 17 de janeiro de 2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25/I/2018), 3-4.
[85] Cf. Romano Guardini, As idades da vida: Opera omnia, IV (Brescia 2015), 209.
[86] Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de março de 2018), 11.
[87] Cântico Espiritual B, Prólogo, 2.
[88] Ibid., XIV-XV, 2.
[89] Conferência Episcopal do Ruanda, Carta dos bispos católicos aos fiéis durante o ano especial da reconciliação no Ruanda (Kigali 18 de janeiro de 2018), 17.
[90] Francisco, Saudação aos jovens do Centro Cultural Padre Félix Varela (Cuba – Havana 20 de setembro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 24/IX/2015), 10.
[91] DF 46.
[92] Francisco, Discurso na Vigília da XXVIII Jornada Mundial da Juventude (Rio de Janeiro 27 de julho de 2013): AAS 105 (2013), 663.
[93] Vós sois a luz do mundo, Discurso no Monte São Cristóvão (Chile 1940) in: https://.padrealbertohurtado.cl/escritos-2.
[94] Francisco, Homilia na Eucaristia da XXVIII Jornada Mundial da Juventude (Rio de Janeiro 28 de julho de 2013): AAS 105 (2013), 665.
[95] Conferência Episcopal Católica da Coreia, Carta Pastoral por ocasião do 150º aniversário do Martírio durante a perseguição Byeong-in (30 de março de 2016).
[96] Cf. Francisco, Homilia na Eucaristia da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 27 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 10.
[97] Oração «Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz», inspirada em São Francisco de Assis.
[98] Francisco, Discurso na Vigília da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 6.
[99] DF 14.
[100] Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 145: AAS 107 (2015), 906.
[101] Vídeo-mensagem para o Encontro Mundial da Juventude Indígena, no Panamá (17-21 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/I/2019), 4.
[102] DF 35.
[103] Cf. Carta aos jovens, I, 2: PG 31, 566.
[104] Cf. Antonio Spadaro (ed.), A Sabedoria do Tempo. Em diálogo com o Papa Francisco sobre as grandes questões da vida (Veneza 2018).
[105] Ibid., 12.
[106] Ibid., 13.
[107] Ibid., 13.
[108] Ibid., 13.
[109] Ibid., 162-163.
[110] Eduardo Pironio, Mensagem aos jovens argentinos, no Encontro Nacional de Jovens em Córdova (12-15 de setembro de 1985), 2.
[111] DF 123.
[112] A essência do cristianismo (Brescia 1984), 12.
[113] N. 165: AAS 105 (2013), 1089.
[114] Francisco, Discurso na visita à Casa-família «O Bom Samaritano» (Panamá, 27 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 11-12.
[115] DF 36.
[116] Cf. Francisco, Const. ap. Veritatis gaudium (8 de dezembro de 2017), 4: AAS 110 (2018), 7-8.
[117] Francisco, Discurso no encontro com os estudantes e o mundo académico (Bolonha 1 de outubro de 2017): AAS 109 (2017), 1115.
[118] DF 51.
[119] Ibid., 47.
[120] Sermão 256, 3: PL 38, 1193.
[121] DF 47.
[122] Francisco, Discurso a uma Delegação de «Special Olympics International» (16 de fevereiro de 2017): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 23/II/2017), 7.
[123] Carta aos jovens, VIII, 11-12: PG 31, 580.
[124] Conferência Episcopal Argentina, Declaração de São Miguel (Buenos Aires 1969), X, 1.
[125] Rafael Tello, A nova evangelização, Tomo II, Anexos I e II (Buenos Aires 2013), 111.
[126] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 44-45: AAS 105 (2013), 1038-1039.
[127] DF 70.
[128] Ibid., 117.
[129] Ibid., 4.
[130] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 124: AAS 105 (2013), 1072.
[131] Ibid., 122: o. c., 1071.
[132] DF 9.
[133] Documento da Reunião Pré-sinodal de preparação para a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (Roma 24 de março de 2018), 12.
[134] Ibid., 10.
[135] DF 15.
[136] N. 2.
[137] Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 11.
[138] Francisco, Discurso na Vigília da XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Panamá 26 de janeiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 05/II/2019), 6.
[139] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 273: AAS 105 (2013), 1130.
[140] São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 15: AAS 59 (1967), 265.
[141] Meditação de Semana Santa para jovens, escrita em 1946 a bordo dum navio de carga quando regressava dos Estados Unidos: https://www.padrealbertohurtado.cl/escritos-2/.
[142] Francisco, Encontro com os jovens da Úmbria (Assis 4 de outubro de 2013): AAS 105 (2013), 921.
[143] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de 2016), 150: AAS 108 (2016), 369.
[144] Francisco, Audiência a jovens da diocese de Grenoble-Viena (17 de setembro de 2018): L’Osservatore Romano (19/IX/2018), 8.
[145] DF 32.
[146] Francisco, Encontro com os voluntários da XXVIII Jornada Mundial da Juventude (Rio de Janeiro 28 de julho de 2013): Insegnamenti, I,2 (2013), 125.
[147] Conferência Episcopal da Colômbia, Mensagem cristã sobre o Matrimónio (14 de maio de 1981).
[148] Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, Filhos e filhas da luz: Um plano pastoral para o ministério com jovens adultos (12 de novembro de 1996), I, 3.
[149] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 128: AAS 107 (2015), 898.
[150] Ibid., 125: o. c., 897.
[151] DF 40.
[152] Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de março de 2018), 167.
[153] Ibid., 168.
[154] Ibid., 170.
[155] DF 108.
[156] Ibid., 108.
[157] Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de março de 2018), 171.
[158] Ibid., 172.
[159] Francisco, Discurso na Vigília de Oração de preparação para a XXXIV Jornada Mundial da Juventude (Roma – Basílica de Santa Maria Maior 8 de abril de 2017): AAS 109 (2017), 447.
[160] Romano Guardini, As idades da vida: Opera omnia, IV (Brescia 2015), 209.
[161] Cf. Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de março de 2018), 169.
[162] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 222: AAS 105 (2013), 1111.
[163] São João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de março de 1992), 10: AAS 84 (1992), 672.
[164] Francisco, Encontro e oração com jovens italianos, no Circo Máximo de Roma (11 de agosto de 2018): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 23/VIII/2018), 


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