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14 de abril de 2017

O Processo de Cristo

Sentir o Direito Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal

O Processo de Cristo

O processo de Cristo não foi injusto só por razões intemporais – foi-o também como processo contra um homem do seu tempo, à luz do direito aplicável. As razões da acusação, conduzida por Herodes, revelam um aproveitamento da ocupação romana pelos representantes políticos dos judeus, para impedir qualquer contestação à interpretação oficial da sua lei.
 Os "crimes" de Cristo têm caráter religioso. Jesus foi acusado de interpretar a lei num sentido não ritualista, associado à ética, fazer milagres ao sábado, conviver com pessoas de "maus costumes" e se assumir como rei de um reino diferente. A lei do seu povo, que o condenou, tornou-se prepotente e contraditória com o seu sentido último: a salvação.
O processo de Cristo foi ainda injusto porque os romanos, detentores do poder político, se demitiram de intervir. Pilatos portou-se como precursor do moderno multiculturalismo, admitindo que Jesus fosse julgado segundo critérios injustos à luz dos seus próprios padrões morais, culturais e jurídicos. A razão de Estado e a pura cobardia vergaram a Justiça.
O que se perceciona, numa perspetiva histórica, é que Jesus foi injustamente condenado em qualquer tempo e no seu tempo. Prevaleceu, no julgamento, uma conceção do Direito como lei ritual, isenta de justificação e compatível com qualquer conteúdo. A injustiça residiu na profunda divergência entre a lei formal e o sentido último do Direito e da Justiça.
As autoridades judaicas, que não podiam proferir uma condenação à morte, remeteram para a lei romana e esta, apesar de não encontrar nenhuma culpa em Jesus, pois Pilatos reconheceu a sua inocência, remeteu para a lei judaica. A lei que condenou Cristo não existia – foi criada pelo interesse político, que juntou a perversão de uns com a omissão de outros.
A condenação de Cristo revela arquétipos do processo penal que devemos rejeitar. Não podemos permitir que convicções baseadas em interesses privados manipulem os processos judiciais, sujeitem os tribunais a uma autêntica coação e criem o ambiente propício a uma definição do Direito que esteja para além das razões e dos valores da Ordem Jurídica.
Aos juristas – sejam magistrados, advogados ou professores de Direito –, resta não cair na tentação de Pilatos e impor a lógica do Direito de acordo com os critérios da sua validade, como fez Thomas Morus com o sacrifício da sua própria vida. Quem se aventure numa carreira jurídica tem de vencer quaisquer tentações de politização e de tecnicismo vazio.
(Coluna segundo as regras do Acordo Ortográfico)

(in Correio da Manhã [on line], Domingo, 8 de Abril de 2012) 


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