Retalhos Como Francisco e Clara de Assis, a Fraternidade a todos saúda em Paz e Bem!Retalhos

3 de janeiro de 2013

2013 - Mensagem de Ano Novo de Bento XVI

Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa Paz!




MENSAGEM DE SUA SANTIDADE

BENTO XVI

PARA A CELEBRAÇÃO DO

XLVI DIA MUNDIAL DA PAZ

1 DE JANEIRO DE 2013



BEM-AVENTURADOS OS OBREIROS DA PAZ

1. Cada ano novo traz consigo a expectativa de um mundo melhor. Nesta perspectiva, peço a Deus, Pai da humanidade, que nos conceda a concórdia e a paz a fim de que possam tornar-se realidade, para todos, as aspirações duma vida feliz e próspera.

À distância de 50 anos do início do Concílio Vaticano II, que permitiu dar mais força à missão da Igreja no mundo, anima constatar como os cristãos, Povo de Deus em comunhão com Ele e caminhando entre os homens, se comprometem na história compartilhando alegrias e esperanças, tristezas e angústias,[1] anunciando a salvação de Cristo e promovendo a paz para todos.

Na realidade o nosso tempo, caracterizado pela globalização, com seus aspectos positivos e negativos, e também por sangrentos conflitos ainda em curso e por ameaças de guerra, requer um renovado e concorde empenho na busca do bem comum, do desenvolvimento de todo o homem e do homem todo.

Causam apreensão os focos de tensão e conflito causados por crescentes desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma mentalidade egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro desregrado. Além de variadas formas de terrorismo e criminalidade internacional, põem em perigo a paz aqueles fundamentalismos e fanatismos que distorcem a verdadeira natureza da religião, chamada a favorecer a comunhão e a reconciliação entre os homens.

E no entanto as inúmeras obras de paz, de que é rico o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Em cada pessoa, o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo, com o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem sucedida. Por outras palavras, o desejo de paz corresponde a um princípio moral fundamental, ou seja, ao dever-direito de um desenvolvimento integral, social, comunitário, e isto faz parte dos desígnios que Deus tem para o homem. Na verdade, o homem é feito para a paz, que é dom de Deus.

Tudo isso me sugeriu buscar inspiração, para esta Mensagem, às palavras de Jesus Cristo: «Bem-aventurados os obreiros da paz, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).

A bem-aventurança evangélica

2. As bem-aventuranças proclamadas por Jesus (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23) são promessas. Com efeito, na tradição bíblica, a bem-aventurança é um género literário que traz sempre consigo uma boa nova, ou seja um evangelho, que culmina numa promessa. Assim, as bem-aventuranças não são meras recomendações morais, cuja observância prevê no tempo devido – um tempo localizado geralmente na outra vida – uma recompensa, ou seja, uma situação de felicidade futura; mas consistem sobretudo no cumprimento duma promessa feita a quantos se deixam guiar pelas exigências da verdade, da justiça e do amor. Frequentemente, aos olhos do mundo, aqueles que confiam em Deus e nas suas promessas aparecem como ingénuos ou fora da realidade; ao passo que Jesus lhes declara que já nesta vida – e não só na outra – se darão conta de serem filhos de Deus e que, desde o início e para sempre, Deus está totalmente solidário com eles. Compreenderão que não se encontram sozinhos, porque Deus está do lado daqueles que se comprometem com a verdade, a justiça e o amor. Jesus, revelação do amor do Pai, não hesita em oferecer-Se a Si mesmo em sacrifício. Quando se acolhe Jesus Cristo, Homem-Deus, vive-se a jubilosa experiência de um dom imenso: a participação na própria vida de Deus, isto é, a vida da graça, penhor duma vida plenamente feliz. De modo particular, Jesus Cristo dá-nos a paz verdadeira, que nasce do encontro confiante do homem com Deus.

A bem-aventurança de Jesus diz que a paz é, simultaneamente, dom messiânico e obra humana. Na verdade, a paz pressupõe um humanismo aberto à transcendência; é fruto do dom recíproco, de um mútuo enriquecimento, graças ao dom que provém de Deus e nos permite viver com os outros e para os outros. A ética da paz é uma ética de comunhão e partilha. Por isso, é indispensável que as várias culturas de hoje superem antropologias e éticas fundadas sobre motivos teorico-práticos meramente subjectivistas e pragmáticos, em virtude dos quais as relações da convivência se inspiram em critérios de poder ou de lucro, os meios tornam-se fins, e vice-versa, a cultura e a educação concentram-se apenas nos instrumentos, na técnica e na eficiência. Condição preliminar para a paz é o desmantelamento da ditadura do relativismo e da apologia duma moral totalmente autónoma, que impede o reconhecimento de quão imprescindível seja a lei moral natural inscrita por Deus na consciência de cada homem. A paz é construção em termos racionais e morais da convivência, fundando-a sobre um alicerce cuja medida não é criada pelo homem, mas por Deus. Como lembra o Salmo 29, « o Senhor dá força ao seu povo; o Senhor abençoará o seu povo com a paz » (v. 11).

A paz: dom de Deus e obra do homem

3. A paz envolve o ser humano na sua integridade e supõe o empenhamento da pessoa inteira: é paz com Deus, vivendo conforme à sua vontade; é paz interior consigo mesmo, e paz exterior com o próximo e com toda a criação. Como escreveu o Beato João XXIII na Encíclica Pacem in terris – cujo cinquentenário terá lugar dentro de poucos meses –, a paz implica principalmente a construção duma convivência humana baseada na verdade, na liberdade, no amor e na justiça.[2] A negação daquilo que constitui a verdadeira natureza do ser humano, nas suas dimensões essenciais, na sua capacidade intrínseca de conhecer a verdade e o bem e, em última análise, o próprio Deus, põe em perigo a construção da paz. Sem a verdade sobre o homem, inscrita pelo Criador no seu coração, a liberdade e o amor depreciam-se, a justiça perde a base para o seu exercício.

Para nos tornarmos autênticos obreiros da paz, são fundamentais a atenção à dimensão transcendente e o diálogo constante com Deus, Pai misericordioso, pelo qual se implora a redenção que nos foi conquistada pelo seu Filho Unigénito. Assim o homem pode vencer aquele germe de obscurecimento e negação da paz que é o pecado em todas as suas formas: egoísmo e violência, avidez e desejo de poder e domínio, intolerância, ódio e estruturas injustas.

A realização da paz depende sobretudo do reconhecimento de que somos, em Deus, uma úni-ca família humana. Esta, como ensina a Encíclica Pacem in terris, está estruturada mediante relações interpessoais e instituições sustentadas e anima¬das por um «nós» comunitário, que implica uma ordem moral, interna e externa, na qual se reconheçam sinceramente, com verdade e justiça, os próprios direitos e os próprios deveres para com os demais. A paz é uma ordem de tal modo vivificada e integrada pelo amor, que se sentem como próprias as necessidades e exigências alheias, que se fazem os outros comparticipantes dos próprios bens e que se estende sempre mais no mundo a comunhão dos valores espirituais. É uma ordem realizada na liberdade, isto é, segundo o modo que corresponde à dignidade de pessoas que, por sua própria natureza racional, assumem a responsabilidade do próprio agir.[3]

A paz não é um sonho, nem uma utopia; a paz é possível. Os nossos olhos devem ver em profundidade, sob a superfície das aparências e dos fenómenos, para vislumbrar uma realidade positiva que existe nos corações, pois cada homem é criado à imagem de Deus e chamado a crescer contribuindo para a edificação dum mundo novo. Na realidade, através da encarnação do Filho e da redenção por Ele operada, o próprio Deus entrou na história e fez surgir uma nova criação e uma nova aliança entre Deus e o homem (cf. Jr 31, 31-34), oferecendo-nos a possibilidade de ter « um coração novo e um espírito novo » (cf. Ez 36, 26).

Por isso mesmo, a Igreja está convencida de que urge um novo anúncio de Jesus Cristo, primeiro e principal factor do desenvolvimento integral dos povos e também da paz. Na realidade, Jesus é a nossa paz, a nossa justiça, a nossa reconciliação (cf. Ef 2, 14; 2 Cor 5, 18). O obreiro da paz, segundo a bem-aventurança de Jesus, é aquele que procura o bem do outro, o bem pleno da alma e do corpo, no tempo presente e na eternidade.

A partir deste ensinamento, pode-se deduzir que cada pessoa e cada comunidade – religiosa, civil, educativa e cultural – é chamada a trabalhar pela paz. Esta consiste, principalmente, na realização do bem comum das várias sociedades, primárias e intermédias, nacionais, internacionais e a mundial. Por isso mesmo, pode-se supor que os caminhos para a implementação do bem comum sejam também os caminhos que temos de seguir para se obter a paz.

Obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem a vida na sua integridade

4. Caminho para a consecução do bem comum e da paz é, antes de mais nada, o respeito pela vida humana, considerada na multiplicidade dos seus aspectos, a começar da concepção, passando pelo seu desenvolvimento até ao fim natural. Assim, os verdadeiros obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem a vida humana em todas as suas dimensões: pessoal, comunitária e transcendente. A vida em plenitude é o ápice da paz. Quem deseja a paz não pode tolerar atentados e crimes contra a vida.

Aqueles que não apreciam suficientemente o valor da vida humana, chegando a defender, por exemplo, a liberalização do aborto, talvez não se dêem conta de que assim estão a propor a prossecução duma paz ilusória. A fuga das responsabilidades, que deprecia a pessoa humana, e mais ainda o assassinato de um ser humano indefeso e inocente nunca poderão gerar felicidade nem a paz. Na verdade, como se pode pensar em realizar a paz, o desenvolvimento integral dos povos ou a própria salvaguarda do ambiente, sem estar tutelado o direito à vida dos mais frágeis, a começar pelos nascituros? Qualquer lesão à vida, de modo especial na sua origem, provoca inevitavelmente danos irreparáveis ao desenvolvimento, à paz, ao ambiente. Tão-pouco é justo codificar ardilosamente falsos direitos ou opções que, baseados numa visão redutiva e relativista do ser humano e com o hábil recurso a expressões ambíguas tendentes a favorecer um suposto direito ao aborto e à eutanásia, ameaçam o direito fundamental à vida.

Também a estrutura natural do matrimónio, como união entre um homem e uma mulher, deve ser reconhecida e promovida contra as tentativas de a tornar, juridicamente, equivalente a formas radicalmente diversas de união que, na realidade, a prejudicam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu carácter peculiar e a sua insubstituível função social.

Estes princípios não são verdades de fé, nem uma mera derivação do direito à liberdade religiosa; mas estão inscritos na própria natureza humana – sendo reconhecíveis pela razão – e consequentemente comuns a toda a humanidade. Por conseguinte, a acção da Igreja para os promover não tem carácter confessional, mas dirige-se a todas as pessoas, independentemente da sua filiação religiosa. Tal acção é ainda mais necessária quando estes princípios são negados ou mal entendidos, porque isso constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana, uma ferida grave infligida à justiça e à paz.

Por isso, uma importante colaboração para a paz é dada também pelos ordenamentos jurídicos e a administração da justiça quando reconhecem o direito ao uso do princípio da objecção de consciência face a leis e medidas governamentais que atentem contra a dignidade humana, como o aborto e a eutanásia.

Entre os direitos humanos basilares mesmo para a vida pacífica dos povos, conta-se o direito dos indivíduos e comunidades à liberdade religiosa. Neste momento histórico, torna-se cada vez mais importante que este direito seja promovido não só negativamente, como liberdade de – por exemplo, de obrigações e coacções quanto à liberdade de escolher a própria religião –, mas também positivamente, nas suas várias articulações, como liberdade para: por exemplo, para testemunhar a própria religião, anunciar e comunicar a sua doutrina; para realizar actividades educativas, de beneficência e de assistência que permitem aplicar os preceitos religiosos; para existir e actuar como organismos sociais, estruturados de acordo com os princípios doutrinais e as finalidades institucionais que lhe são próprias. Infelizmente vão-se multiplicando, mesmo em países de antiga tradição cristã, os episódios de intolerância religiosa, especialmente contra o cristianismo e aqueles que se limitam a usar os sinais identificadores da própria religião.

O obreiro da paz deve ter presente também que as ideologias do liberalismo radical e da tecnocracia insinuam, numa percentagem cada vez maior da opinião pública, a convicção de que o crescimento económico se deve conseguir mesmo à custa da erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da sociedade civil, bem como dos direitos e deveres sociais. Ora, há que considerar que estes direitos e deveres são fundamentais para a plena realização de outros, a começar pelos direitos civis e políticos.

E, entre os direitos e deveres sociais actualmente mais ameaçados, conta-se o direito ao trabalho. Isto é devido ao facto, que se verifica cada vez mais, de o trabalho e o justo reconhecimento do estatuto jurídico dos trabalhadores não serem adequadamente valorizados, porque o crescimento económico dependeria sobretudo da liberdade total dos mercados. Assim o trabalho é considerado uma variável dependente dos mecanismos económicos e financeiros. A propósito disto, volto a afirmar que não só a dignidade do homem mas também razões económicas, sociais e políticas exigem que se continue « a perseguir como prioritário o objectivo do acesso ao trabalho para todos, ou da sua manutenção ».[4] Para se realizar este ambicioso objectivo, é condição preliminar uma renovada apreciação do trabalho, fundada em princípios éticos e valores espirituais, que revigore a sua concepção como bem fundamental para a pessoa, a família, a sociedade. A um tal bem corresponde um dever e um direito, que exigem novas e ousadas políticas de trabalho para todos.

Construir o bem da paz através de um novo modelo de desenvolvimento e de economia

5. De vários lados se reconhece que, hoje, é necessário um novo modelo de desenvolvimento e também uma nova visão da economia. Quer um desenvolvimento integral, solidário e sustentável, quer o bem comum exigem uma justa escala de bens-valores, que é possível estruturar tendo Deus como referência suprema. Não basta ter à nossa disposição muitos meios e muitas oportunidades de escolha, mesmo apreciáveis; é que tanto os inúmeros bens em função do desenvolvimento como as oportunidades de escolha devem ser empregues de acordo com a perspectiva duma vida boa, duma conduta recta, que reconheça o primado da dimensão espiritual e o apelo à realização do bem comum. Caso contrário, perdem a sua justa valência, acabando por erguer novos ídolos.

Para sair da crise financeira e económica actual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo económico. O modelo que prevaleceu nas últimas décadas apostava na busca da maximização do lucro e do consumo, numa óptica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra perspectiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento económico suportável, isto é, autenticamente humano tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom. [5] Concretamente na actividade económica, o obreiro da paz aparece como aquele que cria relações de lealdade e reciprocidade com os colaboradores e os colegas, com os clientes e os usuários. Ele exerce a actividade económica para o bem comum, vive o seu compromisso como algo que ultrapassa o interesse próprio, beneficiando as gerações presentes e futuras. Deste modo sente-se a trabalhar não só para si mesmo, mas também para dar aos outros um futuro e um trabalho dignos.

No âmbito económico, são necessárias – especialmente por parte dos Estados – políticas de desenvolvimento industrial e agrícola que tenham a peito o progresso social e a universalização de um Estado de direito e democrático. Fundamental e imprescindível é também a estruturação ética dos mercados monetário, financeiro e comercial; devem ser estabilizados e melhor coordenados e controlados, de modo que não causem dano aos mais pobres. A solicitude dos diversos obreiros da paz deve ainda concentrar-se – com mais determinação do que tem sido feito até agora – na consideração da crise alimentar, muito mais grave do que a financeira. O tema da segurança das provisões alimentares voltou a ser central na agenda política internacional, por causa de crises relacionadas, para além do mais, com as bruscas oscilações do preço das matérias-primas agrícolas, com comportamentos irresponsáveis por parte de certos agentes económicos e com um controle insuficiente por parte dos Governos e da comunidade internacional. Para enfrentar semelhante crise, os obreiros da paz são chamados a trabalhar juntos em espírito de solidariedade, desde o nível local até ao internacional, com o objectivo de colocar os agricultores, especialmente nas pequenas realidades rurais, em condições de poderem realizar a sua actividade de modo digno e sustentável dos pontos de vista social, ambiental e económico.

Educação para uma cultura da paz: o papel da família e das instituições

6. Desejo veementemente reafirmar que os diversos obreiros da paz são chamados a cultivar a paixão pelo bem comum da família e pela justiça social, bem como o empenho por uma válida educação social.

Ninguém pode ignorar ou subestimar o papel decisivo da família, célula básica da sociedade, dos pontos de vista demográfico, ético, pedagógico, económico e político. Ela possui uma vocação natural para promover a vida: acompanha as pessoas no seu crescimento e estimula-as a enriquecerem-se entre si através do cuidado recíproco. De modo especial, a família cristã guarda em si o primordial projecto da educação das pessoas segundo a medida do amor divino. A família é um dos sujeitos sociais indispensáveis para a realização duma cultura da paz. É preciso tutelar o direito dos pais e o seu papel primário na educação dos filhos, nomeadamente nos âmbitos moral e religioso. Na família, nascem e crescem os obreiros da paz, os futuros promotores duma cultura da vida e do amor. [6]

Nesta tarefa imensa de educar para a paz, estão envolvidas de modo particular as comunidades dos crentes. A Igreja toma parte nesta grande responsabilidade através da nova evangelização, que tem como pontos de apoio a conversão à verdade e ao amor de Cristo e, consequentemente, o renascimento espiritual e moral das pessoas e das sociedades. O encontro com Jesus Cristo plasma os obreiros da paz, comprometendo-os na comunhão e na superação da injustiça.

Uma missão especial em prol da paz é desempenhada pelas instituições culturais, escolásticas e universitárias. Delas se requer uma notável contribuição não só para a formação de novas gerações de líderes, mas também para a renovação das instituições públicas, nacionais e internacionais. Podem também contribuir para uma reflexão científica que radique as actividades económicas e financeiras numa sólida base antropológica e ética. O mundo actual, particularmente o mundo da política, necessita do apoio dum novo pensamento, duma nova síntese cultural, para superar tecnicismos e harmonizar as várias tendências políticas em ordem ao bem comum. Este, visto como conjunto de relações interpessoais e instituições positivas ao serviço do crescimento integral dos indivíduos e dos grupos, está na base de toda a verdadeira educação para a paz.

Uma pedagogia do obreiro da paz

7. Concluindo, há necessidade de propor e promover uma pedagogia da paz. Esta requer uma vida interior rica, referências morais claras e válidas, atitudes e estilos de vida adequados. Com efeito, as obras de paz concorrem para realizar o bem co¬mum e criam o interesse pela paz, educando para ela. Pensamentos, palavras e gestos de paz criam uma mentalidade e uma cultura da paz, uma atmos¬fera de respeito, honestidade e cordialidade. Por isso, é necessário ensinar os homens a amarem-se e educarem-se para a paz, a viverem mais de benevolência que de mera tolerância. Incentivo fundamental será « dizer não à vingança, reconhecer os próprios erros, aceitar as desculpas sem as buscar e, finalmente, perdoar »,[7] de modo que os erros e as ofensas possam ser verdadeiramente reconhecidos a fim de caminhar juntos para a reconciliação. Isto requer a difusão duma pedagogia do perdão. Na realidade, o mal vence-se com o bem, e a justiça deve ser procurada imitando a Deus Pai que ama todos os seus filhos (cf. Mt 5, 21-48). É um trabalho lento, porque supõe uma evolução espiritual, uma educação para os valores mais altos, uma visão nova da história humana. É preciso renunciar à paz falsa, que prometem os ídolos deste mundo, e aos perigos que a acompanham; refiro-me à paz que torna as consciências cada vez mais insensíveis, que leva a fechar-se em si mesmo, a uma existência atrofiada vivida na indiferença. Ao contrário, a pedagogia da paz implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e perseverança.

Jesus encarna o conjunto destas atitudes na sua vida até ao dom total de Si mesmo, até «perder a vida» (cf. Mt 10, 39; Lc 17, 33; Jo 12, 25). E promete aos seus discípulos que chegarão, mais cedo ou mais tarde, a fazer a descoberta extraordinária de que falamos no início: no mundo, está presente Deus, o Deus de Jesus Cristo, plenamente solidário com os homens. Neste contexto, apraz-me lembrar a oração com que se pede a Deus para fazer de nós instrumentos da sua paz, a fim de levar o seu amor onde há ódio, o seu perdão onde há ofensa, a verdadeira fé onde há dúvida. Por nossa vez pedimos a Deus, juntamente com o Beato João XXIII, que ilumine os responsáveis dos povos para que, junto com a solicitude pelo justo bem-estar dos próprios concidadãos, garantam e defendam o dom precioso da paz; inflame a vontade de todos para superarem as barreiras que dividem, reforçarem os vínculos da caridade mútua, compreenderem os outros e perdoarem aos que lhes tiverem feito injúrias, de tal modo que, em virtude da sua acção, todos os povos da terra se tornem irmãos e floresça neles e reine para sempre a tão suspirada paz.[8]

Com esta invocação, faço votos de que todos possam ser autênticos obreiros e construtores da paz, para que a cidade do homem cresça em concórdia fraterna, na prosperidade e na paz.

Vaticano, 8 de Dezembro de 2012.



BENEDICTUS PP XVI



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[1] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 1.4

[2] Cf. Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS 55 (1963), 265-266.7

[3] Cf. ibidem: o. c., 266.9

[4] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 32: AAS 101 (2009), 666-667.13

[5] Cf. ibid., 34.36: o. c., 668-670.671-672.15

[6] Cf. João Paulo II, Mensagem para o Dia Mundial da paz de 1994 (8 de Dezembro de 1993): AAS 86 (1994), 156-162.17

[7] Bento XVI, Discurso por ocasião do Encontro com os membros do Governo, das instituições da República, com o Corpo Diplomático, os líderes religiosos e representantes do mundo da cultura (Baabda-Líbano, 15 de Setembro de 2012): L’Osservatore Romano (ed. port. de 23/IX/ 2012), 7.18

[8] Cf. Carta enc. Pacem in terris (11 de Abril de 1963): AAS 55 (1963), 304.19





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25 de dezembro de 2012

Natal do Senhor

21 de dezembro de 2012

Encontro com Cristo, da Quaresma ao Advento

Encontro com Cristo - da Quaresma ao Advento e do Advento à Quaresma

É tempo de oração, de reflexão, de partilha, de dar espaço a Deus no mundo em que vivemos. De recomeço em recomeço é possível abrirmo-nos à dimensão espiritual da vida pessoal e fraterna e glorificar o Senhor, em Jesus Cristo, que incessantemente, como na ceia pascal, ensina-nos a acolhe-Lo na sua Encarnação diária e quotidiana e a servi-Lo nos irmãos. Publicam-se, em tempo de Advento,  as notas que registámos do retiro quaresmal da Fraternidade. À Glória de Cristo. Ámen.          





RETIRO QUARESMAL - Padre João Lourenço

1. Tempo de oração

Salmos 91 (Deus Criador) e 8 (A majestade do Senhor e a dignidade do homem).Testamento de S. Francisco.

1.1. Construir uma dimensão fraterna de vida. Esta dimensão faz-se por, com e em Cristo. É uma disponibilidade interior. E o empenho só será sério se nos levar ao encontro com Cristo Pascal. Viver segundo a forma do Santo Evangelho é um dinamismo de procura. A OFS não é um refúgio é uma procura. Um dinamismo de procura, de despojamento de se deixar encontrar pelo Evangelho de NSJC. É um momento de encontro connosco, com Deus e com os outros. Somos uma presença no mundo mas não vinculados ao mundo. A Quaresma é um tempo de encontro connosco, de nos refazermos, de tesourada, de poda, de desladroar. É assim um tempo de encontro connosco, com Deus e com os outros.

1.2. Procuramos o quê? O consumo? A facilidade?

1.3. Francisco encontrou na misericórdia de Deus, na dor com os outros, no sofrimento dos injustiçados o Evangelho de NSJC.

1.4. A Fraternidade é um ponto de chegada e não de partida depois do encontro consigo; com Deus e com os outros.

Preces: Socorrei-nos Senhor com a vossa graça

- Conservar sem mancha os nossos corpos para que sejam digna morada do Espírito Santo

- Despertai em nós, desde a manhã, o desejo de nos sacrificarmos pelos nossos irmãos e de cumprirmos a vossa vontade em todas as atividades deste dia.

- Ensinai-nos a procurar sempre o pão da vida eterna, que Vós ofereceis cada dia.

- Interceda por nós a Mãe Santíssima, refúgio dos pecadores, para alcançarmos o perdão dos nossos pecados.

2. Tempo de reflexão

a. 1º CONFERÊNCIA - Deixa a tua terra… e parte

Sacrifício de Isaac marca o início de uma caminhada de fé. É o texto da mudança de uma forma de ser e de estar. Marca o compromisso de uma vivência pessoal.

Deixa-te para seres uma pessoa nova, uma outra realidade. Parte e eu farei de ti um anúncio, um testemunho, uma nova fraternidade. O que significa partir? Ser peregrino, desinstalado. Partir para ouvir a voz de Deus. Capacidade permanente de procura de Deus, de renúncia. Não fugir, aceitar, acolher e pôr-se a caminho. Vai à procura de uma nova terra, dos outros, da fraternidade. Este chamamento é importante, pressupõe uma liberdade interior e disponibilidade do coração.

Os caminhos de Deus requerem aceitação querida (faça-se). Aceitar partir significa criar uma dimensão espiritual de vida. A gratuidade, a generosidade da nossa entrega é a nossa grandeza. Aqui encontramos a liberdade interior para um novo mundo: o da infinitude, de um horizonte largo.

“Farei de ti…” Força da fraternidade, sinal do Reino, para sermos nós. Fraternidade plena. Deixar para nos abrirmos a Deus, à sua força. Só com ele pode ser significativo construir algo significativo. Não existem certezas.

Que a nossa sombra não seja o limite de nós próprios. Saber escutar o apelo. Ir para além de nós próprios. Aceitar o desafio capacita-nos. Ousadia e atrevimento de nos deixarmos conduzir por algo.

Discípulos: “Vinde e farei de vós pescadores de homens.”Jovem rico. Parte. Deus dá-nos uma ordem. Não há lugar para recusas. Deus impõe-se de cima. A misericórdia de Deus está sempre associada ao chamamento. A certeza de Deus é o sustentáculo da nossa caminhada. “Ap. Estou à porta e chamo se me abrires a porta entrarei em tua casa e cearei contigo.”Aceitar a vontade de Deus porque Ele nos habilita para isso. Deus providenciará. Gratuidade e disponibilidade amorosa.

Não nos podemos recriar na nossa auto – suficiência, no consumo, na fantasia, no imediato, na nossa vontade (maior ídolo), na superficialidade e no endeusarmo-nos por nada, nos amigos (manipulação). Deixar a terra árida que somos e tornarmo-nos plenos de Deus. Nós somos o primeiro Deus de nós próprios. Não aceitamos que Deus nos mostre outra terra.

A verdadeira fé ouve os apelos de Deus a partir de fora.

b. 2ª Conferência - Vai e repara a minha Igreja

Acolher o apelo para partir é fazer a experiência da paternidade divina. Refazer a Igreja significa reconstruir algo de novo. Sentiu a sua Filialidade como dom da paternidade de Deus.

Em despojamento. Agora possa dizer verdadeiramente: Meu Pai! Intimidade profunda entre Deus e Francisco. Vive esta atitude de uma forma radical. Atitude de fé e entrega. Francisco vai traduzir a Fraternidade Universal pela experiência da paternidade divina e esta realidade faz com que todos sejam irmãos. É algo que assume sem reservas. È uma dimensão radical da vida. Vai e repara a minha Igreja. Reconstrução da comunhão fraterna, uma Igreja fraterna que passasse pelos corações. Este é um apelo para nós. Deus quer reconstruir esta casa de comunhão que nós chamamos fraternidade.

Deixar que este apelo entre nas nossas vidas. Tem de ser um apelo comunitário. O Senhor envolve-nos com os outros. Nova Terra – comunhão com o Senhor, com os outros. Francisco parte à procura de uma nova identidade fraterna. Confrontar esta realidade com a nova maneira de ser. Encontramo-nos numa sociedade ferida, como muralha impenetrável que faz com que nos ignoremos uns aos outros. As tecnologias isolam-nos, não nos fazem dialogar. Olhemos o isolamento em que vivemos. Gente que perdeu a capacidade de se relacionar. Fugimos do outro. A proximidade não é real. E o pior é que o isolamento se tornou normalidade.

A fraternidade universal é expressão da paternidade divina e faz com que todos sejam irmãos. Reconstrução da comunhão fraterna. Nova terra é uma nova identidade fraterna. O grave é que o isolamento tornou-se normalidade.

Que respostas temos para esta realidade? Como vivemos no meio do nosso mundo? Como reparamos?

Tudo o que não é construído em comunhão, em fraternidade é instável. Não é verdadeiramente uma casa.

Como podemos contribuir?

-Testemunho (experiência de vida maravilhosa);

- Fraternidade (é sinal visível?)

- Espaço de construção fraterna que possa acolher e deixar-se acolher.

- As nossas fraternidades têm a marca de Francisco de Assis? Acolhemos? Não somos todos reféns da situação que vivemos? Este testemunho não tem a vitalidade que devia ter porque não agimos em sintonia.

- Agir em sintonia

- Reconstruir a partilha e a comunhão em vez da proeminência. Como acolhemos este apelo? Construir comunidade de uma forma transparente (fugimos) temos pouca humildade para acolher as ideias dos outros. Isso não é uma dimensão fraterna.

- Pouca humildade para acolher as ideias dos outros. Somos peregrinos da verdade e não detentores da verdade. Assumir as nossas fragilidades e as dos outros. Soberba, vácua presunção da verdade. Fragilidade de quem procura e busca.

A nossa vocação só se realiza pela fraternidade. Viver o Evangelho em FRATERNIDADE.

A vocação da OFS é viver o Evangelho em Fraternidade.

QUAL O MEU CONTRIBUTO NA CONSTRUÇÃO DA FRATERNIDADE? COMO ME DOU?

Voltando-nos uns para os outros para mutuamente nos amarmos como disso nos deu o exemplo o Senhor). É O EXEMPLO.

As nossas Fraternidades são um espaço de encontro com Cristo?

O outro é um irmãos em Cristo? (refazer-se uns aos outros – Empenhar-se na descoberta de caminhos novos de comunhão /reencontrarmo-nos como irmãos para ir reconstruir a sua Igreja.

Como?

Estabelecer uma relação íntima com Deus. Partir sem olhar a medos mas em entrega. Deixar-se enamorar por Cristo como Francisco. Basta-te a minha graça.

Eco do apelo de Deus à comunhão fraterna: “Amarás.” Dimensão pessoal e fraterna

As nossas Fraternidades são um espaço de encontro com Cristo?

Por onde começar?

1. Recomeçar pela dimensão fraterna (Dinamismo – o individualismo é um esconderijo, um refúgio). Procurar a verdade fraterna. Só a verdade nos empenha/desprendimento/entrega/ empenho.

2. Partilha espiritual é fundamental (condição fraterna, abertura ao outro).
3. Luta contra a resignação – Alegria da Fraternidade.

4. Atitude dinâmica, oblativa, dinâmica.

5. Obra de todos, construída por todos e aberta a todos

6. A Fraternidade não é um património é uma vida constante.

7. Formação permanente – atitude de crescimento

8. Fazer da comunhão fraterna a reconstrução da Igreja.

9. Compromisso. Exigência. Renúncia

10. Restaurar a inquietação interior (novas formas de vida).

11. Cada um é um projeto de Fraternidade e é assim que temos de aparecer no mundo.

12. O paradigma da Comunhão Fraterna é Francisco de Assis

Basta-te a minha graça (S. Paulo)

8 de dezembro de 2012

Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria


Festa da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria


"Na sua Conceição Imaculada, Maria recebeu a benção do Senhor e a misericórdia de Deus seu Salvador.”

Em homenagem à Virgem Santa Maria e a Santa Clara, “Herdeiras de uma bênção”, transcreve-se o capítulo 17 da obra de Gadi Bosh Pons, OSC, “Chamo-me CLARA DE ASSIS”, Editorial Franciscana – 2011, págs. 103 a 107

"À medida que se aproxima o final da vida, queremos comunicar a experiência adquirida com o tempo. Desejamos manifestar aos que estão próximos o que dá sentido à nossa vida. E fazemo-lo com simplicidade e com a verdade que mana do mais profundo do coração. Quando este momento de verdade chegou à nossa irmã Clara, do seu coração brotou agradecimento e bênção: “o Senhor vos abençoe e vos guarde, vos mostre o seu roste e se compadeça de vós. Volte para vós a sua face e vos dê a paz…”, palavras ternas, impregnadas de orvalho bíblico. Esta Benção que nos legou foi estímulo e apoio para viver o dia-a-dia como dom de Deus e trabalho nosso.

A bênção é para a família franciscana uma maneira de responder e se dirigir ao irmão ou irmã de quem se gosta. A nossa irmã Clara dirigiu-a às irmãs presentes e às que viriam depois, quer dizer, a todas as clarissas do orbe. Com a bênção enlaça o passado, o presente e o futuro num único movimento que nasce de Deus, fonte de vida, sabendo que só Deus pode tornar fecundo qualquer gesto de fraternidade. O coração de Clara e das irmãs une-se ao Pai, ao Filho e ao Espírito, à Vida, à Luz e ao Amor. Se ela se considera a si mesma como a pequena planta de Francisco, irmã e mãe nossa, isso significa que tem consciência da sua missão de ser leito de bênção para os outros. Deseja que cheguem a todos as bençãos espirituais do Deus de entranhas de misericórdia que não cessa de nos abençoar desde a criação.

A bênção da nossa mãe é uma recordação amável e um olhar para o futuro. Orienta-nos através de três eixos fundamentais da fé: o amor, o compromisso e a fidelidade: “Amai sempre a Deus, a vossas almas e a vossas irmãs. Sede solícitas em cumprir o que prometestes ao Senhor”. Orienta-nos progressivamente para o nosso próprio coração, estando no mundo a partir da comunhão com Deus: “O Senhor esteja convosco e faça que vivais sempre em união com Ele. Ámen”.

Ser herdeiras de uma bênção introduz-nos na dinâmica da Ruah divina. Para nós, viver a espiritualidade da bênção significa avivar cada dia a adesão do coração a Jesus, renovar-se, abrir-se, celebrar, alegrar-se, comunicar, partilhar, compromisso com a vida, sensibilidade ecológica…

A adesão pessoal a Jesus é uma atração e uma chamada. Uma graça de Deus e um trabalho da nossa parte. Uma adesão que é amizade, um conhecimento que provém da experiência do trato, da confiança, da relação mantida com o Senhor mediante a oração, a leitura da Escritura, os sacramentos, em especial da participação na Eucaristia. E precisamente porque é uma adesão pessoal, consegue dar o passo de crer não unicamente porque os outros o dizem, nem porque seja favoráveis ou não as circunstâncias externas da sociedade ou da família. É uma adesão por amor, por um conhecimento pessoal de Jesus Ressuscitado que nasce de ter experimentado de alguma maneira a ação do Vivente na própria vida. O amor pessoal é que nos faz pessoas e o seguimento de Jesus arranca desta cordialidade. Seguir a jesus é identificar-se com ele através de um sentimento de pertença. Embora façamos parte de uma família, da Igreja, de um grupo, de uma associação…é a pertença fundamental ao Senhor que nos constitui.

A adesão a Jesus está unida ao acolhimento do outro, passa pelo diálogo. Aproximar-se do outro, passa pelo diálogo. Aproximar-se do outro sem querer ter o exclusivo da verdade, mas dialogando para aprender mutuamente a partir da convivência pacífica e respeitosa. Apesar de às vezes as crenças do outro poderem ser diferentes coincidimos em muitos valores que são património da humanidade.


Viver a espiritualidade da bênção torna-nos respeitosos com a criação. A espiritualidade e a ecologia estão estreitamente relacionadas, e tanto para Santa Clara como para São Francisco, a criação inteira é a casa de todos. Lugar de harmonia e de encontro com o Criador. E convertiam cada criatura em irmã. Louvavam a deus pela mãe terra, pelo sol e a lua, pelo fogo e a água, pelas flores e as estrelas, pelos frutos e a erva… e, sobretudo, pelo homem e a mulher, já que “pela graça de Deus, a alma fiel se torna a mais digna de todas as criaturas, mesmo maior que o Céu; já que os céus e as demais criaturas não podem conter o Criador, só a alma crente se transforma em sua mansão e seu trono pela caridade”.

Viver o dom e o trabalho da espiritualidade da bênção quer dizer também acompanhar os outros a fazer a experiência da fé, desejo positivo, encontro no simples; não apagar o pavio vacilante, viver a alegria do espírito; falar bem de Deus e do outro, escolher um valor que nos construa, um amor que nos dê sentido, um ideal que nos desperte o gosto pela vida…

Adeus, e como costumava dizer soror Clara, desejo-te boa saúde. E encomenda-nos ao Senhor nas tuas fervorosas orações, tanto a mim como a minhas irmãs, que muito nos alegramos, juntas, pelo bem que o senhor opera em ti pela sua graça.” (Gadi Bosh Pons, OSC, “Chamo-me CLARA DE ASSIS”, Editorial Franciscana – 2011, págs. 103 a 107).

A santidade do leigo à luz do Concílio Vaticano II




No dia 17 de novembro de 2012 e integrada no programa da Festa de Santa Isabel da Hungria o Padre Joaquim Carreira das Neves brindou os participantes com uma conferência notável sobre “A santidade do leigo à luz do Concílio Vaticano II”. Começou por interrogar a assembleia sobre o que é isto de ser santo, o que é a santidade e por responder que todos queremos ser santos, todos procuramos a felicidade, a santidade e que esta tem a ver com quem tem fé. Avançou, afirmando que numa sociedade secularizada ser santo é reconhecer-se, perante os não crentes, “bicho raro”, é respeitar a secularidade com os seus valores, é perceber que diante de Deus somos o que somos e é aceitar todos na globalidade, na aldeia global em que vivemos. Prosseguiu, afirmando que há muito híper fenómeno do fenómeno, que se consubstancia nas religiões. Segundo S. Francisco de Assis a santidade é o específico do ser cristão, a santidade é uma posição de alegria e de esperança, a santidade não é pessimista.

Nesta linha, afirmou que os documentos principais do Concílio Vaticano II sobre a santidade dos leigos, são a “Lumen Gentium” (LG) e a “Dei Verbum” (DV) e que estes documentos, que não são um credo, mas que traçam orientações, apresentam o sacramento – como dom de Deus, graça de Deus, veículo da graça, presença real e arquitetura da graça de Deus - do matrimónio, a união esponsal de Cristo com a sua a Igreja, como modelo de santidade para todos os estados de vida: dos casados, sacerdotes, religiosos, viúvos, celibatários, divorciados, operários, pobres e sofredores, fundados na Palavra de Deus concretamente em Gén 2, 24 - “Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne” e carne significa uma só pessoa, sublinhou e em Ef 5,32 - “Grande é este mistério; mas eu interpreto-o em relação a Cristo e à Igreja.

Seguindo de perto LG 41 afirmou que a santidade é a mesma, é igual, para todos e procede da graça do Espírito Santo que pela Palavra se recebe no Batismo. Não há medidas de santidade, ou santidades mais altas, há vocações à perfeição, à santidade do Pai. Os esposos auxiliam-se mutuamente para a santidade, dentro do sacramento do matrimónio, na graça, na vida conjugal, na procriação, exemplo da fecundidade da Igreja - a redução demográfica tem implicações gravíssimas na cultura - e na educação dos filhos, favorecendo a vocação própria de cada um. E corroborou, que a prole é o melhor de uma família. Quanto aos viúvos, celibatários, trabalhadores e sofredores, afirmou que, cada um, segundo o seu estado de vida, tem um dom próprio no Povo de Deus e deve proceder conforme o dom que Deus lhe deu, contribuindo, assim e muito, para a santificação da Igreja. Cristo em união com o Pai continuamente atua para a santificação de todos. E prosseguiu, afirmando que cada um deve progredir pelo caminho da fé, sem desfalecimento, pela fé viva que atua pela caridade, na certeza de que por detrás da Palavra está a “performence” do Espírito Santo. E citou: “Desejaria que todos os homens fossem como eu, mas cada um recebe de Deus o seu próprio carisma, um de uma maneira, outro de outra.”(1 Cor 7,7). E concluiu esta parte afirmando que a caridade, o martírio dos cristãos nos países muçulmanos, os conselhos evangélicos e a santidade no próprio estado de vida favorecem a santidade na Igreja.
Quanto às questões do pecado original e do céu, do inferno e do purgatório, afirmou que como criaturas a questão não reside em ser anjo ou diabo em ir para o céu ou para o inferno, mas na liberdade do Homem. Afirmou que Deus fez-nos na nossa liberdade e esta é que faz a grandeza do Homem. Somos chamados à dimensão espiritual do matrimónio, o que pressupõe a ternura, o afeto, a alegria, a gratidão, o amor indissolúvel que excluiu qualquer espécie de adultério e divórcio. E referiu que é necessário implicar a questão dos divorciados dentro da Igreja. Aliás, citando GS 43, alertou para a necessidade de tomarmos consciência das infidelidades ao Espírito de Deus por parte de membros da Igreja, clérigos ou leigos, e de as combater de modo a que não sejam obstáculo à difusão do Evangelho. E adiantou que os pobres, os que sofrem estão agarrados à cruz de Cristo. Depois de se sofrer um pouco não há ninguém que não esteja agarrado à cruz de Cristo. Todos nos santificamos segundo as condições e circunstâncias da nossa vida. Segundo a atividade temporal de cada um: no trabalho, a operosidade temporal é semente de santidade, na família, onde nasce e prospera a santidade, na amável cooperação entre pais e filhos, na assistência na solidão da velhice e da viuvez, no amor casto dos noivos e no amor indiviso dos esposos, citando GS 49.

Finalmente, reportando-se à ajuda que a Igreja recebe do mundo e não já à ajuda que a Igreja oferece ao mundo e dado o adiantado da hora, afirmou que a Igreja é enriquecida ou santificada com a evolução da vida social (GS 44), concretamente por um intercâmbio, que permite que o anúncio da Palavra de Deus se adapte mais convenientemente aos nossos tempos. E poderia rematar, se o tempo o permitisse, citando GS 44 “Na realidade, todos os que, de acordo com a vontade de Deus, promovem a comunidade humana no plano familiar, cultural, da vida económica e social e também política, seja nacional ou internacional, prestam não pequena ajuda à comunidade eclesial, na medida em que esta depende das realidades exteriores.”

A título de eco da conferência fica-nos a certeza de que “a santidade é possuir o Espírito do Senhor e a sua santa operação”, é a "performence" do Espírito Santo (Rb, 10, 9). Por esta conferência e por tudo, bem - haja, Sr. Padre Joaquim Carreira das Neves.

Após a refeição que se seguiu à conferência e depois da representação da peça “Santa Clara” pela Escola Jacques Ballet, no CCF, a quem agradecemos na pessoa da sua Professora Isabel Jacques, concluímos a Festa com a Eucaristia, cume e fonte da santidade da Igreja, celebrada pelo Assistente da Fraternidade, Padre Domingos Casal de Martins, concelebrada pelo Padre Rui Grácio e pelo Diácono Carlos Miranda, que contou com a presença de numerosos irmãos das Fraternidades Franciscanas Seculares da OFS de Lisboa.

13 de novembro de 2012

Festa de Santa Isabel da Hungria - 17 novembro

22 de outubro de 2012

2º Retiro da Família Franciscana


2º Retiro da Família Franciscana

4 a 9 de Novembro 2012

A Família Franciscana Portuguesa propõe este ano o 2º Retiro para as Franciscanas e Franciscanos, centrado em Santa Clara e orientado por uma Clarissa.

Local: Cúria Provincial das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, Rua Padre Raimundo Beirão, em Fátima.

Orienta: Irmã Vitoria Triviño, OSC

Diária: 30, 00€.

As Inscrições devem ser feitas para o Centro de Franciscanismo, logo que possível.
Família Franciscana Portuguesa

CENTRO DE FRANCISCANISMO

Av. Dr. Dias da Silva, 59

3000-137 COIMBRA

Tel. 239 723 277 - Fax 239 780 639

Email: centrofranciscanismo@gmail.com

15 de outubro de 2012

Ano da Fé - Cristo é o cento e o cosmos da história

Cristo como o centro do cosmos e da história


Homilia de Bento XVI na abertura do Ano da Fé

CIDADE DO VATICANO, sábado, 13 de outubro de 2012(ZENIT.org) - Publicamos a seguir a homilia de Bento XVI realizada na manhã do dia 11, durante a missa celebrada no adro da Basílica de São Pedro para marcar o início do Ano da Fé, no 50 º aniversário da cerimônia de abertura do Concílio Vaticano II.

Venerados Irmãos,

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje, com grande alegria, 50 anos depois da abertura do Concílio Vaticano II, damos início aoAno da fé. Tenho o prazer de saudar a todos vós, especialmente Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca de Constantinopla, e Sua Graça Rowan Williams, Arcebispo de Cantuária. Saúdo também, de modo especial, os Patriarcas e Arcebispos Maiores das Igrejas Orientais católicas, e os Presidentes das Conferências Episcopais. Para fazer memória do Concílio, que alguns dos aqui presentes – a quem saúdo com afeto especial - tivemos a graça de viver em primeira pessoa, esta celebração foi enriquecida com alguns sinais específicos: a procissão inicial, que quis recordar a memorável procissão dos Padres conciliares, quando entraram solenemente nesta Basílica; a entronização do Evangeliário, cópia daquele que foi utilizado durante o Concílio; e a entrega dassete mensagens finais do Concílio e do Catecismo da Igreja Católica, que realizarei no termo desta celebração, antes da Bênção Final. Estes sinais, não nos fazem apenas recordar, mas também nos oferecem a possibilidade de ir além da comemoração. Eles nos convidam a entrar mais profundamente no movimento espiritual que caracterizou o Vaticano II, para que se possa assumi-lo e levá-lo adiante no seu verdadeiro sentido. E este sentido foi e ainda é a fé em Cristo, a fé apostólica, animada pelo impulso interior que leva a comunicar Cristo a cada homem e a todos os homens, no peregrinar da Igreja nos caminhos da história.

O Ano da fé que estamos inaugurando hoje está ligado coerentemente com todo o caminho da Igreja ao longo dos últimos 50 anos: desde o Concílio, passando pelo Magistério do Servo de Deus Paulo VI, que proclamou um "Ano da Fé", em 1967, até chegar ao o Grande Jubileu do ano 2000, com o qual o Bem-Aventurado João Paulo II propôs novamente a toda a humanidade Jesus Cristo como único Salvador, ontem, hoje e sempre. Entre estes dois Pontífices, Paulo VI e João Paulo II, houve uma profunda e total convergência na visão de Cristo como o centro do cosmos e da história, e no ardente desejo apostólico de anunciá-lo ao mundo. Jesus é o centro da fé cristã. O cristão crê em Deus através de Jesus Cristo, que nos revelou a face de Deus. Ele é o cumprimento das Escrituras e seu intérprete definitivo. Jesus Cristo não é apenas o objeto de fé, mas, como diz a Carta aos Hebreus, é aquele «que em nós começa e completa a obra da fé» (Hb 12,2).

O Evangelho de hoje nos fala que Jesus Cristo, consagrado pelo Pai no Espírito Santo, é o verdadeiro e perene sujeito da evangelização. «O Espírito do Senhor está sobre mim, / porque ele me consagrou com a unção / para anunciar a Boa-Nova aos pobres» (Lc 4,18). Esta missão de Cristo, este movimento, continua no espaço e no tempo, ao longo dos séculos e continentes. É um movimento que parte do Pai e, com a força do Espírito, impele a levar a Boa-Nova aos pobres, tanto no sentido material como espiritual. A Igreja é o instrumento primordial e necessário desta obra de Cristo, uma vez que está unida a Ele como o corpo à cabeça. «Como o Pai me enviou, também eu vos envio» (Jo 20,21). Estas foram as palavras do Senhor Ressuscitado aos seus discípulos, que soprando sobre eles disse: «Recebei o Espírito Santo» (v. 22). O sujeito principal da evangelização do mundo é Deus, através de Jesus Cristo; mas o próprio Cristo quis transmitir à Igreja a missão, e o fez e continua a fazê-lo até o fim dos tempos infundindo o Espírito Santo nos discípulos, o mesmo Espírito que repousou sobre Ele, e n’Ele permaneceu durante toda a vida terrena, dando-lhe a força de «proclamar a libertação aos cativos / e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor» (Lc 4,18-19).

O Concílio Vaticano II não quis colocar a fé como tema de um documento específico. E, no entanto, o Concílio esteve inteiramente animado pela consciência e pelo desejo de ter que, por assim dizer, imergir mais uma vez no mistério cristão, para poder propô-lo novamente e eficazmente para o homem contemporâneo. Neste sentido, o Servo de Deus Paulo VI, dois anos depois da conclusão do Concílio, se expressava usando estas palavras: «Se o Concílio não trata expressamente da fé, fala da fé a cada página, reconhece o seu caráter vital e sobrenatural, pressupõe-na íntegra e forte, e estrutura as suas doutrinas tendo a fé por alicerce. Bastaria recordar [algumas] afirmações do Concílio (...) para dar-se conta da importância fundamental que o Concílio, em consonância com a tradição doutrinal da Igreja, atribui à fé, a verdadeira fé, que tem a Cristo por fonte e o Magistério da Igreja como canal» (Catequese na Audiência Geral de 8 de março de 1967). Até aqui, a citação de Paulo VI, em 1967.

Agora, porém, temos de voltar para aquele que convocou o Concílio Vaticano II e que o inaugurou: o Bem-Aventurado João XXIII. No Discurso de Abertura, ele apresentou a finalidade principal do Concílio usando estas palavras: «O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. (...) Por isso, o objetivo principal deste Concílio não é a discussão sobre este ou aquele tema doutrinal... Para isso, não havia necessidade de um Concílio... É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada de forma a responder às exigências do nosso tempo» (AAS 54 [1962], 790791-792). Até aqui, a citação do Papa João XIII, na inauguração do Concílio.

À luz destas palavras, entende-se aquilo que eu mesmo pude então experimentar: durante o Concílio havia uma tensão emocionante, em relação à tarefa comum de fazer resplandecer a verdade e a beleza da fé no hoje do nosso tempo, sem sacrificá-la frente às exigências do presente, nem mantê-la presa ao passado: na fé ecoa o eterno presente de Deus, que transcende o tempo, mas que só pode ser acolhida no nosso hoje, que não torna a repetir-se. Por isso, julgo que a coisa mais importante, especialmente numa ocasião tão significativa como a presente, seja reavivar em toda a Igreja aquela tensão positiva, aquele desejo ardente de anunciar novamente Cristo ao homem contemporâneo. Mas para que este impulso interior à nova evangelização não seja só um ideal e não peque de confusão, é necessário que ele se apoie sobre uma base de concreta e precisa, e esta base são os documentos do Concílio Vaticano II, nos quais este impulso encontrou a sua expressão. É por isso que repetidamente tenho insistido na necessidade de retornar, por assim dizer, à «letra» do Concílio - ou seja, aos seus textos - para também encontrar o seu verdadeiro espírito; e tenho repetido que neles se encontra a verdadeira herança do Concílio Vaticano II. A referência aos documentos protege dos extremos tanto de nostalgias anacrônicas como de avanços excessivos, permitindo captar a novidade na continuidade. O Concílio não excogitou nada de novo em matéria de fé, nem quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança.

Se nos colocarmos em sintonia com a orientação autêntica que o Bem-Aventurado João XXIII queria dar ao Vaticano II, poderemos atualizá-la ao longo deste Ano da Fé, no único caminho da Igreja que quer aprofundar continuamente a «bagagem» da fé que Cristo lhe confiou. Os Padres conciliares queriam voltar a apresentar a fé de uma forma eficaz, e se quiseram abrir-se com confiança ao diálogo com o mundo moderno foi justamente porque eles estavam seguros da sua fé, da rocha firme em que se apoiavam. Contudo, nos anos seguintes, muitos acolheram acriticamente a mentalidade dominante, questionando os próprios fundamentos do depositum fidei a qual infelizmente já não consideravam como própria diante daquilo que tinham por verdade.

Se a Igreja hoje propõe um novo Ano da fé e a nova evangelização, não é para prestar honras a uma efeméride, mas porque é necessário, ainda mais do que há 50 anos! E a resposta que se deve dar a esta necessidade é a mesma desejada pelos Papas e Padres conciliares e que está contida nos seus documentos. Até mesmo a iniciativa de criar um Concílio Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização – ao qual agradeço o empenho especial para o Ano da fé – enquadra-se nessa perspectiva. Nos últimos decênios tem-se visto o avanço de uma "desertificação" espiritual. Qual fosse o valor de uma vida, de um mundo sem Deus, no tempo do Concílio já se podia perceber a partir de algumas páginas trágicas da história, mas agora, infelizmente, o vemos ao nosso redor todos os dias. É o vazio que se espalhou. No entanto, é precisamente a partir da experiência deste deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós homens e mulheres. No deserto é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E no deserto existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança. A fé vivida abre o coração à Graça de Deus que liberta do pessimismo. Hoje, mais do que nunca, evangelizar significa testemunhar uma vida nova, transformada por Deus, indicando assim o caminho. A primeira Leitura falava da sabedoria do viajante (cf. Eclo 34,9-13): a viagem é uma metáfora da vida, e o viajante sábio é aquele que aprendeu a arte de viver e pode compartilhá-la com os irmãos - como acontece com os peregrinos no Caminho de Santiago, ou em outros caminhos de peregrinação que, não por acaso, estão novamente em voga nestes últimos anos. Por que tantas pessoas hoje sentem a necessidade de fazer esses caminhos? Não seria porque neles encontraram, ou pelo menos intuíram o significado do nosso estar no mundo? Eis aqui o modo como podemos representar este Ano da fé: uma peregrinação nos desertos do mundo contemporâneo, em que se deve levar apenas o que é essencial: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas - como o Senhor exorta aos Apóstolos ao enviá-los em missão (cf. Lc 9,3), mas sim o Evangelho e a fé da Igreja, dos quais os documentos do Concílio Vaticano II são uma expressão luminosa, assim como é oCatecismo da Igreja Católica, publicado há 20 anos.

Venerados e queridos irmãos, no dia 11 de outubro de 1962, celebrava-se a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. A Ela lhe confiamos o Ano da fé, tal como fiz há uma semana, quando fui, em peregrinação, a Loreto. Que a Virgem Maria brilhe sempre qual estrela no caminho da nova evangelização. Que Ela nos ajude a pôr em prática a exortação do Apóstolo Paulo: «A palavra de Cristo, em toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros, com toda a sabedoria... Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus. Por meio dele dai graças a Deus Pai» (Col 3,16-17). Amém.



9 de outubro de 2012

S. Francisco de Assis por Bento XVI

Queridos irmãos e irmãs

Numa catequese recente, já ilustrei o papel providencial que a Ordem dos Frades Menores e a Ordem dos Padres Pregadores, fundadas respetivamente por São Francisco de Assis e por São Domingos de Gusmão, tiveram na renovação da Igreja do seu tempo. Hoje gostaria de vos apresentar a figura de Francisco, um autêntico “gigante” da santidade, que continua a fascinar muitíssimas pessoas de todas as idades e religiões.
“Nasceu no mundo um sol”. Com estas palavras, na Divina Comédia (Paraíso, Canto XI), o sumo poeta italiano Dante Alighieri alude ao nascimento de Francisco, ocorrido entre o final de 1181 e o início de 1182, em Assis. Pertencente a uma família rica – o pai era comerciante de tecidos – Francisco transcorreu uma adolescência e uma juventude tranquilas, cultivando os ideais cavalheirescos da época. Com vinte anos participou numa campanha militar, e foi aprisionado. Adoeceu e foi libertado. Depois do regresso a Assis, começou nele um lento processo de conversão espiritual, que o levou a abandonar gradualmente o estilo de vida mundano, que tinha praticado até então. Remontam a esta época os célebres episódios do encontro com o leproso, ao qual Francisco, descendo do cavalo, deu o ósculo da paz, e da mensagem do Crucifixo na pequena Igreja de São Damião. Três vezes Cristo na Cruz se animou, e disse-lhe: “Vai, Francisco, e repara a minha Igreja em ruínas”. Este simples acontecimento da palavra do Senhor ouvida na igreja de São Damião esconde um simbolismo profundo. Imediatamente São Francisco é chamado a reparar esta pequena igreja, mas o estado de ruínas deste edifício é símbolo da situação dramática e preocupante da própria Igreja naquele tempo, com uma fé superficial que não forma e não transforma a vida, com um clero pouco zeloso, com o refrear-se do amor; uma destruição interior da Igreja que implica também uma decomposição da unidade, com o nascimento de movimentos heréticos. Contudo, no centro desta Igreja em ruínas está o Crucifixo e fala: chama à renovação, chama Francisco a um trabalho manual para reparar concretamente a pequena igreja de São Damião, símbolo da chamada mais profunda a renovar a própria Igreja de Cristo, com a sua radicalidade de fé e com o seu entusiasmo de amor a Cristo. Este acontecimento, que aconteceu provavelmente em 1205, faz pensar noutro evento semelhante que se verificou em 1207: o sonho do Papa Inocêncio III. Ele vê em sonhos que a Basílica de São João de Latrão, a igreja-mãe de todas as igrejas, está a desabar e um religioso pequeno e insignificante ampara com os seus ombros a igreja para que não caia. É interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem dá ajuda para que a igreja não desabe, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa reconhece em Francisco que o visita. Inocêncio III era um Papa poderoso, de grande cultura teológica, assim como de grande poder político, contudo não é ele quem renova a Igreja, mas um religioso pequeno e insignificante: é São Francisco, chamado por Deus. Por outro lado, é importante observar que São Francisco não renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comunhão com ele. As duas realidades caminham juntas: o Sucessor de Pedro, os Bispos, a Igreja fundada na sucessão dos Apóstolos e o carisma novo que o Espírito Santo cria neste momento para renovar a Igreja. Ao mesmo tempo, cresce a verdadeira renovação.
Voltemos à vida de São Francisco. Dado que o pai Bernardone lhe reprovava a demasiada generosidade para com os pobres, Francisco, diante do Bispo de Assis, com um gesto simbólico despojou-se das suas roupas, com a intenção de renunciar assim à herança paterna: como no momento da criação, Francisco nada possui, mas só a vida que Deus lhe doou, em cujas mãos ele se entrega. Depois, viveu como um eremita, até quando, em 1208, teve lugar outro acontecimento fundamental no itinerário da sua conversão. Ouvindo um trecho do Evangelho de Mateus – o sermão de Jesus aos Apóstolos enviados em missão – Francisco sentiu-se chamado a viver na pobreza e a dedicar-se à pregação. Outros companheiros se uniram a ele, e em 1209 veio a Roma, para submeter ao Papa Inocêncio III o projecto de uma nova forma de vida cristã. Recebeu um acolhimento paterno daquele grande Pontífice que, iluminado pelo Senhor, intuiu a origem divina do movimento suscitado por Francisco. O Pobrezinho de Assis tinha compreendido que cada carisma doado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço do Corpo de Cristo, que é a Igreja; portanto agiu sempre em plena comunhão com a autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraste entre carisma profético e carisma de governo e, se surge alguma tensão, eles sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo.
Na realidade, alguns historiadores no século XIX e também no século passado procuraram criar por detrás do Francisco da tradição, um chamado Francisco histórico, assim como se procura criar por detrás do Jesus dos Evangelhos, um chamado Jesus histórico. Este Francisco histórico não teria sido um homem de Igreja, mas um homem relacionado imediatamente só com Cristo, um homem que queria criar uma renovação do povo de Deus, sem formas canónicas nem hierarquia. A verdade é que São Francisco teve realmente uma relação muito imediata com Jesus e com a palavra de Deus, que queria seguir sine glossa, tal qual é, em toda a sua radicalidade e verdade. É também verdade que inicialmente ele não tinha a intenção de criar uma Ordem com as formas canónicas necessárias mas, simplesmente, com a palavra de Deus e com a presença do Senhor, ele desejava renovar o povo de Deus, convocá-lo de novo para a escuta da palavra e para a obediência verbal com Cristo. Além disso, sabia que Cristo nunca é “meu”, mas é sempre “nosso”, que não posso tê-lo “eu” e reconstruir “eu” contra a Igreja, a sua vontade e o seu ensinamento, mas só na comunhão da Igreja construída sobre a sucessão dos Apóstolos é que se renova também a obediência à palavra de Deus.
É também verdade que não tinha a intenção de criar uma nova ordem, mas apenas de renovar o povo de Deus para o Senhor que vem. Mas compreendeu com sofrimento e dor que tudo deve ter a sua ordem, que também o direito da Igreja é necessário para dar forma à renovação e assim inseriu-se realmente de modo total, com o coração, na comunhão da Igreja, com o Papa e com os Bispos. Sabia sempre que o centro da Igreja é a Eucaristia, na qual o Corpo de Cristo e o seu Sangue se tornam presentes. Através do Sacerdócio, a Eucaristia é a Igreja. Onde caminham juntos Sacerdócio de Cristo e comunhão da Igreja, então ali habita também a palavra de Deus. O verdadeiro Francisco histórico é o Francisco da Igreja e precisamente deste modo fala também aos não-crentes, aos fiéis de outras confissões e religiões.
Francisco e os seus frades, cada vez mais numerosos, estabeleceram-se na Porciúncula, ou igreja de Santa Maria dos Anjos, lugar sagrado por excelência da espiritualidade franciscana. Também Clara, uma jovem de Assis, de família nobre, se pôs na escola de Francisco. Assim, teve origem a Segunda Ordem franciscana, a das Clarissas, outra experiência destinada a dar frutos insignes de santidade na Igreja.
Também o sucessor de Inocêncio III, Papa Honório III, com a sua bula Cum dilecti de 1218 apoiou o singular desenvolvimento dos primeiros Frades Menores, que iam abrindo as suas missões em diversos países da Europa, e até em Marrocos. Em 1219 Francisco obteve a autorização para ir falar, no Egipto, com o sultão muçulmano Melek-el-Kamel, para pregar também ali o Evangelho de Jesus. Desejo ressaltar este episódio da vida de São Francisco, que tem uma grande actualidade. Numa época na qual se estava a verificar um confronto entre o Cristianismo e o Islão, Francisco, intencionalmente armado só com a sua fé e com a sua mansidão pessoal, percorreu com eficácia o caminho do diálogo. As crónicas falam-nos de um acolhimento benévolo e cordial recebido do sultão muçulmano. É um modelo no qual também hoje se deveriam inspirar as relações entre cristãos e muçulmanos: promover um diálogo na verdade, no respeito recíproco e na compreensão mútua (cf. Nostra aetate, 3). Parece depois que em 1220 Francisco visitou a Terra Santa, lançando assim uma semente, que teria dado muito fruto: de facto, os seus filhos espirituais fizeram dos Lugares nos quais Jesus viveu um âmbito privilegiado da sua missão. Com gratidão penso hoje nos grandes méritos da Custódia franciscana da Terra Santa.
Tendo regressado à Itália, Francisco entregou o governo da Ordem ao seu vigário, frei Pedro Cattani, enquanto o Papa confiou à protecção do Cardeal Ugolino, futuro Sumo Pontífice Gregório IX, a Ordem, que contava cada vez mais adeptos. Por seu lado o Fundador, totalmente dedicado à pregação que desempenhava com grande sucesso, redigiu uma Regra, depois aprovada pelo Papa.
Em 1224, na ermida de La Verna, Francisco vê o Crucificado na forma de um serafim e do encontro com o serafim crucificado, recebeu os estigmas; ele torna-se assim um com Cristo crucificado: um dom que expressa a sua íntima identificação com o Senhor.
A morte de Francisco – o seu transitus – aconteceu na noite de 3 de Outubro de 1226, na Porciúncula. Depois de ter abençoado os seus filhos espirituais, ele faleceu, estendido no chão nu. Dois anos mais tarde, foi construída em sua honra uma grande basílica em Assis, que ainda hoje é meta de muitíssimos peregrinos, que podem venerar o túmulo do santo e gozar da visão dos afrescos de Giotto, pintor que ilustrou de modo magnífico a vida de Francisco.
Foi dito que Francisco representa um alter Christus, que era verdadeiramente um ícone vivo de Cristo. Ele foi chamado também “o irmão de Jesus”. De facto, era este o seu ideal: ser como Jesus; contemplar o Cristo do Evangelho, amá-lo intensamente, imitar as suas virtudes. Em particular, ele quis dar um valor fundamental à pobreza interior e exterior, ensinando-a também aos filhos espirituais. A primeira bem-aventurança do Sermão da Montanha – bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt 5, 3) – encontrou uma luminosa realização na vida e nas palavras de São Francisco. Deveras, queridos amigos, os santos são os melhores intérpretes da Bíblia; eles, encarnando na sua vida a Palavra de Deus, tornam-na atraente como nunca, de modo que fala realmente connosco. O testemunho de Francisco, que amou a pobreza para seguir Cristo com dedicação e liberdade totais, continua a ser também para nós um convite a cultivar a pobreza interior para crescer na confiança em Deus, unindo também um estilo de vida sóbrio e um desapego dos bens materiais.
Em Francisco o amor a Cristo expressou-se de modo especial na adoração do Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Nas Fontes franciscanas lêem-se expressões comovedoras, como esta: “Toda a humanidade tema, o universo inteiro trema e o céu exulte, quando no altar, na mão do sacerdote, está Cristo, o Filho do Deus vivo. Ó favor maravilhoso! Ó sublimidade humilde, que o Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, a tal ponto se humilhe que se esconda para a nossa salvação, sob uma modesta forma de pão” (Francisco de Assis, Escritos, Editrici Franciscane, Pádua 2002, 401).
Neste ano sacerdotal, apraz-me recordar também uma recomendação dirigida por Francisco aos sacerdotes: “Quando quiserem celebrar a Missa, puros de modo puro, façam com reverência o verdadeiro sacrifício do santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Francisco de Assis, Escritos, 399). Francisco mostrava sempre uma grande deferência em relação aos sacerdotes, e recomendava que fossem sempre respeitados, também no caso de serem pessoalmente pouco dignos. Dava como motivação deste profundo respeito o facto de que eles receberam o dom de consagrar a Eucaristia. Queridos irmãos no sacerdócio, nunca esqueçamos este ensinamento: a santidade da Eucaristia pede que sejamos puros, que vivamos de modo coerente com o Mistério que celebramos.
Do amor a Cristo nasce o amor às pessoas e também a todas as criaturas de Deus. Eis outra característica da espiritualidade de Francisco: o sentido da fraternidade universal e o amor pela criação, que lhe inspirou o célebre Cântico das criaturas. É uma mensagem muito actual. Como recordei na minha recente Encíclica Caritas in veritate, só é sustentável um desenvolvimento que respeite a criação e que não danifique o meio ambiente (cf. nn. 48-52) e na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano ressaltei que também a construção de uma paz sólida está relacionada com o respeito da criação. Francisco recorda-nos que na criação se manifesta a sabedoria e a benevolência do Criador. A natureza é entendida por ele precisamente como uma linguagem na qual Deus fala connosco, na qual a realidade se torna transparente e nós podemos falar de e com Deus. Queridos amigos, Francisco foi um grande santo e um homem jubiloso. A sua simplicidade, a sua humildade, a sua fé, o seu amor a Cristo, a sua bondade para cada homem e mulher fizeram-no feliz em todas as situações. De facto, entre a santidade e a alegria subsiste uma relação íntima e indissolúvel. Um escritor francês disse que no mundo só existe uma tristeza: a de não ser santo, isto é, de não estar próximo de Deus. Olhando para o testemunho de São Francisco, compreendemos que é este o segredo da verdadeira felicidade: tornar-nos santos, próximos de Deus!
Que a Virgem, ternamente amada por Francisco, nos obtenha este dom. Confiemo-nos a ela com as mesmas palavras do Pobrezinho de Assis: “Santa Maria Virgem, não existe outra semelhante a ti nascida no mundo entre as mulheres, filha e escrava do altíssimo Rei e Pai celeste, Mãe do nosso santíssimo Senhor Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo: interceda por nós... junto do teu santíssimo e dilecto Filho, Senhor e Mestre” (Francisco de Assis, Escritos, 163).
Audiência do Papa Bento XV
Quarta-feira, 27 de Janeiro de 2010

 
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