Retalhos Como Francisco e Clara de Assis, a Fraternidade a todos saúda em Paz e Bem!Retalhos

20 de abril de 2013

Abril - Mês da Família Franciscana Portuguesa


Aprovação da Regra, segundo os Biógrafos de S. Francisco – 16 de Abril de 1209


Tomás de Celano – Vida Primeira CAPÍTULO XIII

 
31. 1 Por essa ocasião juntaram-se a eles outros quatro homens dignos e virtuosos e fizeram-se discípulos de Francisco67. 2 Isto ocasionou um maior interesse pelo movimento, e a fama do homem de Deus foi crescendo cada vez mais entre o povo. 3 Verdadeiramente, naquele tempo, Francisco e os companheiros experimentavam uma alegria e um gozo inexprimíveis sempre que alguém, fosse quem fosse, de qualquer proveniência ou condição – rico, pobre, nobre, plebeu, desprezível, estimado, sábio, simples, clérigo, sem cultura, leigo – aparecia a pedir o hábito da santa Religião, guiado pelo espírito de Deus.
Grande era também a admiração que todos suscitavam nos homens do mundo. O exemplo da sua humildade despertava neles o desejo de viverem melhor e de se penitenciarem dos seus pecados.
5 Nem a condição humilde nem a pobreza mais desvalida logravam impedir que fossem incorporados no edifício de Deus os que Deus nele desejava incorporar, pois Ele compraz-se em estar com os simples e os desprezados deste mundo.
Como, sendo já onze os Irmãos, escreveu a primeira Regra e o Papa Inocêncio III a aprovou

32. 1 Vendo o bem-aventurado Francisco que o Senhor lhe aumentava de dia para dia o número dos que o seguiam, escreveu para si e seus irmãos, presentes e futuros, com simplicidade e breves palavras68, uma norma de vida ou Regra, composta de expressões do Evangelho, a cuja perfeita observância aspirava de contínuo69. 2 Acrescentou, contudo, um número restrito de directivas indispensáveis e urgentes para um bom andamento da vida em comum. 3 Isto feito, dirigiu-se a Roma com todos os irmãos já mencionados, na ardente esperança de que o senhor papa Inocêncio III se dignaria confirmar-lhe o que havia escrito.
4 Encontrava-se por esses dias em Roma o venerando bispo de Assis, Guido, que nutria particular afecto e estima por Francisco e seus irmãos. 5 Perturbou-se não pouco o bispo, ao vê-los. Não sabendo o que ali os levava, receou quisessem deixar a sua terra, onde o Senhor, mercê desses seus servos, começava já a realizar coisas extraordinárias. 6 Muito lhe alegrava ter na diocese tantos homens como aqueles, já que de suas santas vidas muitos frutos seriam de esperar. 7 Porém, tanto que soube do motivo da viagem e dos propósitos que os animavam, deveras se alegrou no Senhor e ofereceu-se para os aconselhar e ajudar.
8 S. Francisco apresentou-se ainda ao bispo de Sabina, João de São Paulo, assaz conhecido de entre os príncipes e prelados da Cúria romana pela fama de desprezar as coisas terrenas e amar as celestes. 9 Recebeu-o benévola e caritativamente70 o prelado e louvou-lhe sobremaneira aquela determinação.

 
67 Eram João de São Constâncio, Bárbaro, um segundo Bernardo e Ângelo Tancredo.
68 São os termos com que Francisco, em seu testamento, qualifica esta primeira redacção.

 
Tomás de Celano – Vida Segunda CAPÍTULO XI

 
A parábola que ele contou ao senhor Papa
16. 1 Quando Francisco se apresentou com os seus ao papa Inocêncio para pedir a aprovação da sua regra de vida44 e este viu que o objectivo proposto excedia em muito as forças humanas, disse-lhe como homem de grande prudência: «Filho, pede a Cristo que, por teu intermédio, nos manifeste a Sua vontade. Conhecendo-a nós, com maior segurança te concederemos o que piedosamente nos pedes».
2 Obedece o Santo à ordem do Pastor supremo, recorre confiado a Cristo, ora com insistência e exorta os companheiros a implorarem também eles a luz de Deus. Assim orando e exorando, obtém finalmente resposta, sendo logo esta comunicada aos filhos. 3 Deste modo vieram eles a saber que, em ordem à sua salvação e em colóquio familiar com Francisco, mandara Cristo dizer ao Pontífice a seguinte parábola: 4 «Francisco, isto dirás tu ao Papa: ―Vivia num deserto uma mulher muito pobre, mas muito formosa. 5 Graças à sua muita formosura, dela se enamorou o rei. Em extremo aprazido, desposou-a o monarca e dela teve filhos belíssimos. 6 Já crescidos e educados com grande nobreza, disse-lhes a mãe: 7 ―Não vos envergonheis da vossa pobreza, filhos queridos, pois haveis de saber que todos sois filhos de um grande rei. 8 Ide confiados e alegres à sua corte e pedi-lhe o que vos aprouver. 9 Tão surpreendidos como radiantes com a notícia da sua linhagem real e dos seus direitos à herança, e já imaginando a sua pobreza transformada em opulência, 10 foram logo apresentar-se ao rei, confiantes e seguros, tanto mais que no rosto dele se reconheciam a si próprios. 11 Viu-se também o rei retratado neles e, surpreendido, perguntou-lhes de quem eram filhos. 12 E como eles asseverassem serem filhos de uma pobrezinha que vivia no deserto, abraçando-os, disse-lhes: ―Sois meus filhos e meus herdeiros, não temais! 13 Se estranhos comem à minha mesa, justo é que eu me desvele em alimentar os que são meus herdeiros de pleno direito‖. 14 E mandou recado à pobrezinha do deserto para que lhe enviasse também os restantes filhos dela gerados, a fim de os educar na corte».
15 Rejubila o Santo com a parábola e imediatamente leva ao Papa a resposta divina45.

17. 1 Esta mulher (em razão dos muitos filhos, e não da sua intimidade com o rei)46 simboliza Francisco. O deserto é este mundo, mundo bravio e estéril de virtudes; a prole abundante e formosa, a multidão dos irmãos, ricos de todos os bens espirituais; 2 o rei o Filho de Deus, a quem se assemelham pela santa pobreza todos os que, dela não se envergonhando, têm assento à sua mesa, felizes de imitarem a Cristo e viverem de esmolas47, pois os anima a certeza de alcançarem a bem-aventurança mediante o desprezo do mundo.
3 Deveras maravilhado o senhor Papa com a parábola transmitida, reconheceu sem a mínima hesitação que pela boca daquele homem lhe falava Cristo. 4 Recordou-se de um sonho que tivera poucos dias antes e, iluminado pelo Espírito Santo, afirmou ser precisamente neste homem que o veria plenamente realizado. 5 Sonhara ele, com efeito, ter visto a basílica de Latrão prestes a desabar e um religioso, franzino e de aspecto mesquinho, a escorá-la com os ombros, evitando-lhe a queda. 6 «Aqui está, pensou, quem por suas obras e ensinamentos há-de sustentar a Igreja de Cristo».
7 Eis porque este nobre senhor acedeu com tanta benevolência aos rogos de Francisco e porque, a partir desse momento, lhe votou a entranhada afeição que jamais desmentiria. 8 Não só lhe outorgou prontamente o que havia solicitado, como prometeu contemplá-lo mais ainda no futuro.
9 Desde então, alentado com as faculdades concedidas48, começou Francisco a espalhar com maior fervor a semente da virtude por cidades e povoações.
44 Ad petendam regulam; Francisco não pediu uma Regra; pediu, sim, a aprovação da Regra já composta. O verbo petere tem aqui sentido jurídico: pedir o reconhecimento de um direito.
45 Nem o episódio nem a parábola se encontram em 1C. São, no entanto, anteriores, pois os consigna Odon de Chériton (condado de Kent) na sua colecção de sermões para os evangelhos dominicais, composto em 1219. Cf. BIHL, Sancti Francisci parabola: AFH 22 (1929) p. 584-586.
46 Non factorum molitie, no texto original. Celano sente-se no dever de elimi-nar explicitamente uma certa conotação que só muito dificilmente nos acudiria ao espírito. Importa saber, no entanto, que as Etimologias de Santo Isidoro de Sevilha, assiduamente usadas na Idade Média, povoavam a memória de todo o bom letrado. Cf. GILSON: Michel Menot et la technique du sérmon médiéval. Aqui se diz pe-remptoriamente: Mulier vem de molities, mollis quasi mulier emolliatur. (Mulher vem de molícia ou moleza, porque da moleza, como da mulher, é que vem o rela-xamento, a efeminação).
47 Chamava-se esmola, eleemosyna, ao alimento dado aos pobres, tirado dos restos das mesas dos ricos. Cf. GUILLAUME DE NANGIS, Vie de Saint Louis, ed. Lespinasse, Bruxelas, 1895, p. 246.

 
Legenda Maior – Capítulo III

8. 1 Vendo assim a aumentar pouco a pouco o número dos Irmãos, resolveu o servo de Deus escrever, para si e para eles, em termos muito simples, um programa de vida que tivesse como elemento fundamental e indiscutível a observância do Evangelho, acrescentando apenas alguns pequenos pormenores necessários a uma uniformidade de vida. 2 Também queria que esse programa de vida fosse aprovado pelo Sumo Pontífice97. Nesse intuito, confiado apenas na direcção da Providência, resolveu dirigir-se pessoalmente à Santa Sé, em companhia do seu grupo de Irmãos. 3 Do alto dos Céus Deus via com bondade este desejo98; mas como os irmãos se mostravam extremamente perturbados na sua simplicidade, o mesmo Senhor lhes deu coragem com uma visão que proporcionou a S. Francisco. 4 Ia ele por um caminho, quando deparou com uma árvore duma altura extraordinária. 5 Aproximou-se para melhor contemplar aquela planta gigantesca. E sentiu-se de repente a ser elevado ao alto, por uma força divina, de modo que com toda a facilidade pôde chegar ao cimo dessa árvore e vergá-la até ao chão. 6 Cheio do espírito de Deus como era, compreendeu Francisco que esta visão era um presságio da condescendência da Sé Apostólica. Ficou radiante, foi contar isto aos Irmãos para os encorajar no Senhor, e pôs-se a caminho com eles.

9. 1 Tendo chegado à Cúria Romana, foi apresentado ao Sumo Pontífice, a quem expôs o seu propósito, e pediu-lhe, humilde e instantemente, se dignasse aprovar a mencionada Regra de vida99. 2 Era Vigário de Cristo o Senhor papa Inocêncio III. Inteligente e perspicaz, não tardou a descobrir a pureza de intenção desse homem simples, o fervor do seu empenho santo, a constância do seu propósito. E mostrou-se disposto a conceder a aprovação solicitada. 3 No entanto, achou mais prudente adiar o despacho, porque alguns Cardeais eram de opinião que o tal programa de vida, além de um tanto ou quanto insólito, era duro demais para as forças humanas. 4 Aconteceu, porém, que entre os Cardeais presentes estava um muito venerável, que apreciava imenso toda e qualquer manifestação de santidade e ajudava a todos os pobres de Cristo: era o Senhor D. João de S. Paulo, bispo de Sabina. Inflamado pelo Espírito divino, tomou a palavra e disse ao Sumo Pontífice e aos seus Irmãos100: 5 «Este pobrezinho só vem pedir que lhe confirmem uma forma de vida evangélica. Se rejeitamos o seu pedido, sob pretexto de ser inédito ou difícil de cumprir, podemos ir contra o Evangelho de Cristo. 6 Afirmar que em praticar a perfeição evangélica há qualquer coisa de inédito, ou de extravagante, ou de impossível, é blasfemar contra Cristo, autor do Evangelho»101.
7 Então o sucessor de Pedro voltou-se para o pobre de Cristo e disse-lhe:
– Vai, meu filho, pedir a Cristo que por teu intermédio me mostre a sua vontade. Quando eu a conhecer, anuirei aos teus piedosos desejos.

10. 1 Embrenhou-se então todo em oração o servo do Omnipotente, e por meio de piedosas preces conseguiu saber o que ele mesmo havia de dizer e o que o Papa havia de sentir. 2 Pôs-se a contar, como Deus mesmo lhe ensinara, a parábola de um rei muito rico que casara com uma mulher extremamente bela mas muito pobre, e cujos filhos eram tão parecidos com o pai, que este decidiu que fossem educados no seu palácio. 3 E acrescentou: «Não há que recear que morram de fome os filhos e herdeiros do Rei Eterno! Tal como Cristo Rei, que nasceu de uma Mãe pobre por obra do Espírito Santo, também eles vão ser gerados numa Ordem pobre pelo espírito de pobreza . 4 Se o Rei dos Céus prometeu um reino eterno102 àqueles que o imitam, como não há-de ele dar-lhes essas coisas banais que dá a bons e maus?103»
5 O Vigário de Cristo prestou toda a atenção à parábola e à sua interpretação; ficou surpreendido e não duvidou de que era Cristo quem falava pela boca daquele homem. 6 Também ele nessa altura tinha tido uma visão do céu, e agora compreendia, por inspiração do Espírito Santo, que ela devia dizer respeito exactamente àquele homem. 7 Vira em sonhos a Basílica de Latrão a ameaçar ruína, e um pobrezito, pequeno e de aspecto miserável, deitando-lhe os ombros para que não caísse104.
– 8 Ora aqui está, – diz ele – aquele que pela sua acção e pela sua doutrina irá sustentar a Igreja de Cristo.
9 E com todo o gosto acedeu a quanto Francisco suplicava, além de lhe dedicar daí em diante uma afeição muito especial. Não só lhe concedeu tudo o que fora pedido, mas prometeu conceder--lhe ainda muito mais. 10 Aprovou-lhe a Regra, deu-lhe o mandato de pregar a penitência, e mandou fazer a coroa a todos os Irmãos leigos que tinham acompanhado Francisco, a fim de poderem pregar a palavra de Deus livremente105.

94 Sl 54, 23.

95 Act 1, 1.

96 Sl 146, 2.

97 Mais uma atitude que distingue bem Francisco dos contestatários de então.

98 Lc 1, 78.

99 Ao texto de S. Boaventura foi aqui acrescentado mais um parágrafo por Fr. Jerónimo de Ascoli, Ministro Geral da Ordem e mais tarde Papa, sob o nome de Nicolau IV, que do que narra recebera notícia do Cardeal Ricardo de Annibaldis, parente de Inocêncio III. Diz assim: «Chegado a Roma, Francisco foi admitido à presença do Sumo Pontífice. Encontrava-se o Vigário de Cristo no palácio de Latrão, na sala dita do Espelho, mergulhado em profunda reflexão. Aborrecido, despachou bruscamente o servo de Deus a quem não conhecia. Saiu este humilde-mente. Na noite seguinte teve o Pontífice uma visão: via nascer dentre os seus pés um arbusto que crescia, crescia e se tornava uma árvore lindíssima. Dava voltas ao pensamento para descobrir o sentido da visão, quando Deus lhe veio em auxílio, fixando-lhe na ideia que aquele arbusto era o tal pobre que no dia anterior repelira. Na manhã seguinte manda os seus criados à cidade à procura do pobrezinho, a quem foram encontrar perto de Latrão, no hospital de Santo Antão. Fá-lo introduzir imediatamente…» (Segue o texto como no início do nº 9: Tendo chegado, etc). O hospital de Santo Antão encontrava-se entre o aqueduto e a actual igreja de S. Pedro e Marcelino.

100 Isto é, aos outros cardeais.

101 A Regra franciscana começa precisamente com as palavras: «A regra e vida dos frades menores é esta: observar o Santo Evangelho de N. S. Jesus Cristo…» e, no Testamento, o santo diz: «O mesmo Altíssimo me revelou que devia viver segundo a forma do Santo Evangelho» (T 14).

Legenda dos Três Companheiros CAPÍTULO XII

Como o Bem-aventurado Francisco, com seus onze companheiros, se dirigiu à corte do Papa, para lhe apresentar o seu projecto e lhe pedir a aprovação da regra que escrevera

46. 1 S. Francisco via aumentar os seus irmãos, por graça divina, em número e em méritos. Eram agora doze, de coragem provada, sendo ele, o duodécimo, seu chefe e Pai.
Disse um dia aos seus onze companheiros: «Irmãos, vejo que o Senhor, na sua misericórdia, quer aumentar o nosso grupo. 2 Vamos, portanto, ao encontro da nossa mãe, a Santa Igreja Romana; demos a conhecer ao Soberano Pontífice o que o Senhor operou, servindo-se de nós, para prosseguirmos, segundo a sua vontade e as suas ordens, a obra começada».
3 A ideia do Pai agradou aos irmãos. Quando partiram com ele para Roma, disse-lhes: 4 «Tomemos um de nós por chefe; consideremo-lo como Vigário de Jesus Cristo; quando ele quiser andar, andamos; cada vez que queira fazer uma paragem, nós nos deteremos». 5 Escolheram o irmão Bernardo, o primeiro depois do bem--aventurado Francisco, e agiram como o Pai lhes dissera. 6 Iam alegres, não tendo nos lábios senão as palavras do Senhor, não ousando falar além do que respeitava ao louvor e glória de Deus e ao bem da sua alma; e oravam com frequência.
7 O Senhor proporcionou-lhes sempre hospitalidade e fez com que lhes servissem o que era necessário.

 
47. 1 Chegados a Roma, encontraram lá o bispo de Assis que os recebeu com grande alegria. Tinha particular estima e afeição pelo bem-aventurado Francisco e seus irmãos. 2 Mas, ignorando o motivo da sua vinda, ficou inquieto: temia que tivessem intenção de deixar a sua terra natal, onde o Senhor já se servira deles para operar maravilhas. 3 Estava muito satisfeito por ter na sua diocese tais homens, cuja vida e exemplo lhe davam as maiores esperanças. 4 Quando conheceu a razão de tal viagem e ficou ao corrente dos seus projectos, foi grande a sua alegria e prometeu aos irmãos o seu auxílio e protecção.
5 O Bispo era amigo do Cardeal João de S. Paulo, Bispo de Sabina, homem realmente cheio da graça divina, que amava muito os servos de Deus. 6 Desde que o Bispo de Assis lhe dera a conhecer a vida de Francisco e seus irmãos, desejava vivamente ver o homem de Deus e alguns dos seus companheiros. 7 Sabendo que estavam em Roma, mandou chamá-los e acolheu-os, cheio de benevolência e devoção.

48. 1 Durante os dias que ficaram com ele, edificaram-no tanto com a santidade da sua conversação e o seu exemplo que, vendo brilhar realmente na sua vida o que lhe haviam contado, se recomendou às suas orações, com humildade e devoção. Pediu-lhes mesmo, como favor especial, que daí em diante fosse considerado como um dos seus irmãos. 2 Por fim, interrogou o bem-aventurado Francisco sobre o motivo da sua viagem. Posto ao corrente do seu projecto e desejo, ofereceu-se para lhe servir de procurador na Corte Pontifícia.
3 O Cardeal dirigiu-se à residência papal e disse ao senhor Papa Inocêncio III: «Encontrei um homem de grande virtude que quer viver segundo o ideal do santo Evangelho e observar em todas as coisas a perfeição evangélica. Creio que o Senhor quer servir-se dele para reavivar no mundo a fé da Santa Igreja». 4 Estas palavras surpreenderam o Papa, que ordenou ao Cardeal que lhe levasse o bem-aventurado Francisco.

49. 1 No dia seguinte, o homem de Deus foi apresentado pelo Cardeal ao Soberano Pontífice, a quem revelou os seus projectos. 2 O Papa, homem de grande prudência, achou bem os desejos do santo, fazendo-lhe, a ele e aos seus irmãos, muitas recomendações; deu-lhes a bênção e acrescentou: «Irmãos, que o Senhor vos acompanhe e, conforme a inspiração com que se dignar favorecer--vos, pregai a penitência a toda a gente. 3 Quando o Deus todo--poderoso vos tiver multiplicado, em número e em graça, voltai a informar-nos; então vos concederemos largamente tudo o que pedirdes e vos confiaremos, com mais segurança, coisas mais importantes».
4 O Senhor Papa queria que os privilégios que lhe concedera e viria a conceder fossem conforme a vontade de Deus. No momento 42 em que o bem-aventurado Francisco ia a retirar-se com os seus companheiros, disse-lhes: 5 «Caros filhos, o vosso modo de vida parece-nos muito duro e difícil. O vosso fervor, estou certo, é tão grande que de vós não é possível duvidar. Mas devemos pensar nos que virão depois de vós e tomar cuidado, para que o vosso caminho não lhes pareça austero demais». 6 Vendo, porém, a sua fé, firmeza e esperança, tão solidamente fundadas em Cristo, que nada queriam abandonar da sua fervorosa regra, disse ao bem--aventurado Francisco: 7 «Vai, filho, e pede a Deus que te revele se o vosso pedido procede da sua vontade. Isso nos permitirá, quando conhecermos a vontade do Senhor, aceder aos teus desejos».

 
50. 1 Pouco depois, orava o homem de Deus, seguindo o conselho do Senhor Papa, quando Deus lhe falou interiormente sob a forma de parábola: «Havia num deserto uma mulher muito pobre e bela. Enamorado dos seus encantos, um grande rei quis desposá-la, esperando que lhe desse belos filhos. Realizou-se a união e dela nasceram numerosos filhos. Quando cresceram, a sua mãe falou--lhes assim: 2 «Meus filhos, não vos envergonheis da vossa condição, porque sois filhos do rei. 3 Ide, portanto, à sua corte e ele vos concederá tudo o que vos for necessário». 4 Tendo chegado à corte, o rei admirou-se da sua beleza; e, descobrindo-lhes no rosto os seus próprios traços, perguntou-lhes: «De quem sois filhos?» 5 Eles responderam que eram filhos duma pobre mulher que vivia no deserto. O rei, cheio de alegria, abraçou-os e disse: «Não temais, sois meus filhos. 6 Se alimento à minha mesa estranhos, com maior razão cuidarei de vós, que sois meus próprios filhos». 7 O rei ordenou então à mulher que mandasse para a corte, para ali serem educados, todos os filhos que dele tivera».
8 O bem-aventurado Francisco reflectiu sobre esta visão que contemplara durante a oração e compreendeu que era ele a mulher pobre.

 
51. 1 Terminada a oração, foi de novo apresentar-se ao Soberano Pontífice e contou-lhe detalhadamente a visão simbólica com que o Senhor o honrara: 2 «Santíssimo Padre, disse, eu sou a mulher pobre, que o Senhor, por seu amor e misericórdia, fez bela e de quem quis ter muitos filhos. 3 O Rei dos reis prometeu-me alimentar todos os filhos que lhe der; porque, se trata bem os estranhos, melhor cuidará dos seus próprios filhos. 4 Se Deus dá os bens temporais aos pecadores, porque ama e quer alimentar todos os seus filhos, com maior razão os concederá aos homens evangélicos, que disso são verdadeiramente dignos».
5 A estas palavras, o Senhor Papa ficou muito admirado, tanto mais que, antes da chegada de S. Francisco, vira, em sonhos, a igreja de São João de Latrão ameaçar ruína e um religioso, débil e sem aparência, sustentá-la com os seus ombros. 6 Ao acordar, cheio de espanto e assombro, usara toda a sua sabedoria e perspicácia para descobrir o que significava esta visão.
7 E eis que, pouco depois, o bem-aventurado Francisco vinha ter com ele, apresentava-lhe o seu projecto e lhe pedia que confirmasse a regra que escrevera em termos tão simples, servindo-se das mesmas palavras do Evangelho, cuja observância perfeita era toda a aspiração da sua alma.
8 O Senhor Papa, vendo o seu fervor no serviço de Deus e comparando o seu sonho com a visão simbólica contada pelo bem--aventurado, disse para si: «Em verdade, é este o homem piedoso e santo que erguerá e sustentará a Igreja de Deus».
9 Abraçou-o, aprovou a regra escrita pelo homem de Deus e concedeu-lhe autorização de pregar, por toda a parte, a penitência; depois deu-a também aos irmãos, com uma condição: necessitavam, para irem pregar, da permissão do bem-aventurado Francisco.
10 Todos estes privilégios foram em seguida confirmados em consistório.

 
52. 1 Obtida a concessão do Papa, S. Francisco deu graças a Deus. Em seguida, de joelhos, prometeu ao Senhor Papa obediência e reverência, com humildade e devoção. 2 Os outros irmãos, em conformidade com a ordem do Senhor Papa, prometeram também obediência e reverência ao bem-aventurado Francisco.
3 Recebida a bênção do Soberano Pontífice, visitaram os túmulos dos Apóstolos. Depois o Cardeal mandou dar a tonsura a S. Francisco e aos outros irmãos, pois assim tinha providenciado, querendo que os doze fossem clérigos.

 
Anónimo Perusino CAPÍTULO VII

 
Como os irmãos foram a Roma e o Senhor Papa lhes concedeu uma Regra e autorização de pregar

31. 1 Vendo, o bem-aventurado Francisco que, pela graça do Salvador, os irmãos iam crescendo em número e méritos, disse--lhes: «Vejo, irmãos, que o Senhor quer fazer de nós uma grande congregação. 2 Vamos, pois, à nossa Madre Igreja Romana e informemos o Sumo Pontífice de quanto Deus opera por nosso intermédio, para prosseguirmos a obra começada com a sua aprovação e mandato». 3 Tendo a proposta agradado, tomou consigo doze irmãos e partiu com eles para Roma.
4 Durante a viagem disse-lhes: «Nomeemos um de nós nosso guia e seja para nós como que o vigário de Jesus Cristo. 5 Seguiremos o caminho que ele nos indicar e pararemos para repousar, quando ele assim o entender». 6 Escolheram o irmão Bernardo, que tinha sido o primeiro a ser recebido pelo bem--aventurado Francisco, e ativeram-se ao que fora combinado.
7 Caminhavam alegres e a sua conversação tinha por tema as palavras do Senhor. Nenhum deles ousava dizer nada que não fosse em louvor e glória de Deus ou em proveito de suas almas. Também se entregavam à oração. 8 O Senhor, no devido tempo preparava-lhes a hospedagem e o alimento necessário.

32. 1 Tendo chegado a Roma, visitaram o Bispo de Assis, que nessa ocasião se encontrava na Cidade Eterna. 2 Ao vê-los, acolheu-os com uma alegria imensa. 3 O Bispo era conhecido de certo cardeal, chamado João de S. Paulo, varão probo e religioso, que muito amava os servos do Senhor. 4 O Bispo pô-lo ao corrente do projecto e forma de vida do bem-aventurado Francisco e de seus irmãos. 5 Depois de ouvir a informação, o cardeal manifestou intenso desejo de conhecer pessoalmente o bem-aventurado Francisco e alguns dos seus irmãos. 6 Informado de que estavam em 25 Roma, mandou chamá-los à sua presença e recebeu-os com devoção e amor.

33. 1 Passaram alguns dias na companhia do cardeal que, comprovando que nas obras dos irmãos resplandecia o que da sua vida tinha ouvido dizer, chegou a professar-lhes profunda afeição. 2 E disse ao bem-aventurado Francisco: «Encomendo-me às vossas orações e quero que doravante me considereis como um dos vossos irmãos. 3 Agora dizei-me: o que vos trouxe a Roma?» Então o bem-aventurado Francisco revelou-lhe plenamente o seu propósito e disse-lhe que queria falar com o Senhor Apostólico22 para prosseguir, com a sua aprovação e mandato, o que tinha empreendido. 4 O cardeal respondeu-lhe: «Quero ser o vosso procurador na Cúria do Senhor Papa».
5 Acorreu, pois, à Cúria e fez a seguinte exposição ao Senhor Papa Inocêncio III: «Encontrei um homem de grande perfeição, que quer viver segundo a forma do santo Evangelho e praticar a perfeição evangélica. 6 Estou convencido de que o Senhor quer, por seu intermédio, renovar totalmente a sua Igreja no mundo inteiro». Tendo-o ouvido, o Santo Padre ficou maravilhado e disse-lhe: «Trazei-mo cá».

 
34. 1 No dia seguinte, o cardeal levou Francisco à presença do Papa. 2 O bem-aventurado Francisco expôs claramente todo o seu propósito ao Senhor Papa, tal como o tinha feito antes ao cardeal.
3 O Senhor Papa observou-lhe: «Demasiado dura e austera é a vossa vida se, querendo formar uma congregação, vos propondes nada possuir neste mundo. 4 Donde vos virá o necessário para viver?» 5 Respondeu-lhe o bem-aventurado Francisco: «Senhor, confio em meu Senhor Jesus Cristo, pois quem se comprometeu a dar-nos vida e glória no céu não nos faltará, no tempo devido, com aquilo de que carecem os nossos corpos na terra». 6 Respondeu o Papa: «É bem verdade o que dizes, filho; mas a natureza humana é frágil e nunca persevera no mesmo sentir. 7 Vai e pede com todo o coração ao Senhor que se digne manifestar-te objectivos mais sensatos e proveitosos para as vossas almas. Quando voltares, comunica-mos e então aprová-los-ei».

 
35. 1 O bem-aventurado Francisco retirou-se para rezar e, com pureza de coração, pediu ao Senhor que, por sua inefável bondade, se dignasse manifestar-lhos. 2 Depois de prolongada oração e com todo o seu coração concentrado no Senhor, ouviu interiormente a sua voz, que lhe falou em forma de parábola: 3 «No reino de certo rei poderoso havia uma mulher em extremo pobre, mas formosa. O rei enamorou-se da mulher e teve dela muitos filhos. 4 Um dia, esta mulher pôs-se a pensar e a dizer consigo mesma: «Que vou eu fazer, pobrezinha como sou, com tantos filhos e sem posses para os manter?» 5 Quando revolvia tais pensamentos em sua mente e o seu semblante se tornava melancólico com tantas preocupações, chegou o rei, que lhe disse: «Que tens, pois te vejo tão pensativa e aflita?» Ela contou-lhe todas as suas preocupações. 6 O rei serenou--a com estas palavras: «Não te assustes com a tua excessiva pobreza, nem temas pelos filhos que tens nem pelos muitos que virás a ter. 7 Pois, se a minha numerosa criadagem tem pão de sobra no meu palácio, não posso permitir que os meus filhos morram de fome. Antes que aos outros, que lhes sobre a eles».
8 Compreendeu logo o homem de Deus, Francisco, que aquela pobríssima mulher o representava a ele. Daqui saiu fortalecido o seu propósito de observar sempre a santíssima pobreza.

 
36. 1 Levantou-se e foi imediatamente ter com o Senhor Apostólico, para lhe comunicar quanto Deus lhe tinha revelado. 2 Ao ouvi-lo, o Senhor Papa ficou muito admirado de que o Senhor manifestasse a sua vontade a um homem tão simples. 3 E reconheceu que esse homem não se movia guiado pela sabedoria humana, mas pela inspiração e poder do Espírito23.
4 Em seguida, o bem-aventurado Francisco inclinou-se e prometeu ao Senhor Papa obediência e reverência com tão grande humildade como devoção. 5 E, como os outros irmãos ainda não tinham prometido obediência, logo ali professaram obediência e reverência ao bem-aventurado Francisco, em conformidade com a ordem do Senhor Papa.
6 O Senhor Papa concedeu-lhe a Regra, a ele e aos irmãos presentes e futuros. 7 E deu-lhe autorização de pregar em toda a parte, conforme lhe fosse concedida a graça do Espírito Santo. Também os outros irmãos poderiam pregar, desde que o bem-aventurado Francisco lhes confiasse o ofício da pregação.
8 Desde então, o bem-aventurado Francisco começou a pregar ao povo pelas cidades e castelos, segundo lhe inspirava o Espírito Santo. O Senhor pôs em seus lábios palavras tão dignas, suaves e dulcíssimas que dificilmente alguém se cansaria de as ouvir.
9 O mencionado cardeal, levado pela dedicação que tinha ao Irmão24, mandou conferir a tonsura a todos os doze irmãos.
10 Mais tarde, o bem-aventurado Francisco mandou que se celebrasse Capítulo duas vezes ao ano: no Pentecostes e na Festa de S. Miguel, no mês de Setembro.





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