O Pobrezinho de Assis
Pai
S. Francisco, espero que tenhas um bocadinho de tempo para conversarmos. Hoje é
o teu dia. Ontem, à tardinha, já começamos a recordar a tua passagem para a
Vida Eterna. Não é necessário lembrar os
Irmãos. Todos celebram esta data com o coração em festa. Cada um, a seu modo,
dá graças a Deus pelo santo que tu és. Pela vida que viveste - cântico
permanente de louvor ao Deus que te criou.
Então
senta-te aqui e ouve-me.
Porque
te chamam “pobrezinho”? Quem não te conheça bem, pode ser levado a
pensar numa pessoa fisicamente pouco atrativa, talvez rude, amarga e dependente
da generosidade dos outros.
“Pobrezinho”, dito assim, pode
inspirar caridade, mas corre-se o risco de passar ao lado da tua própria
pessoa, sem se dar conta de que nos estamos cruzando com Francisco de Assis.
Tu
foste o rei da juventude de Assis… eras popular, tinhas muitos amigos, falavas
bem, eras alegre. Encantavas. Tinhas compaixão pelos mais necessitados e,
sempre que algum pobre te pedia esmola “por amor de Deus”, nunca
recusavas. E, ainda não te tinhas convertido… Mas dos teus pais recebeste uma
boa educação cívica e espiritual. Tua
mãe, cristã fervorosa, moldou o teu coração no amor de Deus e do próximo.
Tiveste um berço de ouro, com tudo aquilo que poderia determinar uma vida sem
grandes preocupações.
Mas
depois ouviste a voz de Deus. Veio a hora da conversão. Aquilo que tu eras não
chegava. E a tua vida mudou. E quando
decidiste que o teu caminho era viver segundo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus
Cristo, começaram a chamar-te “pobrezinho”.
Mas
eu vejo-te de modo diferente. Humilde sim. Pobrezinho não.
Tu
eras forte. Recuperaste com o vigor dos teus braços, as igrejas de S. Damião, a
Porciúncula e a de S. Pedro.
A
tua voz era maviosa quando cantavas. Era meiga e quente quando davas conselhos.
Era firme quando lutavas pelo privilégio da dona Pobreza. Eras trabalhador. Só
recebias esmolas em troca do teu trabalho.
Quando
algum irmão estava triste, tu ias ao seu encontro. Conseguias sarar as feridas
da sua alma. Se algum tinha frio, cuidavas de o agasalhar. Se tinha fome,
sentavas-te a seu lado e comias com ele para que não se sentisse envergonhado da
sua fraqueza.
Quando
estavas cego, entoavas louvores ao Deus Altíssimo e davas graças pelos
sofrimentos que sacudiam o teu corpo.
E
o teu sorriso era sempre a luz duma suave madrugada.
Nada
impunhas. O teu exemplo era a palavra que chegava ao coração daqueles que te
conheciam. Elas, as tuas palavras, é que levavam as pessoas a fazer as suas
escolhas.
Tua
falavas do amor de Deus, mas respeitavas quem não tinha uma fé igual à tua. Foi
o que aconteceu em Damietta. Tu pregavas a paz. A harmonia. O respeito não só
pelas pessoas, como também por todas as criaturas.
Tu
eras sábio. Justo. Misericordioso. A tua identificação com Cristo não diminuiu
a tua afeição ao pobre, ao doente, aquele que se sentia perturbado. Pelo
contrário, a tua compaixão era mais intensa e a tua presença constante.
É
que tu aprendeste que amar a Deus era suavizar o sofrimento humano, era limpar
as chagas da alma e do corpo. Era tornar concreto aquilo em que acreditavas.
Eras
um homem sensível, de sentimentos profundos, que desenvolveste os dons naturais
que estavam dentro de ti e os colocaste ao serviço dos irmãos. E isso porque um
dia ouviste a voz do Senhor e decidiste ser o “Arauto do grande Rei”.
E
dizem que és “probrezinho”?
No
Evangelho encontraste a simplicidade de vida. A tua generosidade para com Deus e
para com os homens, tornaram-te visível aos olhos de todos.
Eras
grande. Eras ativo. Livre. O teu olhar transmitia serenidade e da tua boca saíam
palavras de consolação e de esperança.
Não,
não eras, nem és um pobrezinho. O teu coração despojado de tudo aquilo
que é terreno, estava repleto de amor e de luz. Aí guardavas os tesouros que o
Senhor te confiava. Tu O compreendeste. Amaste Jesus desde o presépio até ao
Calvário. Transmitias alegria, vivias feliz. Não se podia sentir dó da tua
pessoa.
Assim
se compreende que o mundo hoje te recorde. Apesar do teu corpo terreno ter
ficado escondido durante alguns séculos, num sepulcro de todos desconhecido,
nem assim foste esquecido. Tens sido amado e admirado através dos tempos, por
crentes e não crentes, por gente de todas as idades.
E
chamam-te “pobrezinho”?!!
Pai
S. Francisco, homem grande, rico de bens espirituais, continuas a ser exemplo
para todo aquele que quer seguir Jesus. Obrigada por existires. Obrigada pelos
Irmãos que me deste e que hoje louvam o Senhor pela graça de te conhecerem.
Não
te chamo “pobrezinho” … quero sim, que muitos te conheçam, que sintam a
tua grandeza repleta de humildade e que aprendam a cantar contigo, sentindo a
doçura das palavras que escolheste para louvar o Senhor.
Dá-me
a tua mão, preciso dela, e soltemos a nossa voz, entoando juntos
Altíssimo, Omnipotente e Bom Senhor
A Ti toda honra e toda a glória,
A Ti o louvor.
Maria
clara, ofs
Lisboa,
4 de outubro de 2019