Ordem Franciscana Secular
Fraternidade de S. Francisco à Luz
Mosaico de Maria Ludgera Haberstroh ilustrando o Cântico
das Criaturas,
na Liebfrauenkirche, Innenhof
Plano de Vida e Ação 2016/2017
Tema: A Alegria do Amor: Viver como Irmãos
“Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum” (At. 2, 44)
Objetivos:
1.
Promover o espírito fraterno entre os irmãos
da fraternidade;
2.
Aprofundar a vivência do carisma franciscano;
3.
Refletir sobre o serviço e a entrega ao outro;
4.
Celebrar a vida em Fraternidade, exercer a
misericórdia, viver em comunhão e na partilha;
5.
Acolher e acompanhar todo e qualquer irmão da Fraternidade.
A Alegria do Amor: Viver como
Irmãos
“Todos os crentes viviam unidos e possuíam tudo em comum” (At. 2,
44)
O
livro dos Atos dos Apóstolos tem como grande objetivo oferecer-nos uma espécie
de “retrato” daquela que era a
comunidade cristã das origens. São Lucas vai descrevendo essa comunidade numa
perspetiva que se vai alargando, tomando como itinerário dessa expansão a
caminhada de Paulo e dos seus companheiros de missão. Os primeiros capítulos
dos Atos são dedicados à comunidade nascente, aquela que, na esteira de Jesus e
dos Apóstolos, inicia a vivência da mensagem agora já sem a presença física e
visível do Mestre. Formando um todo, com o Evangelho, devemos olhar para o texto
do livro dos Atos como a 2ª parte de um grande projeto em que o seu autor, tal
como ele mesmo o refere no prólogo (At 1,1-11), procura mostrar esta
continuidade no que diz respeito ao plano de Jesus de que a comunidade das
origens é o garante e a testemunha vivencial, já assumida no contexto do Novo
Testamento.
É
neste enquadramento que devemos situar e fazer a nossa aproximação aos textos
dos primeiros capítulos dos Atos, mormente a partir de 1,12, onde nos é
apresentada a “Comunidade de Jerusalém”.
Deste conjunto de textos e narrativas, sobressaem aquelas que dizem respeito à
vivência dos primeiros cristãos convertidos à fé em Jesus, na sua maioria de
origem judaica. O quadro que nos é oferecido por Lucas, personalidade de grande
sensibilidade cultural e humana, faz-nos sentir como os ideais da fé eram
vividos num clima de grande intensidade. Podemos dizer que Lucas, companheiro
que fora de S. Paulo, tinha-se deixado tocar pelo ideal evangélico que tão
profundamente marca a conversão do “Apóstolo
das gentes”, capaz de centrar em Cristo todo o plano da salvação, passando
da radicalidade da Lei mosaica, típica da ideologia farisaica em que fora
formado, para uma paixão envolvente em Cristo à qual tinha aderido. Lucas,
marcado por esta experiência radical de Paulo, deixa-se também ele tomar por
essa radicalidade evangélica que se cruza muito bem com aquilo que eram também
os ideais de vida do grupo dos “Pobres de
Yahwé” que aguardam a irrupção do “Reino
de Deus” e para o qual se devem preparar.
Nos últimos decénios do séc. 1º
aC, assim como no período em que decorre a vida de Jesus, tinha despertado no
âmbito do judaísmo uma grande tensão escatológica e apocalíptica que
desencadeara um clima de grande exigência e austeridade, mormente no que diz
respeito ao uso dos bens temporais e à partilha de recursos humanos, já que a
sociedade judaica tinha sofrido um grande empobrecimento. A mensagem de Jesus,
em vários textos evangélicos, faz-se eco desse ambiente de austeridade e de
urgência na partilha de bens temporais. A tradição rabínica e os ecos da
literatura judaica extra bíblica ajudam-nos a constatar este clima social e
religioso que então atravessava a sociedade do tempo.
É neste contexto que se enquadra
também a resposta cristã que comporta duas dimensões fundamentais; por um lado,
o movimento cristão das origens assume também ele esta radicalidade que, aliás,
S. Lucas deixa já transparecer nos chamados “Evangelhos da infância”, mormente nos cânticos do Benedictus (Lc 1,67-79) e no Magnificat (Lc 1,46-55) e nas
personagens que compõem esses quadros evangélicos: Isabel, Zacarias, Maria, os
pastores, assim como os dois anciãos, Simeão e Ana. A dimensão teológica destes
textos que nos apresentam a Comunidade cristã de Jerusalém procura assim mostrar-nos
como a radicalidade da conversão implica uma série de opções que devem ter
reflexos concretos no modo e na forma de vida dos crentes.
Várias dessas opções estão bem
expressas e definidas nos objetivos traçados para o Plano de Vida e Ação da
Fraternidade para 2016/17. É verdade que o ideal definido para este Plano – “Todos os crentes viviam unidos e possuíam
tudo em comum” (At. 2, 44) – é uma meta em busca de concretização, muito
bem adequada à vivência do “Ano da
Misericórdia” cujos valores e propostas vão continuar a fazer parte da
nossa identidade cristã e franciscana. Por isso, o regresso às fontes
franciscanas e ao Evangelho faz parte do desafio constante a que somos
interpelados a dar resposta. Não devemos sentir este ideal como uma meta
impossível, mas antes como uma interpelação que é, hoje, a nossa forma de
experimentar a temporalidade e a fragilidade da nossa condição humana, que
passa pela conversão constante ao Evangelho.
Padre
João Duarte Lourenço, OFM