Retalhos Como Francisco e Clara de Assis, a Fraternidade a todos saúda em Paz e Bem!Retalhos

13 de abril de 2017

Quinta-feira santa




11 de abril de 2017

Segunda-Feira Santa - Concerto




Domingo de Ramos



Introdução à Liturgia:
Com a liturgia deste domingo damos início à celebração da ‘grande semana’ da nossa redenção, acompanhando Jesus nos últimos passos da sua vida e nos momentos mais significativos da sua entrega total por nós. A cruz, que a liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus, apresenta-nos a lição suprema do seu amor, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus nos propõe: a doação da vida por amor.

Introdução às Leituras:
A primeira leitura apresenta-nos um profeta anónimo que, à maneira de Isaías, é chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com plena fidelidade, o projecto que Deus lhe havia confiado. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus.

A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.


O Evangelho narra-nos a paixão de S. Mateus: é o momento supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus – esse amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.
Padre João Lourenço, OFM

4 de abril de 2017

As sete palavras de Cristo na Cruz


3 de abril de 2017

Retiro Quaresmal - 2017

Fraternidade de S. Francisco à Luz
Seminário da Luz
Largo da Luz nº 11
LISBOA
Crónicas da vida da Fraternidade



RETIRO QUARESMAL (dia da reunião mensal da Fraternidade)
Lisboa,18 de março de 2017
Local: Convento da Imaculada Conceição – Sala dos Santos Mártires de Marrocos
Pregador: Frei Albertino Rodrigues, OFM

10:00 – Acolhimento
10:30 – Recitação de Laudes
11:00 1ª Pregação – “A Misericórdia em S. Francisco”
12:00 – Adoração Eucarística na Capela da Imaculada Conceição
13:00 – Momento de Reflexão/Meditação/Silêncio
14:00 – 2ª Pregação – “As Quaresmas em S. Francisco”
15:00 – Momento de Reflexão/Meditação/Silêncio
16:00 – Eucaristia
17:00 – Encerramento




Com a participação de muitos Irmãos e a presença brilhante do “senhor irmão Sol”, fizemos uma pausa no nosso caminho e, em Fraternidade, vivemos um dia de reflexão.
Alguns Irmãos não puderam estar presentes. Todos justificaram essa ausência. Motivos imprevistos e situações de doença. Rezámos por eles. Estiveram no pensamento desta assembleia. Juntos em amor. Um dia de vivência fraterna. Um dia de Retiro.

Frei Albertino ajudou-nos a refletir. A vida de S. Francisco está impregnada de misericórdia. À semelhança de Jesus. Misericórdia para com os pobres, com os pecadores, com os seus frades e até para com todos os seres por Deus criados. Diz a Regra, caso seja necessário impôr uma penitência a algum irmão, que “se faça com misericórdia”. Na Carta aos fiéis (8,43) recomenda ao Superior que “use de misericórdia com eles (os Irmãos) como gostaria que com ele usassem, se estivesse no lugar deles”. Também nos avisos espirituais (27,6) se pode ler: ”onde há misericórdia  aí não há dureza de coração”.

É tão simples, mas ao mesmo tempo tão exigente, ser franciscano secular. Viver segundo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é o compromisso assumido no dia em que cada Irmão faz a sua profissão solene. Oração, penitência e humildade. Francisco não pede aos seus filhos nada que estes não possam fazer. 




 Querendo seguir fielmente o Senhor, Francisco preparava a grande Quaresma, com penitência e oração, para celebrar a Páscoa. Mas, também, antes de outras grandes solenidades da Igreja, ele refugiava-se nos eremitérios e aí permanecia durante quarenta dias em contemplação e jejuando.

Fazia cinco Quaresmas: A Grande Quaresma (preparação para a Páscoa), a Quaresma do Advento, a da Epifania, a dos Apóstolos e a de S. Miguel.
  
E continuando o nosso retiro em silêncio, tivemos o privilégio de poder adorar o Santíssimo Sacramento na pequenina, acolhedora e lindíssima Capela da Imaculada Conceição. Que paz! Apetecia dizer: “Senhor como é bom estarmos aqui…”. Quantas confidências com Jesus! Que intimidade! ELE estava ali. Tão próximo. Tão visível! Que doce tranquilidade!


Os Irmãos levaram a sua merenda. Recolhidos, sentados ou passeando por entre o arvoredo do jardim, cada um viveu a seu modo este dia. Tempo de encontro pessoal, de interiorização… tempo de pensar que uso se faz do “tempo” que o Senhor nos dá.
Decerto que Ele deixou nos corações de todos alguma mensagem. Qual foi a minha? Qual foi a tua?

No fim da tarde a Eucaristia. A Capela estava repleta. Frei Albertino celebrou, cantou e viveu connosco este momento. As suas palavras foram de incentivo e de perseverança. Como cristãos, como franciscanos, temos que dar testemunho de misericórdia. Mensageiros de paz e de Misericórdia. Misericórdia para com todos. Misericórdia, também, com cada um de nós.
  
Foi um dia lindo. Tranquilo. Rostos sorridentes neste final de tarde. S. Francisco esteve ali connosco.  Despediram-se os Irmãos com com gestos de carinho. Com saudações de Paz e Bem. É tão bom e enriquecedor, saborear os momentos que nos são dados para viver em fraternidade!

Que Francisco continue a caminhar ao nosso lado, fortalecendo a nossa fé e ensinando-nos o que é a “verdadeira alegria” que encheu a sua vida.  Que neste entusiasmo que inunda as nossas almas, robustecido neste dia de meditação, cresça em nós, verdadeiramente, o amor a Deus. Que possamos dizer como ele:” meu Senhor e meu Deus, meu Deus e meu tudo”.

“Altíssimo, Omnipotente e Bom Senhor…”
maria clara, ofs
Lisboa, 18 de março de 2017

5º Domingo da Quaresma

Cúpula do Batistério da Basílica de S. João de Latrão
GENS SACRANDA POLIS HIC SEMINE NASCITVR ALMO
QVAM FECVNDATIS SPIRITVS EDIT AQVIS
VIRGINEO FETV GENITRIX ECCLESIA NATOS
QVOS SPIRANTE DEO CONCIPIT AMNE PARIT
COELORVM REGNVM SPERATE HOC FONTE RENATI
NON RECIPIT FELIX VITA SEMEL GENITOS
FONS HIC EST VITAE QVI TOTVM DILVIT ORBEM
SVMENS DE CHRISTI VVLNERE PRINCIPIVM
MERGERE PECCATOR SACRO PVRGANTE FLVENTO
QVEM VETEREM ACCIPIET PROFERET VNDA NOVVM
INSONS ESSE VOLENS ISTO MVNDARE LAVACRO
SEV PATRIO PREMERIS CRIMINE SEV PROPRIO
NVLLA RENASCENTVM EST DISTANTIA QVOS FACIT VNVM
VNVS FONS VNVS SPIRITVS VNA FIDES
NEC NVMERVS QVEMQVAM SCELERVM NEC FORMA SVORVM
TERREAT HOC NATVS FLVMINE SANCTVS ERIT
Aqui nasce um povo de nobre estirpe destinado ao Céu,
que o Espírito gera nas águas fecundadas.
A Mãe Igreja dá à luz na água, com um parto virginal
os que concebeu por obra do Espírito divino.
Esperai o reino dos céus, os renascidos nesta fonte:
a vida feliz não acolhe os nascidos uma só vez.
Aqui está a fonte da vida, que lava toda a terra,
que tem o seu princípio nas chagas de Cristo.
Submerge-te, pecador, nesta corrente sagrada e purificadora,
cujas ondas, a quem recebem envelhecido, devolverão renovado.
Se queres ser inocente, lava-te nestas águas,
tanto se te oprime o pecado herdado como o próprio.
Nada separa já os que renasceram, feitos um
por uma só fonte batismal, um só Espírito, uma só fé.
A nenhum aterrorize o número ou a gravidade dos seus pecados:
o que nasceu desta água viva será santo.
Introdução à Liturgia:
Nos domingos anteriores, a liturgia convidou-nos a reestruturar a nossa caminhada quaresmal a partir da ‘água viva’ e da ‘Luz’ que é Cristo. Neste 5º Domingo da Quaresma, a liturgia apresenta-nos Jesus como a vida nova, a vida em plenitude, uma vida que ultrapassa definitivamente a vida biológica: é a vida definitiva que supera a morte. Ele é a fonte dessa vida que nos leva à eternidade.

Introdução às Leituras:
Na primeira leitura, Yahwé oferece ao seu Povo, exilado na Babilónia, desesperado e sem futuro, uma vida nova. Abre-se para este povo uma porta de esperança. Essa vida nova vem pelo Espírito, que irá recriar o coração do Povo e inseri-lo numa dinâmica de escuta e de amor a Deus e aos irmãos.

O Evangelho garante-nos que Jesus veio realizar o desígnio de Deus e dar aos homens a vida definitiva. Ser “amigo” de Jesus é aderir à sua proposta; é entrar na vida definitiva de comunhão com Ele. Os crentes que vivem nesta relação de comunhão experimentam a morte física, mas não estão mortos: vivem para sempre em Deus.


A segunda leitura lembra aos cristãos que, no dia do seu Baptismo, optaram por Cristo e pela vida nova que Ele veio oferecer. Convida-os, portanto, a ser coerentes com essa escolha, a fazerem as obras de Deus e a viverem “segundo o Espírito”.
Padre João Lourenço, OFM

24 de março de 2017

4º Domingo da Quaresma

Tu és a nossa  Luz!

Introdução à Liturgia:
As leituras deste Domingo colocam-nos perante o tema da “luz” como sendo um desafio que é apresentado e proposto a todo o homem. Sempre na vida buscamos uma luz que nos oriente, que nos permita ter horizonte e que alimente a nossa esperança na caminhada que fazemos. A Quaresma é este tempo de encontrar a Luz que é Cristo e de nos abrirmos à sua claridade. Os textos de hoje definem a experiência cristã como um “viver na luz” que é Cristo.

.Introdução às Leituras:
A primeira Leitura não se refere directamente ao tema da “luz” - o tema central na liturgia deste domingo. No entanto, conta a eleição de David para rei de Israel e a sua unção: é uma óptima motivação para reflectirmos sobre a unção que recebemos no dia do nosso Baptismo e que nos constituiu testemunhas da “luz” de Deus no mundo.

No Evangelho, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”; a sua missão é libertar os homens das trevas do egoísmo, do orgulho e da auto-suficiência, da vaidade pessoal e do exibicionismo, pecados estes que obscurecem a Luz de Cristo em nós. Aderir à proposta de Jesus é enveredar por um caminho de liberdade e de realização que conduz à vida plena.

Na segunda Leitura, Paulo propõe aos cristãos de Éfeso que recusem viver à margem de Deus, nas trevas, mas que escolham a “luz”. Em concreto, para Paulo, viver na “luz” é praticar as obras de Deus que são bondade, justiça, verdade, sinceridade, connosco, com Deus e com os Irmãos.
Padre João Lourenço, OFM

20 de março de 2017

3º Domingo da Quaresma

Jesus Salvador da Humanidade

Introdução à Liturgia:
A liturgia quaresmal convida-nos a olhar a vida nos seus ritmos do quotidiano e a questionar aquilo que ela comporta de menos bom em ordem a uma nova etapa que seja marcada pela ressurreição do Senhor. A Palavra de Deus que hoje nos é proposta mostra que o nosso Deus está sempre presente ao longo da nossa caminhada pela história, mesmo no meio das maiores vicissitudes, e que só Ele nos pode oferecer um horizonte de plenitude e de esperança.

Introdução às Leituras:
A primeira leitura mostra como Yahwé acompanha a caminhada do povo de Israel no deserto do Sinai e como, nos momentos de crise, responde às necessidades do seu Povo. O texto mostra-nos a proximidade de Deus e dá-nos a chave para entender a lógica de Deus, manifestada em cada passo da história da salvação.
A segunda leitura repete, noutros termos, o ensinamento da primeira: Deus acompanha o seu Povo em marcha pela história; e, apesar do pecado e da infidelidade, insiste em oferecer ao seu Povo – de forma gratuita e incondicional – a salvação.

O Evangelho fala-nos do encontro de Jesus com a Samaritana, à qual oferece o dom da ‘água viva’ que mata a sede que cada homem tem de infinito e de salvação. Como ao tempo de Jesus, hoje todos somos um pouco a imagem da Samaritana, buscando novas fontes e procurando saciar a sede de salvação. Mais uma vez, através da sua Palavra, Jesus promete àqueles que o procuram essa vida nova que Ele veio anunciar.
Padre João Lourenço, OFM

10 de março de 2017

2º Domingo da Quaresma

Tu és o Senhor dos Passos!
Introdução à Liturgia:
O tempo da quaresma é apresentado na liturgia como um caminho, como uma caminhada que cada crente é convidado a fazer, seguindo os passos de Cristo. Neste segundo Domingo, a Palavra de Deus define o caminho que o verdadeiro discípulo deve seguir: é o caminho da escuta atenta aos apelos de Deus em ordem à realização dos seus projectos, numa entrega radical e comprometida com os planos do Pai.
Introdução às Leituras:
A primeira leitura apresenta-se um dos grandes momentos da História da Salvação: O chamamento de Abraão, “Deixa a tua terra e parte”. Abraão é o homem de fé, que vive numa constante escuta de Deus, que sabe ler os seus sinais, que aceita os apelos de Deus e Lhe responde com a obediência total, numa entrega confiada. Nesta perspectiva, ele é o modelo do crente que percebe o projecto de Deus e o segue de todo o coração.

O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. Recorrendo a elementos simbólicos do Antigo Testamento, o autor apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projecto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.

Na segunda leitura, há um apelo aos seguidores de Jesus, no sentido de que sejam, de forma verdadeira, empenhada e coerente, as testemunhas do projecto de Deus no mundo. Nada – muito menos o medo, o comodismo e a instalação – pode distrair o discípulo dessa responsabilidade e desviá-los desta caminhada.
Padre João Lourenço, OFM

9 de março de 2017

A Palavra é um dom. O outro é um dom

Publicamos a seguir o texto integral da Mensagem do Santo Padre Francisco para a Quaresma 2017, sobre o tema "A Palavra é um dom. O outro é um dom":
A Palavra é um dom. O outro é um dom.

Amados irmãos e irmãs!
A Quaresma é um novo começo, uma estrada que leva a um destino seguro: a Páscoa de Ressurreição, a vitória de Cristo sobre a morte. E este tempo não cessa de nos dirigir um forte convite à conversão: o cristão é chamado a voltar para Deus «de todo o coração» (Jl 2, 12), não se contentando com uma vida medíocre, mas crescendo na amizade do Senhor. Jesus é o amigo fiel que nunca nos abandona, pois, mesmo quando pecamos, espera pacientemente pelo nosso regresso a Ele e, com esta espera, manifesta a sua vontade de perdão (cf. Homilia na Santa Missa, 8 de janeiro de 2016).
A Quaresma é o momento favorável para intensificarmos a vida espiritual através dos meios santos que a Igreja nos propõe: o jejum, a oração e a esmola. Na base de tudo isto, porém, está a Palavra de Deus, que somos convidados a ouvir e meditar com maior assiduidade neste tempo. Aqui queria deter-me, em particular, na parábola do homem rico e do pobre Lázaro (cf. Lc 16, 19-31). Deixemo-nos inspirar por esta página tão significativa, que nos dá a chave para compreender como temos de agir para alcançarmos a verdadeira felicidade e a vida eterna, incitando-nos a uma sincera conversão.
1. O outro é um dom
A parábola inicia com a apresentação dos dois personagens principais, mas quem aparece descrito de forma mais detalhada é o pobre: encontra-se numa condição desesperada e sem forças para se solevar, jaz à porta do rico na esperança de comer as migalhas que caem da mesa dele, tem o corpo coberto de chagas, que os cães vêm lamber (cf. vv. 20-21). Enfim, o quadro é sombrio, com o homem degradado e humilhado.
A cena revela-se ainda mais dramática, quando se considera que o pobre se chama Lázaro, um nome muito promissor pois significa, literalmente, «Deus ajuda». Não se trata duma pessoa anónima; antes, tem traços muito concretos e aparece como um indivíduo a quem podemos atribuir uma história pessoal. Enquanto Lázaro é como que invisível para o rico, a nossos olhos aparece como um ser conhecido e quase de família, torna-se um rosto; e, como tal, é um dom, uma riqueza inestimável, um ser querido, amado, recordado por Deus, apesar da sua condição concreta ser a duma escória humana (cf. Homilia na Santa Missa, 8 de janeiro de 2016).
Lázaro ensina-nos que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas consiste em reconhecer, com gratidão, o seu valor. O próprio pobre à porta do rico não é um empecilho fastidioso, mas um apelo a converter-se e mudar de vida. O primeiro convite que nos faz esta parábola é o de abrir a porta do nosso coração ao outro, porque cada pessoa é um dom, seja ela o nosso vizinho ou o pobre desconhecido. A Quaresma é um tempo propício para abrir a porta a cada necessitado e nele reconhecer o rosto de Cristo. Cada um de nós encontra-o no próprio caminho. Cada vida que se cruza connosco é um dom e merece aceitação, respeito, amor. A Palavra de Deus ajuda-nos a abrir os olhos para acolher a vida e amá-la, sobretudo quando é frágil. Mas, para se poder fazer isto, é necessário tomar a sério também aquilo que o Evangelho nos revela a propósito do homem rico.
2. O pecado cega-nos
A parábola põe em evidência, sem piedade, as contradições em que vive o rico (cf. v. 19). Este personagem, ao contrário do pobre Lázaro, não tem um nome, é qualificado apenas como «rico». A sua opulência manifesta-se nas roupas, de um luxo exagerado, que usa. De facto, a púrpura era muito apreciada, mais do que a prata e o ouro, e por isso se reservava para os deuses (cf. Jr 10, 9) e os reis (cf. Jz 8, 26). O linho fino era um linho especial que ajudava a conferir à posição da pessoa um caráter quase sagrado. Assim, a riqueza deste homem é excessiva, inclusive porque exibida habitualmente: «Fazia todos os dias esplêndidos banquetes» (v. 19). Entrevê-se nele, dramaticamente, a corrupção do pecado, que se realiza em três momentos sucessivos: o amor ao dinheiro, a vaidade e a soberba (cf. Homilia na Santa Missa, 20 de setembro de 2013).
O apóstolo Paulo diz que «a raiz de todos os males é a ganância do dinheiro» (1 Tm 6, 10). Esta é o motivo principal da corrupção e uma fonte de invejas, contendas e suspeitas. O dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 55). Em vez de instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço ao amor e dificulta a paz.
Depois, a parábola mostra-nos que a ganância do rico fá-lo vaidoso. A sua personalidade vive de aparências, fazendo ver aos outros aquilo que se pode permitir. Mas a aparência serve de máscara para o seu vazio interior. A sua vida está prisioneira da exterioridade, da dimensão mais superficial e efémera da existência (cf. ibid., 62).
O degrau mais baixo desta deterioração moral é a soberba. O homem veste-se como se fosse um rei, simula a posição dum deus, esquecendo-se que é um simples mortal. Para o homem corrompido pelo amor das riquezas, nada mais existe além do próprio eu e, por isso, as pessoas que o rodeiam não caiem sob a alçada do seu olhar. Assim o fruto do apego ao dinheiro é uma espécie de cegueira: o rico não vê o pobre esfomeado, chagado e prostrado na sua humilhação.
Olhando para esta figura, compreende-se por que motivo o Evangelho é tão claro ao condenar o amor ao dinheiro: «Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Mt 6, 24).
3. A Palavra é um dom
O Evangelho do homem rico e do pobre Lázaro ajuda a prepararmo-nos bem para a Páscoa que se aproxima. A liturgia de Quarta-Feira de Cinzas convida-nos a viver uma experiência semelhante à que faz de forma tão dramática o rico. Quando impõe as cinzas sobre a cabeça, o sacerdote repete estas palavras: «Lembra-te, homem, que és pó da terra e à terra hás de voltar». De facto, tanto o rico como o pobre morrem, e a parte principal da parábola desenrola-se no Além. Dum momento para o outro, os dois personagens descobrem que nós «nada trouxemos ao mundo e nada podemos levar dele» (1 Tm 6, 7).
Também o nosso olhar se abre para o Além, onde o rico tece um longo diálogo com Abraão, a quem trata por «pai» (Lc 16, 24.27), dando mostras de fazer parte do povo de Deus. Este detalhe torna ainda mais contraditória a sua vida, porque até agora nada se disse da sua relação com Deus. Com efeito, na sua vida, não havia lugar para Deus, sendo ele mesmo o seu único deus.
Só no meio dos tormentos do Além é que o rico reconhece Lázaro e queria que o pobre aliviasse os seus sofrimentos com um pouco de água. Os gestos solicitados a Lázaro são semelhantes aos que o rico poderia ter feito, mas nunca fez. Abraão, porém, explica-lhe: «Recebeste os teus bens na vida, enquanto Lázaro recebeu somente males. Agora, ele é consolado, enquanto tu és atormentado» (v. 25). No Além, restabelece-se uma certa equidade, e os males da vida são contrabalançados pelo bem.
Mas a parábola continua, apresentando uma mensagem para todos os cristãos. De facto o rico, que ainda tem irmãos vivos, pede a Abraão que mande Lázaro avisá-los; mas Abraão respondeu: «Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam» (v. 29). E, à sucessiva objeção do rico, acrescenta: «Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos» (v. 31).
Deste modo se patenteia o verdadeiro problema do rico: a raiz dos seus males é não dar ouvidos à Palavra de Deus; isto levou-o a deixar de amar a Deus e, consequentemente, a desprezar o próximo. A Palavra de Deus é uma força viva, capaz de suscitar a conversão no coração dos homens e orientar de novo a pessoa para Deus. Fechar o coração ao dom de Deus que fala, tem como consequência fechar o coração ao dom do irmão.
Amados irmãos e irmãs, a Quaresma é o tempo favorável para nos renovarmos, encontrando Cristo vivo na sua Palavra, nos Sacramentos e no próximo. O Senhor – que, nos quarenta dias passados no deserto, venceu as ciladas do Tentador – indica-nos o caminho a seguir. Que o Espírito Santo nos guie na realização dum verdadeiro caminho de conversão, para redescobrirmos o dom da Palavra de Deus, sermos purificados do pecado que nos cega e servirmos Cristo presente nos irmãos necessitados. Encorajo todos os fiéis a expressar esta renovação espiritual, inclusive participando nas Campanhas de Quaresma que muitos organismos eclesiais, em várias partes do mundo, promovem para fazer crescer a cultura do encontro na única família humana. Rezemos uns pelos outros para que, participando na vitória de Cristo, saibamos abrir as nossas portas ao frágil e ao pobre. Então poderemos viver e testemunhar em plenitude a alegria da Páscoa.
Vaticano, 18 de outubro de 2016.

Festa do Evangelista São Lucas
Francisco

5 de março de 2017

1º Domingo da Quaresma

24 horas para o Senhor
   Introdução à Liturgia:
    Quarta-feira, com a imposição das cinzas, demos início à nossa caminhada quaresmal, que nos leva à Páscoa do Senhor. Ao longo desta caminhada a Igreja convida-nos a alimentar a nossa vida cristã com a Oração, com a Palavra de Deus e com a prática da caridade. É o grande convite à “conversão” – isto é, a recolocar Deus no centro da nossa existência, a aceitar a comunhão com Ele, a escutar as suas propostas, a concretizar no mundo – com fidelidade – os seus projectos.

    Introdução às Leituras:

    A primeira leitura afirma que Deus criou o homem para a felicidade e para a vida plena. Quando escutamos as propostas de Deus, conhecemos a vida e a felicidade; mas, sempre que prescindimos de Deus e nos fechamos em nós próprios, inventamos esquemas de egoísmo, de orgulho e de prepotência e construímos caminhos de sofrimento e de morte.
   A segunda leitura, por sua vez, propõe-nos dois exemplos: Adão e Jesus. Adão representa o homem que escolhe ignorar as propostas de Deus e decide, por si só, os caminhos de uma pretensa salvação que não tem sentido. Por seu lado, Jesus é o homem que escolhe viver na obediência às propostas de Deus, de acordo com os projectos do Pai. O esquema de Adão gera egoísmo, sofrimento e morte; a proposta de Jesus gera vida plena e definitiva.
   O Evangelho apresenta, de forma mais clara, o exemplo de Jesus. Ele recusou – de forma absoluta – uma vida vivida à margem de Deus e dos seus projetos. A Palavra de Deus garante que, na perspetiva cristã, uma vida que ignora os projetos do Pai e se fecha em esquemas de realização pessoal é uma vida perdida e sem sentido. Toda a tentação de ignorar Deus e as suas propostas é uma tentação diabólica e que o cristão deve rejeitar, resistindo àquilo que são as tentações da modernidade que se ficam pelo dinheiro, pelo prazer fácil e pelo culto de si próprio.
Padre João Lourenço, OFM

3 de março de 2017

Quarta-feira de cinzas

Passo a passo
Neste mundo belo, vamos tendo ao longo do ano etapas diferentes. A natureza em cada uma delas veste-se de modo diferente. Deslumbrante com o calor do verão, mais tranquila com as folhas douradas do outono; aconchegante no inverno e sonhadora na primavera.
Também na nossa busca constante da verdadeira felicidade, acontece algo que me parece idêntico.
O Natal já passou. Toda a alegria que vivemos dará agora os seus frutos na Quaresma que hoje começa. Não são tempos separados. É como se fizéssemos uma pausa e de novo recomeçássemos com vigor, a seguir as pegadas de Jesus. Precisamos de estímulos, de entusiasmo verdadeiro, para chegarmos à terra prometida.
O objetivo é a conversão, reconhecer que somos frágeis, que precisamos de ajuda e que essa ajuda nos vem do Pai que nos ama infinitamente.
Mas não nos devemos ficar só por palavras. Cada um deve estar atento aquilo que o Senhor sugere. O modo como poderemos ser luz para quem vive na escuridão, como poderemos secar as lágrimas de quem sofre, como poderemos fazer renascer a esperança em corações desesperados…
Vamos em frente. Caminhemos em direção à Páscoa, de coração purificado, confiantes na misericórdia do Senhor e levando a nossa cruz. Não O deixemos só. A cruz que Ele carrega não traduz medo. É um sinal de Amor. Amor por toda a humanidade. Amor por cada um de nós.
Cheios de fé iniciemos este percurso. E comecemos por pedir ao nosso pai S. Francisco que nos acompanhe e nos ajude a viver estes dias com intensidade, arrependimento e aceitando o AMOR de Jesus. Ele é a nossa força. Com Ele somos mais felizes.
Passo a passo, sentindo esta Quaresma com espírito de humildade e desejo de conversão, chegaremos ao domingo da Ressurreição, com alegria renovada, podendo, então, exclamar e passar a boa nova: o Senhor Ressuscitou, Aleluia!
maria clara, ofs
1março2017

24 de fevereiro de 2017

8º Domingo do Tempo Comum

Introdução à Eucaristia:
A vida, muitas vezes, é feita de tensões, desânimos e dificuldades. É-nos pedida uma grande energia e força de vontade para levar avante o nosso projeto. A fé é, certamente, um dos fatores que mais contribui para reforçar em nós o entusiasmo, a alegria e a esperança. É ela que alimenta a nossa caminhada e, por isso, nos congregamos aqui para a celebrar em comunidade, colocando a nossa confiança nesse Deus que cuida dos seus filhos com a solicitude de um pai e o amor gratuito e incondicional de uma mãe.
Introdução às Leituras:
Em frases muito breves, a 1ª leitura reflete a experiência da vida que um povo experimenta e cuja experiência o leva a aprender, pouco a pouco, que Deus está presente, mesmo quando parece que Ele não se faz sentir. Ele está ao nosso lado e sempre nos acompanha. Este é o sentido da Aliança.

O Evangelho faz-nos o convite para buscarmos e procurarmos o essencial (o “Reino”) por entre a enorme bateria de coisas secundárias que, dia a dia, ocupam o nosso interesse. Garante-nos, igualmente, que escolher o essencial não é negligenciar o resto: o nosso Deus é um pai cheio de solicitude pelos seus filhos, que provê com amor às suas necessidades.

Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto a fixarem o seu olhar no essencial e não no acessório; a não emitirem juízos sobre os outros nem sobre aquilo que parece, já que só Deus julga e só Ele nos conhece plenamente.
Padre João Lourenço, OFM 

17 de fevereiro de 2017

7º Domingo do tempo comum


Introdução à Liturgia


Introdução:
A liturgia deste Domingo convida-nos à santidade, à perfeição, numa exigência que parte e tem como fundamento o próprio testemunho de Jesus. Este é o “caminho cristão”, o caminho que Jesus nos propõe, um caminho nunca acabado e que exige de cada e em cada dia, um compromisso sério e radical. Esta é a dinâmica do “Reino” em que Jesus envolve os discípulos e que deve ser concretizada em gestos de ternura, de amor e de perdão. Este é o desafio da nossa fé que aqui celebramos em Comunidade.
Introdução às Leituras:
A primeira leitura que nos é proposta apresenta um apelo veemente à santidade: viver na comunhão com o Deus santo, exige ser santo. A santidade é a própria identidade de Deus, do Deus em quem acreditamos. Para o autor do livro do Levítico, a santidade passa também pelo amor ao próximo.
No Evangelho, e dando continuidade ao ‘Sermão da Montanha’, Jesus continua a propor aos discípulos a sua Lei da santidade; Ele pede aos seus que aceitem inverter a lógica da violência e do ódio, pois esse “caminho” só gera egoísmo, sofrimento e morte; Ao invés, Ele propõe-lhes o caminho do amor que não marginaliza nem discrimina ninguém (nem mesmo os inimigos). É nesse caminho de santidade que se constrói o “Reino”.

Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto – e os cristãos de todos os tempos e lugares – a serem o lugar onde Deus reside e Se dá a conhecer aos homens. Para que isso aconteça, eles devem renunciar definitivamente à “sabedoria do mundo”, optando pela “sabedoria de Deus”, que é dom de vida, gratuidade total.
Padre João Lourenço, OFM

10 de fevereiro de 2017

6º Domingo do Tempo Comum



Introdução à Eucaristia:
A liturgia de hoje leva-nos a celebrar a certeza que Jesus supera a Lei de Moisés do Antigo Testamento. A força da nova aliança que nos vem das Bem-aventuranças abre-nos à gratuidade e à misericórdia de Deus. Por isso, Jesus nos ensina que a nossa fé não se reduz a um dilema entre a graça e o pecado, mas ao dom de Deus testemunhado em Jesus Cristo.

Introdução às Leituras:
A primeira leitura recorda-nos que o homem é livre de escolher entre a proposta de Deus, que conduz à vida e à felicidade, e a auto suficiência do próprio homem que destrói em nós esse caminho de paz e de harmonia interior. Deus sempre convida o homem à escolha, ao exercício da sua liberdade para escolher o caminho do bem.

Na segunda leitura, dando continuidade ao texto da 1ª Carta aos Coríntios, Paulo fala-nos da ‘sabedoria de Deus’ que está para além do conhecimento do homem e que nos revela o dom que Deus preparou desde sempre ‘para aqueles que o ama’. Oculto aos olhos dos homens, ele o revelou em Jesus Cristo. É Ele a plenitude do dom e do amor do Pai.


No Evangelho, Jesus continua a expor aos seus discípulos a Boa-Nova que Ele veio anunciar. Essa Boa-Nova já não se configura aos preceitos da Lei de Moisés, mas à gratuidade do amor. A sua mensagem não passa pelo cumprimento da letra, mas sim por uma verdadeira atitude interior de adesão a Deus que há-de marcar todos os passos da nossa caminhada.
Padre João Lourenço, OFM 

3 de fevereiro de 2017

5º Domingo do Tempo Comum




(05 de fevereiro 2017)

Introdução à Liturgia:
A liturgia deste Domingo continua a falar-nos da novidade radical da proposta que Jesus faz aos seus discípulos, mostrando-lhes que a sua mensagem não é apenas um novo ensino mas, acima de tudo, um novo caminho de vida.
Hoje, celebra-se também o Dia da Universidade Católica, levando até às Comunidades Cristãs esta partilha e esta interpelação acerca da presença de uma cultura e de um pensamento que deve ser luz e sal no mundo. 

Introdução às Leituras:
Na primeira leitura, tomada do livro de Isaías, o profeta a exorta o povo acerca da necessidade de empreender um novo percurso que supere as injustiças, que crie formas de partilha e de comunhão. Não é possível reconstruir a nova comunidade da aliança, ficando apenas pelas pedras e pelas estruturas exteriores. A verdadeira reconstrução faz-se a partir do coração. 

Na segunda leitura, Paulo fala-nos de Cristo como a verdadeira sabedoria de Deus, aquela sabedoria que deve pautar a nossa forma de ser e de agir. Esta sabedoria constrói-se também a partir de um esforço pessoal, mas deve ter sempre como paradigma a pessoa de Jesus.



No Evangelho, Jesus apresenta aos seus discípulos duas imagens que definem a identidade do discípulo: ser sal e ser luz. Ser sal, significa dar tempero e sabor à vida, abrindo-a à esperança e à comunhão. Ser luz, quer dizer descobrir novos horizontes e novos caminhos que aponta a vida plena e a eternidade. Ser discípulo é, desta forma, construir um horizonte em que Ele é a luz e o verdadeiro sal que Deus concede a cada um de nós. 
Padre João Lourenço, OFM

27 de janeiro de 2017

4º Domingo do Tempo Comum

As Bem-aventuranças de Jesus Cristo são o ‘manual’ da nossa vida e da nossa identidade.
 (29 de janeiro 2017)

Introdução à Liturgia:
A liturgia deste domingo leva-nos até ao núcleo central da nossa vivência cristã, que marca a nossa forma de ser e de estar no mundo. Trata-se das Bem-aventuranças que nos são propostas como forma de ser e como testemunho da nossa identidade cristã. Acolher esta página no Evangelho é como refrescar a nossa vida, redescobrir a sua novidade e o seu sentido. É isso que a Eucaristia de hoje nos propõe.

.Introdução às Leituras:
A 1ª leitura, tomada do profeta Sofonias, mostra-nos a voz de alguém que interpela o povo de Deus para alguns dos aspetos fundamentais da sua fé, numa altura que os reis de Judá tinham abandonado os caminhos de Deus. É certamente uma interpelação para que o povo volte o seu coração para Deus e não se deixe levar pelas atitudes daqueles que o governam.

Na 2ª leitura, dando continuidade ao tema dos domingos precedentes, Paulo fala-nos da sabedoria de Deus e da sabedoria humana, dizendo-nos que Deus nos interpela através das atitudes dos simples e humildes, tal como sucede em Jesus.

No Evangelho, temos o código das Bem-aventuranças, com tudo aquilo que elas representam como novidade do Reino. Poderíamos dizer que elas são o ‘manual’ da nossa vida e da nossa identidade. Viver as Bem-aventuranças é, desde já, sentir-se bem-aventurado na comunhão com Deus e os irmãos.
Padre João Lourenço, OFM 

20 de janeiro de 2017

22 de janeiro - S. Vicente, diácono e mártir

FESTA DE SÃO VICENTE
Padroeiro do Patriarcado de Lisboa
(22 de janeiro 2017)
S. Vicente | Pintura do séc. XVI | D.R.


Introdução à liturgia:
A Igreja do Patriarcado de Lisboa celebra hoje a festa do seu patrono, S. Vicente, mártir em Saragoça nos inícios do séc. IV. O culto a este mártir difundiu-se rapidamente por toda a península hispânica e, trazidas para Lisboa na altura da invasão islâmica, as suas relíquias tornaram-se um testemunho vivo da fé cristã, desde as origens da nossa nacionalidade.

Introdução às leituras:
A primeira leitura, do livro de Ben Sirá, fala-nos da confiança que depositam em Deus aqueles que n’Ele acreditam, mormente nos momentos de maior tribulação. Os Mártires são um exemplo vivo desta confiança e desta coragem que os leva a enfrentar a própria morte como testemunho da sua fé.
                       
Na segunda carta aos Coríntios, S. Paulo fala-nos do seu testemunho de arauto do Evangelho e da confiança que deposita em Cristo, apesar de todas as adversidades que teve de enfrentar ao longo do seu percurso.

No Evangelho, S. Mateus deixa-nos as advertências de Jesus aos seus discípulos acerca daquilo que será o percurso do seu ministério. Muitas dessas advertências estão já presentes na vida de Jesus e foram depois experimentadas pelos primeiros arautos do Evangelho. O testemunho dos mártires mostra-nos que é na Palavra do Mestre que eles encontram a coragem para enfrentar a própria morte.

Padre João Lourenço, OFM


O texto que se publica infra foi elaborado e cedido pela UCP para assinalar a Festa de S. Vicente, padroeiro da diocese de Lisboa. 


S. Vicente, diácono e mártir

S. Vicente é o mais célebre dos mártires hispânicos, o único que se encontra incorporado na liturgia da igreja universal. O seu dia celebra-se a 22 de janeiro.
Desde muito cedo foi objeto de um culto amplamente difundido. Já o grande poeta Paulino de Nola, que viveu na segunda metade do século IV e na primeira do século V, lhe atribuía o mesmo estatuto que o de S. Ambrósio em Itália, ou o de S. Martinho de Tours na Gália. O seu contemporâneo Prudêncio dedica-lhe um longo poema, além de largo excerto noutro hino a propósito da cidade natal do mártir, Saragoça. Nos primeiros anos do século V, por volta de 410-412, Agostinho assim dizia em Cartago num dos sermões compostos para a missa da festa do mártir ("Sermo" 276, PL 38, 1257):
«Qual é hoje a região, qual a província, até onde quer que se estenda tanto o império romano como o nome de Cristo, que não rejubile por celebrar o dia consagrado a Vicente?»
Segundo a tradição hagiográfica, os acontecimentos ter-se-iam passado na sequência de uma série de decretos dos imperadores Diocleciano e Maximiano, emitidos nos anos 303 e 304, que intentavam reprimir o culto cristão por todo o império. Vicente seria diácono em Saragoça, quando é preso por um governador de quem não temos qualquer outra referência e cuja existência é muito problemática, de nome Daciano. Recusando revelar o sítio dos livros de culto e abjurar, como ordenava o decreto imperial, é levado para Valência (episódio singular, pois Saragoça e Valência pertenciam a províncias distintas, uma à Tarraconense, a outra à Cartaginense, cada uma com o seu próprio governador). Das sequelas do interrogatório sob tortura a que foi submetido, faleceu a 22 de janeiro do ano 304.
Após a morte, a hagiografia deixou-nos acontecimentos miraculosos, como o episódio do corvo e o do regresso do corpo a terra, após ter sido lançado ao mar. Poucos anos depois, a partir de 313, no tempo do imperador Constantino, constrói-se um sepulcro martirial em Valência, que mais tarde daria lugar uma basílica extramuros, onde o corpo era venerado pelos devotos.
O culto difundiu-se rapidamente. Corroborando os textos hagiográficos, Valência assumiu-se desde logo como sua sede privilegiada. Aqui ficava a igreja que acolhia o corpo do mártir, citada por Prudêncio e pela Paixão traduzida mais adiante. Além disso, uma inscrição transmitida por um manuscrito do século IX indica que o bispo Justiniano (527-548), membro de uma família de ilustres literatos e eclesiásticos, além de muito devoto do santo, terá deixado os seus bens em testamento a um mosteiro dedicado a S. Vicente, que a tradição identifica hoje com San Vicente de la Roqueta.
O outro local importante era Saragoça, onde Vicente fora diácono e onde o seu martírio começara. Já em finais do século IV e inícios do século V, o poeta Prudêncio refere o culto que aí se desenvolvia, aludindo a umas relíquias (fala de algum objeto com o sangue do mártir). Em 541, durante o cerco de Childeberto, rei da Nêustria, Saragoça teria sido salva pela intervenção miraculosa da túnica do mártir, em episódio mais adiante referido. Na primeira metade do século VII, o poeta Eugénio de Toledo dedica um epigrama a uma igreja do santo, aludindo ao sangue e à túnica, túnica que reaparece numa oração da missa composta na mesma altura. Eugénio foi, de resto, arcediago desta igreja.
Além de Valência e Saragoça, cidades indissociáveis da figura de S. Vicente, o culto cedo se estendeu a outras cidades da Hispânia. Em Sevilha, já antes de 428, quando os Vândalos invadem a cidade, a catedral onde Isidoro se recolheu na véspera de morrer estaria dedicada a S. Vicente. A catedral de Córdova também estaria sob a invocação do mártir em período anterior às invasões muçulmanas.
A epigrafia documenta-nos o desenvolvimento do culto em época recuada. Temos conhecimento, talvez no século V, de uma igreja em Toledo. No século VI, há notícia de três igrejas dedicadas ao mártir: uma em Nativola, Granada (consagrada em 594), outra em Cehegín na província de Múrcia, e uma terceira em Loja, perto de Córdova. No século VII, no ano 644, consagra-se um templo em Vejer de la Miel, perto de Cádis. Também o calendário epigráfico de Carmona, porventura do século VI ou VII, assinala o dia do santo. No século VII, o impulso dado ao culto é atestado pela significativa produção litúrgica (um hino, orações, uma missa, sermões), alguma da qual percorreremos nas páginas seguintes.
E desde o século VIII até ao século X, a proliferação de igrejas dedicadas a S. Vicente é notável por toda a Hispânia: cite-se apenas Oviedo, onde em 761 são depositadas umas relíquias trazidas de Valência.
Em África, sabemos que, por inícios do século V, o dia de S. Vicente era celebrado com grande solenidade. O ilustre Agostinho redigiu, entre 410 e 412, quatro sermões para este dia, um outro com larga referência, e, se acaso for do bispo de Hipona, um sexto entre 410 e 419 ("Serm4 De Iacob et Iesau")Em quatro deles indica expressamente que tinham acabado de escutar a leitura da Paixão do mártir. No século VI, o seu culto está atestado por um calendário litúrgico de Cartago, escrito entre 506 e 535, por alguns sermões anónimos e pela epigrafia.
Na Gália e Aquitânia, o culto remonta, pelo menos, a meados do século V. (...) O século IX assiste a uma notável expansão do culto de S. Vicente (...). Mas, de longe, a igreja mais famosa na Gália é a de Paris. Em 541, em campanha contra o rei visigodo Têudis, o rei Childeberto da Nêustria sitia Saragoça. A túnica de Vicente, mencionada por Eugénio de Toledo e na missa reelaborada no século VI na Hispânia, então reino dos Visigodos, foi levada em procissão em redor das muralhas e a cidade foi salva. Childeberto pediu então ao bispo da cidade relíquias do mártir. Este concedeu-lhe a estola (espécie de manto que se usava sobre a túnica). No regresso, Childeberto edificou em Paris uma basílica dedicada a S. Vicente onde depositou a relíquia, tendo sido consagrada em 558 pelo bispo de Paris, Germano. Este foi o panteão dos primeiros reis merovíngios. Nos finais do século X e inícios do século XI, a igreja foi reconstruída. Em 1163, a igreja foi dedicada de novo a S. Germano, sendo desde então conhecida como Saint-Germain-des-Prés. Em Itália, o culto também se desenvolveu desde muito cedo. (...)
Por estas brevíssimas notas, é evidente a espantosa difusão que o culto a S. Vicente alcançou nos séculos anteriores à nossa nacionalidade. Ora, sucede que os inícios do reino de Portugal, e, em particular, a cidade de Lisboa, estão indissociavelmente ligados ao diácono de Saragoça.
Já antes da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques, temos notícia da existência de basílicas dedicadas ao mártir no que será mais tarde território português. Um documento do ano 830 (seguido de dois outros de cerca de 90S e do ano 911) refere uma igreja dedicada a S. Vicente em Infias, Braga, que poderá remontar ao século VII. Em 972, documentação referente ao mosteiro do Lorvão menciona uma igreja nas imediações de Coimbra; documentos dos anos 970 e 973 aludem a uma Porta de S. Vicente, nos limites das terras de um mosteiro designado "de Bacalusti", nas margens do rio Douro; em 978 e 1002 refere-se uma igreja de S. Vicente "de Pararia".
Antes de 1094, quando passa para a posse do bispo de Coimbra, o mosteiro da Vacariça, na região da Mealhada, associava a invocação a S. Vicente à de S. Salvador, e já antes de meados do século XI, o mosteiro de Guimarães tinha o mártir de Valência como um dos seus titulares secundários. O censual de Braga, escrito entre 108S e 1091, do qual se conserva apenas a parte respeitante à região entre o Lima e o Ave, refere oito igrejas dedicadas a S. Vicente, e mais duas em que o mártir se associa a outro patrono. Enfim, a documentação medieval identifica noutras regiões outras igrejas sob a invocação do mártir que podem remontar a período anterior a meados do século XII.
Em Lisboa, a mais antiga atestação remonta ao tempo do nosso primeiro rei. Ao sitiar Lisboa em 1147, D. Afonso Henriques fizera o voto de, se a cidade lhe caísse nas mãos e os infiéis fossem aniquilados, mandar construir dois mosteiros junto a dois cemitérios que se revelavam necessários para sepultar os cruzados que sucumbiam junto às muralhas do castelo. Uma das igrejas foi erigida junto ao cemitério dos teutónicos em 1148 sob a invocação de S. Vicente. Não sabemos se já ali haveria um culto mais antigo, se era uma criação expressa. Tendo o rei dado a escolher ao bispo D. Gilberto e aos cónegos uma das duas igrejas, estes optaram por Santa Maria dos Mártires (a atual Sé de Lisboa), junto ao cemitério dos ingleses. A igreja de S. Vicente ficou então na posse do rei, e foi dirigida por presbíteros ingleses, até D. Afonso Henriques nomear o primeiro prior, Gualter, de origem flamenga, a que se seguiram cónegos regrantes da confiança do rei. Isto é relatado na "Notícia da fundação do mosteiro de S. Vicente", redigida em 1188.
Mas o que liga intrinsecamente Lisboa a S. Vicente é a chegada das suas relíquias ocorrida em 1173. Conta a "Crónica de Al-Razi", composta no século X, que conhecemos por intermédio de uma tradução portuguesa do século XIV feita a mando de D. Dinis, que, durante a perseguição de Abderramán I (756-788), o corpo de S. Vicente fora levado de Valência, onde estaria na antiga igreja sob sua invocação, para o Promontório Sacro, hoje Cabo de S. Vicente, em Sagres. O caráter sagrado do local já na Antiguidade era assinalado, desde, pelo menos, o geógrafo Estrabão, que viveu nos séculos I a. C. e I d. c., Plínio (século I d. C.) e outros autores do mundo clássico. A "História PseudoIsidoriana" e o geógrafo Al-Idrisi em obra de meados do século XII afirmavam que ali existiria uma "igreja dos corvos". Porventura, desde época recuada, ali poderia ter havido uma capela. Esta tradição sustentava a pretensão de Lisboa, pretensão essa apoiada nos séculos XVI e XVIII por Ambrosio de Morales e Henrique Flórez: seria aqui que estavam efetivamente as relíquias do santo.
Diga-se que Lisboa não era a única cidade a presumir ter o corpo do mártir. Aimoin de Saint-Gerrnain-des-Prés conta que o corpo do mártir fora trazido, em 863, de Valência para Castres, uma cidade no sul de França. No século XI, um braço num relicário fora levado de Valência para Bari. Também San Vincenzo ai Volturno (desde inícios do século VIII), e depois Cortona e Metz, Benevento e Monembasia (no sul da Grécia), reclamavam deter o corpo do santo. Por outro lado, o século XII é um período de intenso "achamento" de corpos santos e relíquias, geralmente com o objetivo de promover a peregrinação e ampliar o prestígio e o estatuto das respetivas igrejas. Relembre-se apenas, no início do século, Braga e Compostela, que se dedicaram à disputa da posse de corpos santos.
Neste contexto, em 1173, de acordo com um texto de finais do século XII ou do século XIII da autoria de Estêvão, chantre da catedral de Lisboa, e que segundo Aires Nascimento, corresponde ao momento da instauração do culto na diocese de Lisboa, um anónimo alerta para a existência do corpo do mártir na ponta do Algarve, em mãos dos infiéis. No dia 15 de setembro, as relíquias chegam a Lisboa, ficando na igreja de Santa Justa, antes de se recolherem no dia seguinte na Sé, com a oposição da igreja real de S. Vicente. O mártir de Valência tornou-se assim o padroeiro de Lisboa, sendo o dia da chegada do seu corpo celebrado na liturgia e em animadas festas populares (15 de setembro). E este dia, que no século XIX mudou para 22 de janeiro, foi comemorado até recentemente.

 
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