“Eu sou o caminho, a
verdade e a vida” (Jo 14,6)
Os textos de S. João que meditamos nos Evangelhos das
eucaristias desta quadra pascal são de uma riqueza única e singular, dando a
este tempo um sentido pleno de esperança que nos abre para um horizonte de
eternidade, como sucede em todo o Evangelho de S. João. Do texto deste domingo
podemos retirar esta afirmação de Jesus em que, mediante 3 palavras, Ele afirma
a sua missão ‘Eu sou o caminho’, a sua identidade ‘Eu sou a verdade’
e a sua pessoa ‘Eu sou a vida’. Três palavras-chave que definem o
sentido do mistério de Cristo e, ao mesmo tempo, marcam as configurações da
vida cristã como sendo uma caminhada na busca e na procura de Deus. Já assim o
era no Antigo Testamento como no-lo mostra a pessoa de Abraão: ‘deixa a tua
terra e parte’. E Abraão partiu; toma o teu filho e vai… E Abraão tomou o filho
e foi…, mesmo ainda sem conhecer o caminho, nem a meta.
Ele partiu porque, sendo Homem de fé, sabia que mesmo
na noite da dúvida, da incerteza, Deus era o caminho, do qual recebeu o maior
dom – ‘o filho que tanto amas’ – e também era a certeza que os seus sonhos não
morreriam no caminho, porque estava pronto a dar a Deus o que d’Ele tinha
recebido, o seu grande amor: Isaac. Agora, é Jesus, o filho único, que o Pai
deu aos homens que se faz nosso caminho; Ele não nos mostra o caminho; Ele é o
caminho e o caminho consiste em ‘acreditar na possibilidade impossível de Deus’
que, apesar do Seu silêncio (como o sentimos hoje, nesta noite de procura e de
penumbra) e das Suas exigências impossíveis, nós sabemos que Ele está presente.
Com o caminho que é Jesus nós superamos a própria noite de Deus na história, a
noite do Seu amor por nós que só Jesus nos permite compreender e caminhar.
Enquanto ‘caminho’, Jesus mostra-nos que a meta é o
Pai e é por Ele e n’Ele que alcançamos a plenitude. Ele é o ‘caminho’ que
trouxe até nós a glória do Pai e pelo qual subimos também para a mesma glória.
Jesus não ousa apresentar-se como um modelo de procedimentos éticos ou de
valores morais. Pelo contrário, a sua proposta é uma caminhada que se faz
seguindo o seu testemunho de vida. Ele não se faz meta, mas apenas a estrada
que até ela nos conduz. A palavra de Jesus é clara; Israel tinha um caminho que
era a Lei; foi por ela que Abraão chegou ao Monte Moriá; é nela que Deus abriu
um caminho no deserto para que o Seu povo chegasse à Terra prometida, aquando
do êxodo; foi ainda por ela que Deus aplanou os montes e outeiros para que, no
regresso da Babilónia, o povo alcançasse de novo a sua meta, a nova Sião.
Habituados às distâncias e à aridez do deserto, bem como às encruzilhadas dos
vales e à sinuosidade das montanhas, Israel sabia, por experiência própria,
como é difícil percorrer a Terra e alcançar o termo de uma qualquer viagem,
mesmo quando programada. Na Palestina, as incertezas dos caminhos, as miragens
do deserto e os perigos que lhes estão associados, acarretam consigo muitos
obstáculos e fazem com que qualquer viagem seja sempre um risco. Agora, o
‘caminho’ já não é uma construção exterior, nem uma distância a percorrer, mas
sim a pessoa do Filho que, enviado ao mundo para o salvar (Jo 3,17), identifica
o Pai e nos introduz na comunhão com Ele. Nós não fazemos o caminho; apenas o
percorremos. O nosso itinerário está feito; Jesus é Ele o caminho e a nós
compete entrar nele e com Ele seguir estrada fora, ao encontro do Pai. É
porque Ele é o caminho que ninguém ‘vai ao Pai se não por Ele’ (Jo
14,6). Mas para isso, há que O conhecer, pois só conhecendo-O é que podemos
chegar ao Pai e conhecer também o Pai (Jo 14,9). A beleza da fé está aqui; ela
é o caminho que em Cristo nos conduz ao Pai. E esse caminho faz-se e perfaz-se
em Cristo e com Ele.
O tempo pascal é esta caminhada em busca da plenitude:
caminhada na vida e caminhada na descoberta de Cristo ressuscitado. O evangelho
mostra a nossa identidade ‘peregrina’ de crentes que vão descobrindo a presença
do Senhor ressuscitado nos sinais da vida e muitos são esses sinais, incluindo
o do silêncio de Deus. O sentido do nosso peregrinar não está apenas no ‘fazer
caminho’; está essencialmente na busca do Sentido que nos conduz ao Pai. Só por
Ele e com Ele podemos lá chegar, pois só n’Ele é que cada homem se faz
‘peregrino da Eternidade.
Padre João Lourenço, OFM